Estou andando por uma rua silenciosa e arborizada após minhas práticas matinais. Ainda é cedo e o ar está fresco, o sol começa a aquecer o dia. Ando vagarosamente, sem presa, saboreando tudo que estou percebendo e sentindo. No meio desse estado de abertura e tranqüilidade sou surpreendido pelos latidos estridentes de um pequeno, e ruidoso, cão escondido atrás da brecha de um portão. Mais do que um susto, levei um choque.
Numa fração de segundo me encolhi, me defendi, saí do estado de abertura e de entrega que estava até então. Senti medo e recuei, imediata e involuntariamente. Essa reação não aconteceu apenas no meu corpo físico, que num salto se encolheu, ela foi ainda mais evidente em meu estado de espírito, em minha atitude interna, agora tensa e armada diante da ameaça sonora. Vi-me encolhido num gesto instintivo de proteção, fechando-me como as folhas da dormideira ao serem tocadas. Alguns passos adiante, respirando mais amplamente e observando o que havia acontecido comigo, fui me desarmando e voltando ao estado anterior de abertura e tranquilidade. Em instantes passei pelas experiências de estar aberto, ser “atacado”, sentir medo, me fechar, perceber minha reação defensiva e me abrir novamente.
Um quarteirão adiante, já caminhando desarmado, me ocorreu que esse susto explicitou uma dupla fundamental de movimento em nossas vidas. Abrir e fechar, expandir e recuar, externalizar e internalizar. Vivemos nessas duas direções de fluxo, nesses dois movimentos básicos, sendo que, em um deles a energia vai para o mundo externo e no outro ela vai para o nosso mundo interno.
Entre os vários motivos que podem nos levar para dentro há o sentimento de medo. O medo é uma emoção que nos fecha em nós mesmos, que desperta em nós uma atitude defensiva, um recuo diante da vida lá fora. No medo encolhemos os ombros, fechamos o peito, disparamos o coração, contraímos os músculos e congelamos o rosto e a respiração. Quando instalado, o medo pára em nós o pulsar da vida. Medo é o que sentimos diante de uma ameaça, ou daquilo que imaginamos ser uma ameaça. No medo encolhemos, ou avançamos atacando em desespero. No medo endurecemos, fingindo-nos de de morto, para não sermos mortos pela ameaça. No medo não vemos, escutamos, agimos ou pensamos com clareza e lucidez. No medo nos defendemos da nossa própria experiência.
O contrário do estado de medo é a abertura, a entrega, a expansão. Se não há medo, os olhos podem enxergar, o rosto tem expressão e não se fecha, a respiração é calma, profunda e fluida, o peito é aberto e o corpo está pulsando, presente. Se não há medo é possível estar em relação íntima com o mundo, consigo mesmo e com o outro. Se não há medo o pensar se faz livre, o questionamento é possível. Se não há medo não há recuo, não há descompasso no fluxo das experiências. Se o medo não domina, a liberdade é possível, escolhas são possíveis, o diálogo é possível, a vida torna-se mais possível. Sem o medo a vida em nós pode expandir!
Há várias formas de se lidar com o medo, entre elas abrir o corpo, ou seja, abrir os olhos (e enxergar), os ouvidos (e escutar), a boca (e dizer), os braços e as mãos (e fazer), as pernas (e sustentar e caminhar), o peito (e sentir e respirar). Podemos lidar com o medo abrindo a mente (e ousar pensar além dos padrões). Junto a tudo isso, teremos ainda melhores condições de lidar com o medo se tivermos a companhia de alguém presente e disponível conosco.
Lidar com o medo é deixar de recuar, é sair do encolhimento, é possibilitar a abertura e a expansão. No medo somos sempre menos do que realmente somos. Que mesmo com medo todos possamos lidar com nossos medos mais íntimos!
Apenas um latido de um cão é o suficiente para uma análise tão profunda de nossos medos. Realmente, quando estou praticando vem sentimentos e emoções muito intensas durante as posturas. O gostoso é quando começamos a perceber e compreender cada sensação. A sutileza dos assanas nos faz perceber a delicadeza da vida e como tudo é tão simples.
ResponderExcluirNamastê.
Perceber é abrir, é o contrário do medo. O que você descobre na prática é você mesma, é auto conhecimento real. Boas práticas
ResponderExcluirNamastê