23 de dez. de 2011

Para um fim da ano melhor

Quase sempre que vou buscar minha filha na escola, vou de bicicleta. Em nosso trajeto de volta passamos por duas grandes e movimentadas avenidas bem no horário de pico. São muitos carros, motos, caminhões, ônibus, buzinas e um clima de correria, um verdadeiro “saí da frente!” geral. Quando já estamos perto de casa sempre corto caminho por uma pequena e deserta rua, que com o tempo, passamos a chamar de a “Rua Silenciosa”. É com entrar num bosque ou mergulhar num rio. De repente, algumas coisas mudam radicalmente: pedalo mais devagar, ouvimos pássaros, mexemos com o cão baixinho que mora ali, passamos por uma praçinha, percebemos o entardecer, e o melhor, conseguimos conversar!
Entrar na “Rua Silenciosa” é ter o prazer de não sentir mais uma dor, um incômodo, como o de tirar um sapato apertado, e quando a irritação cessa, algumas portas se abrem. Entrar na “Rua Silenciosa” traz uma sensação de tranqüilidade, de proteção, e só com o silêncio externo posso ouvir as deliciosas histórias de minha filha. O silêncio externo permite me aproximar do que é realmente importante e simples. Silêncio que humaniza e fertiliza.  
Nesse final de ano estou mais na avenida do que na “Rua Silenciosa”, estou cansado, querendo parar. Perceber essa situação já me ajuda a diminuir o ritmo, assim não me consumo totalmente. E por falar nisso, consumo, ruídos, avenidas, pressa, horário de pico, “saí de frente!”, e coisas do tipo, já são marcas desses dias tão tumultuados e ruidosos de festas de fim de ano. Vamos todos apressadamente para as avenidas, todos ao mesmo tempo.
Neste caso, desejo de coração que você possa encontrar, e freqüentar, a sua “Rua Silenciosa”. Que você possa caminhar por ela, neste fim de ano e por todo o próximo.



"Proibido parar e estacionar"
A placa e o lema das avenidas







Obs: Sim, a "rua silenciosa existe"! Mas é sempre uma via paralela, pequena, meio despercebida e aparentemente inútil, e não é possível achá-la pelo mapa, só pelo coração.


"Pare"
A placa e o espírito da "Rua Silenciosa"

11 de dez. de 2011

Respeita o Ser

                                                              

“O pior pecado, a raiz de todos os pecados é insultar ou diminuir o próprio Ser, enquanto a maior das virtudes é respeitar o Ser.”
      Swami Muktananda

Swami Muktananda foi um sábio e realizado yogue e descreve aqui uma situação humana que é constatada diariamente no consultório psicológico. O maior pecado, ou seja, o maior engano e a maior fonte de sofrimento é o distanciamento ou a inconsciência do Ser.
Esse é um fundamento do yoga, e indica que qualquer que seja o caminho que viermos a tomar na vida, este será sempre equivocado se não for orientado pela bússola interna, pela experiência do Ser. Insultar ou diminuir o próprio Ser é tentar e acreditar ser o que não se é, é afastar-se do próprio centro, e o que vier daí está fadado ao fracasso e ao sofrimento.
Vários foram os autores e pesquisadores da psicologia ocidental que formularam o conceito de Self, e que em alguns casos, se aproxima ao conceito de Ser (purusha ou atman em sânscrito) do yoga.

5 de dez. de 2011

Muito mais que um curso


Neste final de semana conclui minha formação em Iyengar Yoga com o professor Sandro Bosco. Foram três anos de muitos asanas, pranayamas e meditações em grupo, aulas de filosofia, anatomia, grupos de estudos, conversas e viagens sobre yoga e afins, aulas didáticas, silêncio, mantras e pujas.
Durante esse tempo aprendi e compreendi várias técnicas novas, aprofundei muito o entendimento da filosofia do yoga, conheci várias pessoas interessantes e praticantes e ainda tive aulas com excelentes e experientes professores. Até aí, quase tudo dentro da expectativa que se tem de um bom curso, mas, para mim, o melhor de tudo ainda não foi isso.
Agora no final algo ficou mais claro para mim, algo que tem pouco haver com conteúdos de aula, diploma, currículo, carga horária, título, ou qualquer coisa que tenha essa conotação de reconhecimento mais social. O que foi, e o é, realmente importante para mim nesse “curso” foi a possibilidade de ter experiências únicas, transformadoras, sutis e intensas com a prática do yoga em grupo. Mais do que isso, ter essas experiências e ainda poder compartilhar-las num clima acolhedor e atento a tão particulares vivências. Quanta intimidade em, por exemplo, compartilhar momentos de silêncio pleno lado a lado, sem nenhuma explicação ou intenção. No yoga se vai para dentro e esse é um território onde convenções nem sempre funcionam, e onde o apoio externo é fundamental para continuar a prática e a transformação pessoal. O apoio vem aqui na forma do professor e do grupo.
Poder estar com pessoas que também têm na prática do yoga um pilar de vida é muito estimulante. É um reforço para a caminhada pessoal, é um empurrão para ensinar, e um empurrão ainda maior para praticar e aprender mais. Essa a força do sanga, que nutre a todos participantes. Feliz escolha a minha!
Minha enorme gratidão aos meus professores Sandro Bosco (em especial), Waldir, Marisa, Tchê, Cris, Carol e Luigi, e aos muitos parceiros e intensificadores de prática, que acabaram se tornando amigos de caminhada.
Grande abraço a todos!
Na foto acima, a mandala feita com a força, integração e sensibilidade do grupo.

23 de nov. de 2011

Uma iniciação



        Talvez eu estivesse com sete ou oito anos e o clima em casa estava bem tenso. Não me lembro bem o motivo, possivelmente uma briga entre irmãos (quatro meninos praticamente com a mesma idade) e minha mãe nervosa tentando intermediar. Só sei que, no meio da confusão, meu pai me chamou em seu quarto e pediu para que eu me deitasse na cama de casal. Fechou a porta e me disse algo sobre o que iria fazer comigo, e do qual só entendi que era alguma coisa diferente, uma curiosa novidade. Fisguei a isca de imediato. Lembro que fiquei deitado com os olhos fechados, enquanto ele de voz mansa me conduzia por um inesperado relaxamento. Na época meu pai estava envolvido com estudos de parapsicologia, coisa que despertava em mim um misto de receio, curiosidade e admiração. O relaxamento com que ele me presenteou foi simples, rápido e transformador.

        Lembro claramente de duas cenas: eu fechando a porta ao entrar no quarto e abrindo-a para sair. Entrei de um jeito e sai de outro. Essa retirada inusitada da confusão familiar teve um efeito profundo em mim, não só por me acalmar naquele momento, mas principalmente por me abrir para um universo inédito e surpreendente de interiorização. Esse relaxamento significou para mim, além de um resgate e um cuidado paterno, uma iniciação. Só me dei conta disso ao recontar, muitos anos depois, essa história para minha filha, um pouco antes de fazer com ela o que passamos a chamar de “imaginação”, ou seja, um relaxamento antes de dormir.

      Receber uma iniciação é receber uma chave, uma senha de acesso à um universo desconhecido até então. Tive a sorte de receber essa iniciação de meu pai e a felicidade de reconhecê-la como tal. Não sei se essa a era a intenção dele, mas o seu relaxamento foi uma chave que me abriu futuramente para os caminhos da Psicologia e do Yoga. Ao longo da vida somos todos presenteados com muitas iniciações, formais e informais, mas se não lhe damos significado, se não sentimos o poder de ter a chave na mão, ela poderá ser inócua, nula, sem nenhum efeito transformador. Pode ser bem oportuno perguntarmo-nos sobre quantas iniciações já não desperdiçamos por falta de atenção? 

        Trago comigo essa iniciação de relaxamento como uma das muitas heranças que meu pai me deixou. Nesta quarta dia 15 de novembro ele completaria 73 anos de vida, porém, como um bom pai que proporcionou inúmeras iniciações, à mim e aos meus irmãos, ele continua vivo, muito bem vivo! 

Jay Rocão!!! 




15 de nov. de 2011

Para aprofundar a prática



"Luz na Vida", B.K.S. Iyengar, Summus editorial, 2007.
Este livro é fruto de 70 anos de prática e ensino de yoga. Essa bagagem confere uma autoridade que poucos possuem, e permite que se vá fundo no entendimento do que seja o yoga. Ao se olhar para os asanas (as posturas) difícilmente pode-se imaginar o quanto eles podem nos levar para dentro e ser fonte de sabedoria e compreensão da vida.

Neste livro, o senhor Iyengar aprofunda o entendimentos dos asanas e pranayamas (respiração) para muito além de meras técnicas, e abre as portas para um caminho de autoconhecimento e libertação, metas últimas do yoga.   

12 de nov. de 2011

A padaria e o Universo



Esse vídeo é o trecho inicial de “Contato”, filme baseado no livro de mesmo nome do astrônomo Carl Sagan. Sagan foi um sério pesquisador da existência de outras formas de vida no universo e produziu, nos anos 80, a famosa série de TV “Cosmos”. Assisti-la no sábado de manhã era para mim um momento especial, me fazia olhar para o céu noturno com outros olhos.   
Já assisti “Contato”, mas ontem, ao ver essas imagens, fiquei transtornado, meio sem ar e emocionado, sem entender direito o que tinha me tocado. Ir de carona nessa viajem pelo universo abre algumas perspectivas quase absurdas para o nosso dia-a-dia. Passado o “susto”, começaram a vir pensamentos tentando entender e assimilar o que senti, e também tentando fazer possíveis relações. O ponto principal foi de como nossa noção de tempo e de espaço é totalmente relativa, e em como isso influi diretamente em tudo que acreditamos.
A força desses pensamentos foi me deixando acelerado e agitado, estado esse que alimentava mais pensamentos.  Mas, só percebi que estava assim um pouco depois, quando fui comprar pão. Caminhando, fui aos poucos desacelerando ao sentir meus pés tocarem o chão, ao respirar e ao olhar a rua e todos os detalhes do meu pequeno percurso até a padaria. O pão me resgatou, me trouxe para o corpo e para a mãe Terra, afinal, é aqui que vivo.
Mais tranqüilo, fiquei com essa imagem bem nítida, embora meio contraditória: somos humanos e isso nos permite ter consciência, tanto de ter os pés no chão como de sermos parte consciente do Universo em expansão. Terra e Céu em nós, nem só cá, nem só lá. Para a jornada da Consciência, os pés precisam estar no chão e o corpo precisa estar encarnado.

7 de nov. de 2011

Com firmeza e leveza

Tenho muito claro na memória aquele momento. A praia quase deserta e eu praticando, perto de mim minha mulher e filha brincando. O calor agradável, o sol, o mar, a floresta perto, a manhã radiante, tudo isso era muito estimulante e a minha prática ia nesse embalo. Já bem aquecido, entro em urdhva dhanurasana e algo surpreendente aconteceu. De repente tudo em torno de mim parou e eu fiquei no centro de tudo. Não havia esforço, não havia desconforto, não havia presa, não havia inquietação, só havia uma certeza de que tudo estava certo, nada havia para ser feito. Não sei quanto tempo fiquei no asana, mas sentia que poderia ficar nele para sempre.

A definição clássica para asana é uma postura corporal onde se experimente firmeza e leveza, vigor e suavidade, onde não haja nem moleza e nem dureza. Asana é uma postura de estabilidade, onde opostos se relacionam sem se anularem. Os opostos integrados nos levam à um outro patamar de experiência. A experiência do asana é na verdade uma experiência para a vida, ir além dos opostos e perceber outros ângulos da realidade. 


Na foto, eu em urdhva dhanurasana na praia, mas em outro momento, num dia onde brincava como menino na areia.

2 de nov. de 2011

Expectativas

Durante uma boa parte do tempo em que dou aula, mantive a convicção de que dar a primeira aula para um aluno novo era algo difícil. A aula mais exigente e cansativa era sempre aquela onde havia um ou mais alunos que nunca tinham praticado, ou que já tinham experiência anterior de yoga. Os que nunca haviam praticado às vezes mal conseguiam se sentar no chão e os que já praticavam já sabiam o que fazer, só que de um outro jeito. Nessas ocasiões procurava dar mais atenção á eles, fazia uma aula mais simples, mais básica. Mas ocasionalmente isso era desgastante, parecia que não conseguia agregar e agradar os novos e os antigos, que a aula não tinha sido fluida e integrada.  
Acho que, diante do aluno novo, eu tentava antecipar o que ele queria, tentava agradá-lo, queria que ele tivesse uma boa experiência, enfim, queria que ele voltasse. Com o aluno que já tinha praticado ocorria algo um pouco diferente, queria agradá-lo em comparação ao professor que ele já teve, não queria que ele me achasse pior que o seu anterior. Em resumo, diante do aluno novo eu acabava querendo muita coisa. Diante dele o meu querer ficava maior do que ele e do que ele trazia de novo para mim.  
Mas foi então que durante uma aula, em que havia uma aluna nova, eu me percebi tenso, como se estivesse devendo algo. E de repente ficou claro que eu estava realmente tenso, tentando agradar aquela aluna, tentando dar uma boa aula. Eu estava me esforçando para isso. Só que fazendo isso tinha perdido minha naturalidade, minha espontaneidade, e assim a coisa fica desgastante mesmo. Depois dessa aula fui deixando de tentar agradar, fiquei bem mais a vontade com os alunos novos. Não sei o que vieram buscar no yoga, talvez nem eles mesmos saibam, não sei se o que é uma boa experiência para mim também será para eles.
Na verdade o difícil não é agradar um aluno novo, o difícil é corresponder à expectativa do outro, e o pior de tudo, corresponder a uma expectativa que eu nem sei qual é. Minha ansiedade atropelava a mim e ao outro. Essa experiência é bem evidente também no consultório psicológico, mas não apenas com o paciente novo, isso é válido em todas as sessões, a cada novo encontro. Não sei o que o outro quer ou precisa, só vou descobrir com ele, tanto com os alunos como com os para pacientes, com os novos e com os “velhos”.  
Abrir mão dessa tensão de corresponder à expectativa do outro me faz lembrar uma frase do psicanalista francês Jaques Lacan: “esperem o que quiserem”. Há aqui a indicação de uma experiência de liberdade, de independência e de tranqüilidade em ser quem se é, além das expectativas, reais ou imaginadas, e essa é uma busca do yoga. 

30 de out. de 2011


        "Quando a mente está controlada
               e em silêncio, o que resta é a alma."
                                     
                                                                                             B.K.S. Iyengar

25 de out. de 2011


Adhomukha Svanasana
Adho: para baixo
Mukha: rosto
Svana:cachorro
Postura do cachorro olhando para baixo

Neste asana todo o corpo dá uma vigorosa espreguiçada, tal como um cão ou um gato faz naturalmente. A permanência neste asana proporciona descanso para a mente e recuperação da vitalidade do corpo.

17 de out. de 2011

Aos meus professores

O yoga é uma tradição que se sustenta na relação direta entre mestre e discípulo. Desde sempre a filosofia e as técnicas do yoga foram passadas pessoalmente, dentro da intimidade e da longa relação entre um professor e seu dedicado aluno. Só dentro desse contexto de entrega e confiança é que o aluno poderia se desenvolver e aprofundar sua prática. Sem essa relação de aprendizagem, e amizade, o yoga não existe, e certamente não teria chegado até nós, ficando perdido no tempo. Hoje é possível ter contato com o yoga por livros, CDs, DVDs, internet e cursos rápidos de alguns dias, mas apreender e desenvolver, só mesmo numa relação próxima com um professor. Você acha que seria possível perceber, e realizar, as inúmeras correções e detalhes dos asanas dentro do método Iyengar através de um livro?
Mas esta situação de professor (aquele que pode orientar) e aluno (aquele que tem a aprender) não é exclusiva do yoga, ela é uma condição presente em qualquer atividade humana. Sem ela não seríamos sequer humanos, pois não teríamos acesso à cultura acumulada no decorrer da história. O professor é uma ponte que permite chegarmos até a outra margem, e durante a vida passamos por muitas pontes. E um detalhe, independente de assumir o papel de professor, somos também em muitas situações, pontes, professores.
Apesar do atraso, deixo aqui meu profundo agradecimento aos muitos professores que encontrei pelo caminho e que me levaram até a outra margem. Por quanto ou á quanto tempo, não importa, o que e como aprendi, também não importa. Só importa que com eles transformei-me e fui um pouco mais além.

15 de out. de 2011

Namastê



Namastê é uma saudação utilizada nas práticas de yoga, é uma palavra em sânscrito que significa “curvo-me perante a Ti”. Mais do que um cumprimento formal, namastê é uma menção direta da nossa essência, daquilo que é maior que nosso corpo, nossa personalidade, situação social, idade, sexo, ou qualquer outra condição passageira. Namastê se refere ao nosso estado de Ser, saúda nossa identidade última, a mesma que compartilhamos com todos. Namastê é um reconhecimento de que somos irmãos, que apesar da nossa imensa variedade e diversidade, de alguma forma somos iguais. No yoga o maior erro é o esquecer-se dessa identidade essencial, da nossa verdadeira raiz. É bem conhecida a tradução de namastê por “o Deus que há em mim saúda o Deus que há em você”, deixando mais evidente o tom de sagrado dessa saudação.
O filósofo alemão Martim Buber fala de duas atitudes que podemos adotar ao nos relacionarmos: eu-isso ou Eu-Tu. Quando nos vemos como eu menor, considerando, por exemplo, apenas nossa personalidade, acabamos vendo o outro também como menor, como um “isso”, como um objeto a nossa disposição ou como quem nada tem haver conosco. Essa é a relação entre um “eu” e um “isso”. Mas quando vivemos a partir do Eu maior, que está além de identificações parciais, enxergamos no outro uma expressão dessa mesma essência, o mesmo “Eu”, e ele passa a ser um “Tu”, não mais um “isso”. Namastê é uma forma de praticar a relação Eu-Tu, e é também uma lembrança da nossa unidade.
Dizer namastê com essa intenção faz muita diferença e pode abrir em nós um olhar diferente para o outro, talvez com mais respeito e bem menos julgamentos e pré-avaliações.

8 de out. de 2011

O homem também morre pela boca

Escrevi algum tempo atrás sobre o evitar vazamentos na prática do yoga, no caso o vazamento era o da queixa e da reclamação. Outro poderoso vazamento ocorre pela fala. Perdemos energia vital (o prana do yoga) pela fala solta e pela língua descontrolada, e que muitas vezes também é afiada.
A boca é uma porta de entrada e de saída, por ela nos nutrimos e por ela nos enfraquecemos, e se diz até, que por ela também morremos. Morremos ou adoecemos pela alimentação excessiva e inadequada, mas também pelo que saí pela boca na forma de palavras carregadas de intenções. A língua é rápida e poderosa, ela é capaz de criar realidades em segundos quando dá vida para palavras que até então estavam apenas no plano mental. Falar muito agita a mente, levanta muita poeira. Uma mente excitada encontra vazão no falatório desenfreado, e um falatório desenfreado produz agitação nas ondas mentais. A verborréia é ao mesmo tempo, expressão e combustível do turbilhão mental, portanto fechar a boca pode ser uma interferência direta nesse processo. Diminuir ou conter a fala é um recurso simples e profundo do yoga para aquietar a mente.
Experimente passar um período em silêncio total, ou então, falar apenas se tiver algo de bom para acrescentar. Essas simples práticas deixam evidente como vazamos em verborréia, como falamos desnecessariamente, como somos irresponsáveis na fala e na condução de nossos pensamentos. O silêncio nos permite ouvir o ruído interno com nitidez, e assim, podemos aquietar a mente e o coração.  

30 de set. de 2011

Um bom negócio


Há uma química a ser descoberta na prática de cada asana. Essa reação depende de vários fatores, tais como nossa disposição física e mental no momento, a intensidade que damos ao asana, o tempo de permanência, os asanas anteriores e os posteriores, momento do dia, estado de entrega à prática, tempo de prática, qualidade da prática, entre outras coisas. Todos estes fatores se relacionam e podem produzir experiências únicas, que quase sempre estão acima da nossa intenção e controle. Mas essa química entre a prática, o asana e nossa experiência tem uma equação determinante: o tanto que se dá é o tanto que se recebe.
Uma prática com pouca dedicação será modesta em seus efeitos, o pouco investimento nos trás pouco retorno. No entanto, uma prática feita com vontade, entrega e vigor, nos leva para além da nossa zona de conforto, e torna-se uma prática concreta de transformação e superação. Conquistamos novos territórios em nós mesmos. No yoga essa atitude chama-se bhava, que é o sentimento intenso de amor, fé e devoção para com o que estamos fazendo. O estado de bhava abre portas, permite cruzar montanhas.
Diante da nossa entrega e dedicação, o asana responde despertando em nós força, clareza, bem estar e uma nova consciência. E aqui fica uma dica: nesse negócio não economize (ou fique na preguiça), invista!

28 de set. de 2011

O que escutas?

O yoga reconhece o imenso poder vibratório do som. Os mantras são um meio de se intervir diretamente na nossa consciência, alterando nossos estados internos. As expressões do som na forma de palavras e musica também emanam o mesmo poder. Somos afetados, percebendo ou não, pelas vibrações físicas do som, e não é força de expressão falar que determinada palavra ou música nos toca, pois elas nos tocam mesmo! Seu efeito é imediato e repercurte por todo nosso corpo físico, energético, emocional e mental. O som pode nos levar para o céu ou para o inferno dentro de nós. Portanto, é bom escolher com o que alimentamos os ouvidos, pois a alma não é surda.

Apresento, com orgulho,  Andre Geraissati, um músico profundamente inspirado e original. Suas músicas abrem caminhos, levam a lugares únicos e especiais. Para mim, escutar, saborear, olhar, cheirar e ser tocado por suas músicas tem o efeito de uma prática, me aquietam, me despertam. Experimente se entregar à essas "Fazenda 83" e "Três Marias".


19 de set. de 2011

Disciplina é liberdade

Conversava com uma amiga sobre alguns hábitos que fui adotando com a prática do yoga, principalmente os ligados à alimentação. No final da nossa conversa ela disse que apesar do yoga desenvolver a flexibilidade, eu havia me tornado rígido, pois fazia poucas concessões. De imediato não gostei muito de ser chamado assim, mas logo depois confirmei, dizendo que o que ela chamava de rigidez era na verdade disciplina. Disse isso ao me lembrar de um trecho de uma escritura antiga do yoga que diz: se não houver disciplina, o yogui não conseguirá nada com sua prática.
Um sonho dourado parece ser o de mudarmos sem nenhum esforço. Querer emagrecer sem mudar os hábitos alimentares, querer saúde sem cuidar de fato dela, querer tranqüilidade sem largar o que gera stress, resumindo, querer e não precisar fazer. Há sempre um remédio ou uma pílula meio mágica que pode fazer o trabalho por nós, o problema é só achá-la. No yoga, um dos "remédios" mais eficazes é a disciplina, ou seja, o comprometimento ao longo do tempo com alguma prática. Sem o comprometimento e a constância a semente não vinga, o padrão não se altera e a mudança de fato não ocorre.
Eu arrisco definir disciplina no yoga como uma frustração auto-imposta. Apesar de soar não muito simpático, acho que a auto imposição e a frustração nos remetem à algo valioso. Diferente da disciplina exigida num quartel ou numa escola, no yoga a disciplina só tem valor quando exercida pelo próprio praticante, não por uma imposição externa, mas por um desejo próprio. Mas a disciplina só vai acontecer se for possível aquentar frustrações, se for possível abrir mão de algo. Num exemplo simples, se quero praticar mais e não tenho tempo, posso acordar mais cedo, mas para isso terei que largar o conforto da cama. Eu mesmo me frustrarei. A direção está comigo. Alias, só sou livre quando posso recusar, se não consigo recusar, não sou livre, não existe liberdade que não passe pela frustração.
Percebo também como esses conceitos estão deslocados atualmente, e como fazem falta para todos nós. Frustração parece ser sempre algo lamentável e indesejável. É mais fácil falar de física quântica do que de frustração, ainda mais se ela for auto imposta. Disciplina, recusa, frustração, tudo isso parece coisa do passado, algo que não combina com o nosso tempo onde se pode tudo, o tempo todo. 

16 de set. de 2011

Mas afinal, o que querem as mulheres?


Essa é uma famosa indagação de Freud ao se deparar com os mistérios do feminino, e, acho eu, que é também uma questão que muitos homens se fazem diante de suas companheiras. Mas não quero falar aqui das diferenças de gênero em si, quero é ampliar um pouco uma constatação bem óbvia. Desde que comecei a me envolver com o yoga, e até hoje, o número de mulheres praticantes é sempre bem maior que o de homens. Por quê?
Quando comecei a praticar, a imagem do yoga era de algo meio esotérico e mais destinado para senhoras. Hoje essa imagem mudou, mas elas ainda são a maioria. Num dia desses, depois de ter dado três aulas onde só havia mulheres, fiquei me perguntando: o que as mulheres procuram? O que encontram no yoga? E os homens, o que querem? Por que a maioria não procura o yoga? Que relação pode existir entre ser mulher ou homem e praticar yoga?
Bem, se você, homem ou mulher, tiver alguma idéia sobre isso e quiser compartilhar, fique a vontade, gostaria de ouvir opiniões.  

11 de set. de 2011

Badhakonasana


Badhakonasana
Badha: retrito, fechado
Kona: ângulo
Postura do ângulo fechado

Nesta postura, o ângulo fechado das pernas proporciona um aumento da circulação de sangue na pelve, no abdome e nas costas. É ótimo para as mulheres pois ajuda a regularizar o ciclo menstrual e estimula os ovários. Sua prática ajuda as gestantes a se preparar para o parto. Pode ser realizado com apoio nos quadris, com apoio de uma parede nas costas, como invertido ou ainda deitado.

5 de set. de 2011

Mais livros?

Desde pequeno estou envolvido com livros. Meu pai teve uma livraria por mais de 20 anos e lá tive contato com muitas pessoas e muitos livros. Adorava abrir as caixas cheias de livros que meu pai trazia toda semana de São Paulo, repletas de pedidos e lançamentos. Adorava também conferir todos esses livros e depois organizá-los nas estantes por assunto ou por autor. Dessa forma, acabei gostando não só da leitura, mas também dos livros, e aos poucos fui formando a minha biblioteca, que estou sempre reabastecendo.
Há uns dias atrás dei uma passada no sebo onde sempre vou procurar “novidades”. Eu já havia escolhido dois livros, quando chegou um senhor de boné com algumas caixas de livros para vender. Eram livros de auto-ajuda, de psicologia, de administração e afins, e eu fiquei ali na espreita, ansioso para dar uma olhada no banquete recém chegado. Porém, enquanto conversava com o dono do sebo, o senhor de boné soltou uma que me deixou imobilizado. De forma simples e direta ele falou: “Eu fiquei muitos anos só lendo, até perceber que eu não colocava nada do que lia em prática. Agora só quero ficar com alguns livros, não adianta nada ler e não fazer, senão a vida continua na mesma.” Apesar de já dizer isso várias vezes para mim mesmo ao entrar numa livraria ou sebo, ouvir isso com tanta convicção foi um tanto revelador.
Tomada a lição, larguei os livros que já tinha escolhido, agradeci silenciosamente o senhor de boné e fui embora ruminando sobre a verdade dita por ele. Tal verdade é especialmente válida para livros de yoga e de espiritualidade em geral. Nesses assuntos o acúmulo de informação pode ser mais uma barreira do que um esclarecimento. Yoga é prática, é experiência própria e não uma teologia ou teoria sobre algo. Ler sobre yoga pode levar à ilusão de se estar vivenciando o yoga, mas isso é só alimento para elaborações mentais e não produz mudanças efetivas na vida. Ler livros, assistir palestras e vídeos, ser simpatizante, querer um dia praticar, saber nomes, estudar, debater..., tudo isso é estéril sem a vivência da prática.
Para mim, largar os livros foi calar aquela eterna fome de mais informação, que na verdade é uma inquietação, uma ansiedade. É preciso largar a expectativa de que ainda falta, de que ainda se está incompleto. O ainda é uma boca escancarada querendo sempre mais, dizendo: “quando eu souber isso serei feliz, quando eu fizer tal asana minha prática vai ser boa, quando eu tiver tempo..., quando eu conseguir..., quando eu puder..., quando eu estiver preparado..., quando..., quando..., pois eu ainda não...”. Eterno ciclo que nos leva a um beco sem saída: jogar para o futuro a possibilidade que só é real no presente.
Livros novos? Que tal ler os que já estão na minha estante. Mais livros novos? Que tal reler e aprofundar os bons que já li. Livros novos de yoga? Que tal praticar o que já sei intelectualmente. No yoga a aventura começa sempre na prática.

3 de set. de 2011

A graça não tem forma II


Quero acrescentar duas coisinhas sobre a postagem anterior:
  • Eu não conhecia o Acro yoga até ver o vídeo, então fui dar uma pesquisada. Acro yoga é uma maneira de praticar asanas em dupla utilizando-se também de recursos da acrobacia, da dança e da massagem indiana Thai. O trabalho em dupla desenvolve integração, companheirismo e confiança. 
  • Encarnar o corpo não é algo que se faça sem algum empenho. É preciso um meio para se entrar em contato com o corpo e ir habitando-o gradativamente, e para isso, os asanas (posturas do yoga) são uma maravilhosa ferramenta. Além dos asanas, há muitas outras formas de se percorrer esse caminho de ampliação da consciência do corpo, mas o que é fundamental em qualquer uma delas é o “como” se faz isso. Dançar para uma apresentação ou para ganhar o prêmio do Faustão é uma coisa, dançar para se estar em contato consigo mesmo é outra. Fazer asanas para ser admirado, para conseguir mais desempenho é uma coisa bem diferente de mergulhar no corpo e em si mesmo através deles. 

30 de ago. de 2011

A graça não tem forma


Ouço muitos alunos dizerem que a falta de atividade física, a falta de flexibilidade e de força e, principalmente, a gordura e os quilinhos a mais são justificativas incontestáveis para as dificuldades que encontram ao fazer algum asana. Parece que os motivos são esses mesmos e que toda dificuldade se resume á esse aspecto, bastando então, fazer mais exercícios físicos. Mas não é apenas isso que esta em jogo, há uma outra coisa que não tem haver com o ter ou não condicionamento físico, com ter ou não o tamanho e a forma certa, ou melhor, a dita certa.
Essa coisa é o estar encarnado, estar presente e habitando todo o corpo, dos músculos até as entranhas, da pele aos ossos. Essa vivência de estar encarnado no próprio corpo exala graça, elegância e harmonia. Assim o corpo não é uma barreira a ser vencida, ou um ferro a ser malhado, e sim o meio de expressão de algo sutil e íntimo. Nosso corpo é nossa inserção no mundo, é nossa casa, nossa roupa, nosso veículo, nossa raiz, ele diz muito de nós, nos revela e nos cobre, nos prende e nos liberta. Nossos estados internos ganham realidade e poder quando podem aflorar pela maravilhosa capacidade do corpo de expressar as sutilezas do mundo afetivo. Que o diga um olhar apaixonado, ou um de ódio.
Neste fim de semana tive o privilégio de assistir a uma apresentação de dança clássica indiana. Emocionante, sutil, forte. Nada no corpo da bailarina é ignorado, dos dedos dos pés até as sobrancelhas, todo o corpo dança, ou melhor, se deixa dançar. A alma se revela e dança pelo corpo que é profundamente encarnado e, ao mesmo tempo, transcendido.
Quando assisti a esse vídeo de Acro yoga fui tocado de forma parecida, na verdade fui surpreendido ao reconhecer a graça e a leveza na praticante. Se o olhar for apenas para a forma dela, ela poderia ser chamada de “gordinha”, portanto quase uma coitada. Mas esse julgamento se torna sem sentido algum quando ela se expressa. A forma do corpo não limita o Ser. A forma é transformada e ganha graça, beleza e vida apenas quando se está profundamente no próprio corpo. Isso não tem nada haver com medidas, exercícios e a forma do corpo em si, tem haver com quem habita o corpo.


24 de ago. de 2011

o poder real


"Certa vez, o Buda foi ameaçado de morte por um bandido chamado Angulimal.
- Então tenha a bondade de realizar meu último desejo - disse o Buda.
- Corte o galho daquela árvore.
Um golpe de espada e pronto! 
- E agora? - perguntou o bandido.
- Ponha-o de volta - disse o Buda.
O bandido riu.
- Você deve ser maluco para pensar que alguém pode fazer isso.
- Pelo contrário, você é que é maluco, pensando que é poderoso porque pode ferir e destruir. Isso é tarefa para as crianças. Os poderosos sabem criar e curar."


22 de ago. de 2011

Para ler

"A árvore do yoga" de B.K.S. Iyengar, editora Globo. Neste livro o sr. Iyengar faz relações entre a prática do yoga e vários aspectos da vida, incluindo a saúde, família, etapas da vida, sociedade e uma interessante analogia entre as 8 etapas do yoga segundo Patanjali e uma árvore. Tenho um carinho especial por este livro, pois foi nele que visualizei e senti que a minha prática poderia ser bem mais profunda do que era, foi através deste livro que conheci o método Iyengar.



17 de ago. de 2011

Uma prática de yoga ou uma sessão de terapia?

Ontem a minha prática foi especial. Tenho feito uma mesma série de asanas há algum tempo, sempre os mesmos, na mesma ordem. Asanas que conheço já á vários anos, mas que vire e mexe me trazem boas surpresas. Ontem eles despertaram em mim sensações de segurança, determinação, lucidez e força, e numa conseqüência direta disso acabei resolvendo várias questões do meu dia a dia que estavam pendentes. Só percebi melhor esse efeito quando já estava resolvendo uma dessas pendências, essa por sinal já de alguns anos.
O que achei mais interessante foi a qualidade dos efeitos e a ressonância deles na minha vida além da prática em si. Os efeitos foram ganhando força no decorrer dos asanas e quando terminei estava sentindo-me muito bem, o que é bastante freqüente. Mas junto com as sensações mais corriqueiras de tranqüilidade, relaxamento, bem estar e energia, sentia também o gosto familiar de uma boa sessão de psicoterapia. Durante o processo psicoterápico podem ocorrer algumas sessões especiais, aquelas onde o inesperado surpreende o paciente e o terapeuta, onde algo se des-cobre e ganha vida, mudando definitivamente o caminho que estava sendo trilhado até então. Anos de terapia podem valer ou/e serem coroados por uma sessão com essa qualidade. Não se tem o controle de como ou quando despertar “isso”, parece até que “isso” tem vida própria, vem quando quer, ou pode vir, ou quer vir.
Saí ontem da minha prática/sessão sentindo-me confirmado, exato, livre, pisando no meu chão, certo do que precisava fazer e capaz de fazê-lo, algo havia se tornado mais simples para mim, algo havia se soltado. Sentia até a presença carinhosa do terapeuta, embora não me viesse à imagem de ninguém especificamente, que havia me apoiado e acompanhado nessa transformação.

15 de ago. de 2011

Yoga é filosofia


Num primeiro momento as posturas (asanas) do yoga podem parecer-se com uma atividade física ou com um tipo de exercício “zen”. Essa é a nossa referência cultural, o corpo é uma coisa, a mente é outra, as emoções são outra e o espírito, quanto reconhecido, é outra. Somos muito habilidosos em dividir e especializar as coisas do mundo e do ser humano em áreas específicas e distintas, mas nem todo saber é assim.
O yoga é uma filosofia prática que assume muitas formas, uma delas é o hatha yoga, o yoga que tem como ferramenta o corpo físico. Nesse yoga o corpo é transformado de maneira radical e profunda através dos asanas e pranayamas (posturas e respirações) que desenvolvem saúde, força, leveza, graça e longevidade. Mas esse trabalho corporal tem um alicerce filosófico que o sustenta e lhe dá sentido, sem o qual o hatha yoga pode virar uma malhação, das boas, mas apenas malhação. Além dos inumeráveis benefícios que trazem para o corpo e para a saúde, os asanas são principalmente um gancho para se conhecer e explorar a dimensão mental e seus padrões. O asana é a ponte que o hatha yoga utiliza para penetrar, aquietar e transcender a nossa instável e poderosa mente. E como faz isso? Focando a atenção no corpo e na percepção das sensações, despertando a atitude de observador, em outras palavras, levando o praticante a estar presente no corpo. Assim, a postura em si não é o mais importante, o que faz a diferença é a forma que é realizada e experimentada pelo praticante.
O asana acontece quando a filosofia Yoga se torna viva e real no corpo e na consciência do praticante. Nesse momento não há um corpo sendo malhado de um lado e uma mente perdida em pensamentos de outro, não há separação entre corpo e mente, entre filosofia e prática. Nesse momento não há nem mesmo um praticante, ali só há uma testemunha da experiência.

13 de ago. de 2011

Simples


"Ninguém jamais compreendeu


a beleza de uma flor


dissecando-lhes as pétalas"





Não se compreende a vida
dominando-a e dissecando-a
mas vivendo-a.

7 de ago. de 2011

O medo é um recuo



     Estou andando por uma rua silenciosa e arborizada após minhas práticas matinais. Ainda é cedo e o ar está fresco, o sol começa a aquecer o dia. Ando vagarosamente, sem presa, saboreando tudo que estou percebendo e sentindo. No meio desse estado de abertura e tranqüilidade sou surpreendido pelos latidos estridentes de um pequeno, e ruidoso, cão escondido atrás da brecha de um portão. Mais do que um susto, levei um choque. 

       Numa fração de segundo me encolhi, me defendi, saí do estado de abertura e de entrega que estava até então. Senti medo e recuei, imediata e involuntariamente. Essa reação não aconteceu apenas no meu corpo físico, que num salto se encolheu, ela foi ainda mais evidente em meu estado de espírito, em minha atitude interna, agora tensa e armada diante da ameaça sonora. Vi-me encolhido num gesto instintivo de proteção, fechando-me como as folhas da dormideira ao serem tocadas. Alguns passos adiante, respirando mais amplamente e observando o que havia acontecido comigo, fui me desarmando e voltando ao estado anterior de abertura e tranquilidade. Em instantes passei pelas experiências de estar aberto, ser “atacado”, sentir medo, me fechar, perceber minha reação defensiva e me abrir novamente.

     Um quarteirão adiante, já caminhando desarmado, me ocorreu que esse susto explicitou uma dupla fundamental de movimento em nossas vidas. Abrir e fechar, expandir e recuar, externalizar e internalizar. Vivemos nessas duas direções de fluxo, nesses dois movimentos básicos, sendo que, em um deles a energia vai para o mundo externo e no outro ela vai para o nosso mundo interno.

         Entre os vários motivos que podem nos levar para dentro há o sentimento de medo. O medo é uma emoção que nos fecha em nós mesmos, que desperta em nós uma atitude defensiva, um recuo diante da vida lá fora. No medo encolhemos os ombros, fechamos o peito, disparamos o coração, contraímos os músculos e congelamos o rosto e a respiração. Quando instalado, o medo pára em nós o pulsar da vida. Medo é o que sentimos diante de uma ameaça, ou daquilo que imaginamos ser uma ameaça. No medo encolhemos, ou avançamos atacando em desespero. No medo endurecemos, fingindo-nos de de morto, para não sermos mortos pela ameaça. No medo não vemos, escutamos, agimos ou pensamos com clareza e lucidez. No medo nos defendemos da nossa própria experiência.

         O contrário do estado de medo é a abertura, a entrega, a expansão. Se não há medo, os olhos podem enxergar, o rosto tem expressão e não se fecha, a respiração é calma, profunda e fluida, o peito é aberto e o corpo está pulsando, presente. Se não há medo é possível estar em relação íntima com o mundo, consigo mesmo e com o outro. Se não há medo o pensar se faz livre, o questionamento é possível. Se não há medo não há recuo, não há descompasso no fluxo das experiências. Se o medo não domina, a liberdade é possível, escolhas são possíveis, o diálogo é possível, a vida torna-se mais possível. Sem o medo a vida em nós pode expandir!

         Há várias formas de se lidar com o medo, entre elas abrir o corpo, ou seja, abrir os olhos (e enxergar), os ouvidos (e escutar), a boca (e dizer), os braços e as mãos (e fazer), as pernas (e sustentar e caminhar), o peito (e sentir e respirar). Podemos lidar com o medo abrindo a mente (e ousar pensar além dos padrões). Junto a tudo isso, teremos ainda melhores condições de lidar com o medo se tivermos a companhia de alguém presente e disponível conosco. 

          Lidar com o medo é deixar de recuar, é sair do encolhimento, é possibilitar a abertura e a expansão. No medo somos sempre menos do que realmente somos. Que mesmo com medo todos possamos lidar com nossos medos mais íntimos!  


3 de ago. de 2011

Quando o sono não vem


Dormir nada mais é do que um ato de entrega. Abandonar-se ao sono, aos lençóis, ao escuro, ao nada. Largar totalmente a mão do controle, da direção, pois para dormir, não há nada a ser feito, absolutamente nada. Quando não conseguimos esse "fazer nada", quando preenchemos o vazio do qual o sono brota naturalmente com alguma intenção, pensamento ou certas emoções, podemos receber a visita não muito agradável da insônia.

Ao contrário de ligar a tv, pegar um livro ou se levantar e ir fazer qualquer outra coisa, essa é uma ótima oportunidade para se praticar yoga. Com o quarto escuro e silencioso, experimente ficar deitado na cama com o corpo quieto, imóvel, e deixar a percepção passear pelas sensações do corpo e da respiração. Esse não é um exercício para se conseguir dormir, a única intenção é ficar percebendo as sensações que se tem, nada mais. Começe sentindo os pés, perceba quais sensações têm deles naquele momento, e depois vá passando cuidadosamente por cada parte do corpo, sem pressa, apenas percebendo e saboreando as sensações que tem de cada região. Durante esse percurso vários pensamentos virão pedir a sua atenção, e nessa hora é fundamental voltar-se apenas para as sensações e não alimentar os pensamentos. Ativar o racional nessa momento é afastar a entrega que pode levar ao sono, ficar nas sensações é uma forma de ir desligando a mente. 

Procure permanecer neste estado de observação despretensiosa, entregue à percepção das sensações corporais. Este é um estado profundamente restaurador e permite que o corpo e a mente descansem, independente do sono vir ou não. Não se importe e entregue-se ao corpo, você tem a noite toda para isso.

Para ficar do lado da cama


"Sono Tranquilo, programa completo mente/corpo para vencer a insônia", de Deepak Chopra, ed. Rocco. Neste livro o médico indiano faz um panorama do sono e da insônia, suas causas e seus tratamentos. Deepak Chopra é um famoso divulgador da milenar medicina indiana, o ayurveda. O livro traz noções básicas sobre a visão do ayurveda para o sono, a identificação dos 3 doshas (tipos) e indica uma série de cuidados a serem tomados para restabelecer o sono saudável. Simples e prático.

31 de jul. de 2011

O que desejas?

“Era uma vez um pedreiro muito pobre que ganhava a vida trabalhando numa pedreira. Um belo dia, após muitas orações, um gênio apareceu para ele e lhe concedeu um desejo, e excepcionalmente, este pedido poderia ser trocado por outro.
De imediato o pedreiro pediu para ser muito rico, e assim foi. Já rico e perdido entre tanto ouro e outros tesouros percebeu que faltava algo. Como tirar proveito daquilo tudo? Pediu então ao gênio que o transformasse em um nobre, e assim foi.
Já como um nobre que usufruía de muito luxo e requinte, percebeu que faltava algo. Ele obedecia ao rei que tinha mais poder do que ele e a quem todos reverenciavam. Pediu então ao gênio que o transformasse em rei, e assim foi.
Já sendo um poderoso rei dono de um lindo castelo com muitos súditos, percebeu que faltava algo. Um dia passeando pelos jardins do castelo sentiu o calor e a luz do sol, e lhe veio a certeza: era isso o que queria! Pediu então ao gênio que o transformasse no sol, e assim foi.
Já como o sol, radiante e senhor dos céus, foi surpreendido por uma grande nuvem que o encobriu. Vendo que a nuvem tinha mais poder que ele, pediu então ao gênio que o transformasse numa nuvem, e assim foi.
Já como uma grande nuvem que ocupava quase todo o céu, se viu sendo levado pelo vento que soprava livremente para onde queria. Como não tinha nenhum controle sob a direção do vento, pediu rapidamente ao gênio que o transformasse em vento, e assim foi.
Já soprando livremente pelos céus como o poderoso vento, se viu agora barrado por uma grande e intransponível montanha. Como nada podia diante dela, pediu depressa ao gênio que o transformasse em montanha, e assim foi.
Já sendo a majestosa montanha começou a sentir uma dor terrível que vinha em pontadas lá de sua grande base. Quis saber o que provocava essa dor, quem era mais forte que a montanha e pediu ao gênio que o transformasse nessa força, e assim foi.
E o gênio transformou-o de novo no pedreiro que trabalhava em uma pedreira.”

Desejos são assim, um começo sem fim, uma busca eterna de algo a mais. Essa busca pode facilmente ser direcionada para um fim, para aquilo que, quando conquistado, trará a tão esperada felicidade. Mas a satisfação não será completa, faltará algo, sempre. Então um novo desejo se apresenta e uma nova busca se inicia. Desejos são assim, uma eterna falta.



É possível sair desse ciclo? Como?

Como conduzir essa imensa força (desejar) que nos mobiliza tanto?


27 de jul. de 2011

Libertação


Esse é um relato raro, o relato de um sobrevivente de desastre aéreo. Fato realmente raro e notável, pois nesse acidente o piloto conseguiu pousar o avião num rio e todos os passageiros sobreviveram! Apesar disso, o relato fala de algo nada raro, de algo certo, da regra básica e primeira da vida, ele fala da morte.

Definitivamente esse não é um assunto atraente hoje em dia, é muito mais estimulante falar de sucesso, de saúde, de felicidade, de prazer, de qualidade de vida. A morte, a grande estraga prazeres, aquela que, quando é lembrada, acaba se resumindo em: "aí meu Deus, ... ela é triste, é assustadora, é deprimente, é para a velhice, é para os outros, é ......, aí, mais que assunto mais chato esse, precisa falar disso bem agora!". Acho que nos faltam palavras para falar dela e para pensar sobre ela, e o melhor que conseguimos fazer é afastá-la o máximo possível da nossa vida diária. Mas essa atitude defensiva pode impedir um entendimento mais profundo da vida e do que fazemos com ela.

Há 2000 anos o Yoga Sutra, livro de referência para a prática do yoga, já cita a morte como uma fonte de sofrimento humano. São listados cinco males que inevitavelmente geram dor e sofrimento, a morte é o quinto e último deles, vindo depois da ignorância, do egoísmo, da paixão e do ódio. O sutra diz assim: "Mesmo em uma pessoa sábia, a vontade de viver, movida por desejos pessoais, é profundamente enraizada." Desejos pessoais aqui se referem ao apego que temos aos nossos planos, às nossas intenções, ao nosso senso de controlar e dirigir tudo em nossa vida. A morte é a grande perda, é a grande derrota para o ego controlador. A vontade de viver é a vontade de controlar, de lutar, de não se entregar, de se manter apegado à vida. Tal empreendimento traz o inevitável medo da morte, da idéia do fim, sendo esse talvez o sentimento humano mais básico, o alicerce de muitas construções mentais e emocionais.

O trágico e irônico dessa situação é que nos apegamos à vida e não a vivemos plenamente, nos perdemos na fantasia de sermos eternos e protelamos o viver aqui e agora. A aceitação da morte é uma grande libertação, é largar a grande ilusão que carregamos obstinadamente, a ilusão de que temos total controle. Tudo isso pode parecer muito filosófico, distante da nossa vida real, mais é exatamente o que esse "sobre vivente" nos fala de maneira tão simples, forte e verdadeira.   
   
Agradeço a Solange por ter me mandado esse vídeo que me fez tão bem.

24 de jul. de 2011

Saindo do familiar


Acabei de assistir o filme “Rio” em família. Dei boas risadas, me empolguei, foi uma boa diversão. A animação conta a história de Blue, um raro exemplar de arara azul brasileira, que nas mãos de contrabandistas, acaba se tornando um animal de estimação num país distante e frio. A aventura envolve as suas descobertas de que é um animal selvagem, de que é capaz de voar, coisa que não sabia fazer, e de que necessita ficar com os da sua espécie, e não apenas entre os humanos.

Lembrei-me então da história “A águia e a galinha” contada por Leonardo Boff. É sobre um filhote de águia que caiu do ninho e foi tratada como se fosse galinha por um camponês.  Mais tarde, com a ajuda de um amigo do camponês, a águia que se achava galinha consegue resgatar seu espírito de águia, pára de ciscar o chão e ganha os céus, voando agora como uma águia.
Essas duas histórias trazem uma forte imagem sobre a condição humana. Todos nós somos ao mesmo tempo galinhas e águias, temos o doméstico e o selvagem em nós. E como consequência disso, sofremos o conflito entre esses dois espíritos tão distintos e tão importantes. O doméstico diz respeito ao que é conhecido, ao que é seguro, ao que nos é familiar. O selvagem é o que nos faz sentir a alma, a vida pulsando mais intensamente, é quando nos redescobrimos, nos surpreendemos, quando vamos além do território familiar. É verdade que precisamos da segurança do doméstico, do galinheiro para viver, e isso envolve as rotinas, as previsões, os confortos, as convenções sociais, os padrões, as certezas sobre quem somos. Mas, também é verdade que é nessa condição que corremos o sério risco de estagnar, de nos defender sistematicamente das surpresas, do inesperado, do novo. Passamos então a não ter mais espaço para sermos diferentes, para nos superarmos, encolhemos as asas que permitem voar alto.
No filme, Blue conseguiu voar e viver na floresta com uma nova companheira, mas para isso precisou enfrentar medos e questionar certezas que tinha sobre quem era. Precisou abrir mão das acomodações que tinha sendo um animal doméstico, precisou suportar e superar o conflito entre continuar a ser um animal doméstico ou aventurar-se em ser um animal livre, selvagem.  Tal conflito é o próprio motor da transformação, é onde surge a oportunidade real de mudança. É nesse confronto entre ficar no familiar e ir além do familiar que percebemos que somos mais do que julgávamos, ou melhor, de que não somos apenas o que achávamos que éramos.
Esses momentos de conflito e transformação ocorrem no transcurso da psicoterapia e na prática do yoga. Os dois, psicoterapia e yoga, são fermentos para mudanças, são plataformas para se alçar vou. Nos asanas esse conflito com o novo fica muito evidente e concreto quando colocamos o corpo em situações novas, desafiantes, e ele reage se defendendo com dor, medo, distração, desequilíbrio, estranheza e cansaço. O novo não acontece de imediato, o padrão não cede gratuitamente. Assim como Blue, pagamos um preço para sair do doméstico e voar por céus diferentes.

Utthita Trikonasana


Utthita Trikonasana
Utthita: estendido 
Trikona: 3 ângulos, triângulo
Postura do triângulo estendido

Este asana tonifica e fortalece os pés e as pernas, elimina a rigidez dos quadris e desenvolve todo o tronco. Tal como numa pirâmide, o trikonasana deve possuir uma boa base, e isso serve também para muitos outros asanas de pé, uma ampla e firme base de pés, pernas e quadris que vão sustentar o resto do corpo.