20 de ago. de 2012

Uma semana depois...

Uma semana depois de estar vestido de radiante amarelo
o mesmo ipê mostra-se agora totalmente despido, sem nenhuma glória.
Algum problema? Alguma perda? Algum lamento?
Mais do que em suas belas flores amarelas
a beleza do ipê repousa em ser uma árvore.
Árvores sabem das estações, das folhas que caem e que renascem,
das flores e das sementes, das chuvas e das secas.
Árvores sabem que, mesmo quando nuas, a vida pulsa nas raízes profundas.
Árvores não se apegam a primavera, e muito menos fogem do outono.
Exalam flores, frutos e folhas que todo ano doam ao chão. 
Uma árvore É, e repousa nisso, para além do que vem e do que vai.
Uma árvore é bela, sempre, mesmo quando já seca e nua,
sustenta de pé a própria morte.
 

13 de ago. de 2012

Quando o amarelo acariciou o concreto



A cidade é absoluta, tudo é preenchido com asfalto, cimento, aço, fios, vidro, grades e ferro.

Tudo é reto, anguloso, construído, planejado, comprado, utilizável e desgastável.

A cidade é um shopping center, uma ilha, onde reina apenas a cultura do homem.

E na cultura do homem cabe apenas o homem, todo o resto é apenas um incômodo detalhe.

O homem mergulhado em sua cultura é como um naufrago preso numa ilha.

O homem perdido na cidade, perdido em seu próprio mundo, refém de si mesmo.

Mas, na totalidade da cidade, no reinado absoluto da cultura humana, aparece uma fenda!

Caminhando pelos labirintos da cidade me deparo com uma aberração, algo de outro mundo.

O susto me tira do auto confinamento em minha própria ilha de pensamentos.

Saindo deles transponho também os labirintos da cidade, e assim, posso OLHAR!

Na minha frente a exuberância daquilo que a cultura humana jamais apagará.

Por uma rachadura na calçada da cidade, a cultura humana desmorona.

Silenciosamente, um magnifico ipê amarelo revela o que não pode ser dito.


7 de ago. de 2012

O dentro e o fora na padaria



Dia frio e chuvoso, eu e minha filha entramos numa daquelas padarias que tem de tudo. Nas mesas todos tomando café, chocolate quente, junto com pão de queijo e outras coisinhas quentes. Minha filha pede seu lanche, e eu fico alguns segundos perguntando-me o que vou querer. Olhava em volta e pensava que o clima estava perfeito para tomar algo quentinho e acolhedor. Quase pedi um cappuccino, pois a situação parecia bastante propícia para tal. Mas relutei, não era isso. Olhei mais uma vez em volta e vi o freezer, e nele achei o que realmente queria, e soube na hora: iogurte gelado! Desceu que foi uma beleza, delicioso, era tudo o que eu queria e precisava naquele dia frio.
Pensar sobre o que se vai pedir é ter um tempo para identificar o que se quer. Quando fiz isso na padaria, fui buscar referencias fora de mim. O dia frio e a chuva, as ofertas da super padaria, o que as pessoas estavam comendo e bebendo, o clima de final de tarde, tudo isso me conduzia a uma determinada escolha, que por sinal já fiz muitas vezes e adoro. Mas naquele momento eu não queria o que parecia óbvio querer. Só percebi isso quando, ao invés de olhar para fora, olhei para dentro, para o que sentia naquele exato instante. Ali, dentro, em minha experiência, estava a resposta, a MINHA resposta. Ela surgiu primeiro como uma negação (“Ainda não é isso”) e depois como afirmação (“Ah, é isso mesmo”) ao ver o iogurte. A experiência interna é que concebe e valida a externa. O caminho contrário pode nos deixar facilmente perdidos.
Penso em como essa situação já se repetiu e se repete comigo, pois a tentação de olhar para fora na hora de decidir é grande. Poupar-me desse exercício é uma forma de sabotagem, de alimentar o autoengano. Pegar carona na escolha alheia pode ser um distanciamento da nossa fonte, do nosso querer, que nem sempre é claro e evidente. Para aflorar, a consciência precisa de atenção, escuta e cuidado, aspectos que por sinal são essenciais na meditação e na psicoterpia. 
Olhar para fora e para dentro, perceber o que o fora desperta dentro, sentir o que o dentro quer fora, separar o dentro do fora, unir completamente o dentro e o fora. Mais do que um jogo de palavras, esse é um caminho de auto conhecimento.

1 de ago. de 2012

Jejum do virtual


Hoje completei uma semana sem internet. Nada de e-mails, facebook, youtube, nem blog e nem nada de computador. Só posso dizer que foi uma delícia, nem vi o tempo passar e nem fiquei angustiado imaginando o que estava perdendo no mundo virtual. Sobrevivi tranquilamente na condição de "desconectado". Tive mais tempo para praticar, para cuidar de outras coisas e para ficar com minha esposa e filha. E a constatação óbvia: a internet continuou muito bem sem mim e eu continuei muito bem sem a internet. Mas não nego e nem quero abrir mão, pelo menos por enquanto, da relação com o riquíssimo mundo virtual.
Associo esse meu bem estar em ficar uma semana desplugado com duas práticas poderosas do yoga, que envolvem abrir mão de algo que já estamos muito acostumados, no caso, falar e comer. A primeira delas é o silêncio, mouna, e como já fiz escrevi um pouco sobre essa prática aqui no blog, neste momento vou apenas citá-la, e a segunda é a prática do jejum.
Jejum não é dieta, não é regime e nem é penitência. Na verdade o jejum não é para o estômago, é para a vontade, é para a mente. O maior teste é para a força do hábito e do condicionamento. Já faz um certo tempo que não tenho praticado o jejum alimentar, mas durante um período fazia frequentes pequenos jejuns e ocasionalmente jejuns mais longos. Em quase todos eles era comum o desconforto inicial, logo seguido de bem estar. Esse bem estar tem um pouco da sensação de leveza física, de limpeza, e de um sentimento de liberdade e independência. Resistir ao alimento é inicialmente estranho, diria que antinatural, mas conquistar essa opção proporciona um prazer diferente, menos comum do que o habitual comê-lo. É lógico que isso só é saudável dentro do contexto de uma prática de autoconhecimento, longe de qualquer disfunção anoréxica.
Em tempos de acesso ilimitado e imediato a tudo, nada como um bom jejum para recuperar o prazer, a liberdade e o vigor, seja o jejum do que for, de comida, de doces, de falatório, de internet, de compras, de tv....