24 de jul. de 2011

Saindo do familiar


Acabei de assistir o filme “Rio” em família. Dei boas risadas, me empolguei, foi uma boa diversão. A animação conta a história de Blue, um raro exemplar de arara azul brasileira, que nas mãos de contrabandistas, acaba se tornando um animal de estimação num país distante e frio. A aventura envolve as suas descobertas de que é um animal selvagem, de que é capaz de voar, coisa que não sabia fazer, e de que necessita ficar com os da sua espécie, e não apenas entre os humanos.

Lembrei-me então da história “A águia e a galinha” contada por Leonardo Boff. É sobre um filhote de águia que caiu do ninho e foi tratada como se fosse galinha por um camponês.  Mais tarde, com a ajuda de um amigo do camponês, a águia que se achava galinha consegue resgatar seu espírito de águia, pára de ciscar o chão e ganha os céus, voando agora como uma águia.
Essas duas histórias trazem uma forte imagem sobre a condição humana. Todos nós somos ao mesmo tempo galinhas e águias, temos o doméstico e o selvagem em nós. E como consequência disso, sofremos o conflito entre esses dois espíritos tão distintos e tão importantes. O doméstico diz respeito ao que é conhecido, ao que é seguro, ao que nos é familiar. O selvagem é o que nos faz sentir a alma, a vida pulsando mais intensamente, é quando nos redescobrimos, nos surpreendemos, quando vamos além do território familiar. É verdade que precisamos da segurança do doméstico, do galinheiro para viver, e isso envolve as rotinas, as previsões, os confortos, as convenções sociais, os padrões, as certezas sobre quem somos. Mas, também é verdade que é nessa condição que corremos o sério risco de estagnar, de nos defender sistematicamente das surpresas, do inesperado, do novo. Passamos então a não ter mais espaço para sermos diferentes, para nos superarmos, encolhemos as asas que permitem voar alto.
No filme, Blue conseguiu voar e viver na floresta com uma nova companheira, mas para isso precisou enfrentar medos e questionar certezas que tinha sobre quem era. Precisou abrir mão das acomodações que tinha sendo um animal doméstico, precisou suportar e superar o conflito entre continuar a ser um animal doméstico ou aventurar-se em ser um animal livre, selvagem.  Tal conflito é o próprio motor da transformação, é onde surge a oportunidade real de mudança. É nesse confronto entre ficar no familiar e ir além do familiar que percebemos que somos mais do que julgávamos, ou melhor, de que não somos apenas o que achávamos que éramos.
Esses momentos de conflito e transformação ocorrem no transcurso da psicoterapia e na prática do yoga. Os dois, psicoterapia e yoga, são fermentos para mudanças, são plataformas para se alçar vou. Nos asanas esse conflito com o novo fica muito evidente e concreto quando colocamos o corpo em situações novas, desafiantes, e ele reage se defendendo com dor, medo, distração, desequilíbrio, estranheza e cansaço. O novo não acontece de imediato, o padrão não cede gratuitamente. Assim como Blue, pagamos um preço para sair do doméstico e voar por céus diferentes.

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