24 de fev. de 2013

De peito aberto



                      Representação do anahata chakra, o centro energético do 
                                          coração dentro da fisiologia sutil do Tantra      
                                 
       Durante uma aula em que conduzia os alunos em posturas de retroflexões (flexões do corpo para trás) uma aluna me perguntou qual era a importância de abrir o peito, já que eu estava dando tanta ênfase a isso. De imediato pensei: “ué, porque é bom!”, mas como isso não é resposta que se dê, fui tentando responder para ela acabei organizando melhor o que acontece nessa, por vezes, intensa modalidade de asanas.
        De imediato as retroflexões atuam diretamente na flexibilidade da coluna, além de envolver as áreas do pescoço, ombros e tórax. É nítida também a sensação de estimulação da circulação sanguínea. Esse intenso trabalho muscular e articulatório cria mais espaço para os órgãos internos e melhora a postura ao levar os ombros mais para trás e expandir a caixa torácica. Mas essa é a faixa mais superficial de que acontece numa retroflexão, pois um dos maiores e mais valiosos efeitos dessas posturas é sua ação direta na respiração. Abrir o peito é uma condição para se poder respirar melhor, com mais qualidade, mais amplitude e profundidade. O trabalho que se faz nas posturas para trás vai abrindo esse caminho, vai abrindo portas e janelas num corpo por vezes bloqueado e amarrado. Em quarto fechado é difícil entrar luz e ar fresco. Mas a abertura não pára por aqui, ampliar a respiração não é um fim em si mesmo, pois ela dá acesso a outras fronteiras mais internas.
     Assim como a respiração se sustenta no bom funcionamento do aparato físico e fisiológico para acontecer da maneira plena, as dinâmicas emocional e mental encontram também grande sustentação na qualidade respiratória. Ao abrirmos o peito e ampliarmos e aprofundarmos a respiração, criamos condições favoráveis para o desabrochar natural de conteúdos emocionais. A atenção nas sensações do corpo, a permanência na postura, a respiração consciente e o gradual avanço em aberturas maiores garantem um contexto de proteção e confiança. É freqüente em aulas de abertura do peito, ou de retroflexões, alguns alunos se emocionarem durante as permanências ou no final da prática. Geralmente dizem que a aula “mexeu” em alguma coisa por dentro, ou que ficaram mais sensíveis, mas que estão saindo melhores, mais leves e mais acordados. Lembro-me de uma aluna que teve, durante uma permanência mais longa em “setu bandha sarvangasana”, uma profunda e espontânea catarse em que reviveu, chorando muito, um doloroso evento da infância. O que aconteceu para que isso viesse à tona? Há muitas variáveis pessoais envolvidas em uma situação como essa, mas a abertura do tórax e o aprofundamento da respiração, aliados à consciência do que se está fazendo, aqui, são fundamentais para se poder chegar, tocar e cuidar do coração guardado dentro do peito. Coração que não se resume em um músculo pulsante, mas que expressa um amplo e significativo universo emocional e pessoal. Com tudo aquilo que emerge desse contato com o coração, há apenas uma regra a seguir: aceitar e acolher, sem necessidade da análise intelectual através de explicações e interpretações.
     Asanas, principalmente as retroflexões, são terapêuticos por si só, transformam nosso corpo, reorganizam nossas dinâmicas internas, abrem canais e trazem vitalidade e saúde, em todos os níveis e sentido. Abrir o peito nos asanas nos ajuda a abrir o coração para quem está conosco e impede, ou protela, pelo menos, de abrirmos nosso coração para um cardiologista. 

                             B.K.S. Iyengar em setubandha sarvangasana


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