26 de jul. de 2014

Praticar e assimilar



Recentemente uma amiga veio-me contar suas sensações e percepções em seu primeiro mês de yoga. Ela não é minha aluna, mas compartilhou um pouco de suas dificuldades, suas descobertas e suas questões sobre a prática e sobre o yoga em geral. Dividiu comigo o que não dividiu com seu professor. Disse que não sentia abertura de seu professor para suas perguntas e que também nenhum aluno falava nada parecido com o que ela sentia, achou melhor então se calar.

Numa aula de yoga geralmente quem fala é o professor. Ele dá coordenadas, orientações, faz correções e induz alguns estados de percepção mais sutis. Após o namastê no final da aula os alunos guardam seus acessórios e cada um vai para sua casa. Mas como que cada um sai da aula? Não apenas fisicamente, se com dor em alguma parte do corpo ou coisa parecida, mas como está se sentido internamente? Uma prática pode evocar nossos fantasmas, nossos medos, nossas dores, nossos lugares desconfortáveis, assim como nos revelar verdadeiros paraísos internos desconhecidos e perdidos. Uma boa prática nos aproxima de nossa sombra, e isso nem sempre é coisa fácil de digerir-se. E nessa hora a presença do professor é fundamental, nessa hora ele deve escutar, e quando necessário e possível, dizer algo pertinente.

Quem vai fazer ginástica ou musculação não espera que vá sentir algo muito diferente do que já conhece. Afinal essa é uma atividade física, ou seja, está-se apenas exercitando o corpo e seus músculos e isso não tem nada haver com o “dono” do corpo, com a pessoa, com suas emoções e sua consciência. Não imagina que possa, no meio da aula, deparar-se com um choro, ou sentimentos como medo, prazer ou tranquilidade, ou pior ainda, se questionar sobre a vida que leva. Afinal, só está fazendo uma atividade física e nada mais. Situação essa que reproduz perfeitamente a velha e tão falada dicotomia corpo x espírito.

Mas no yoga não é assim. Os asanas (posturas) são uma prática que começa no corpo e vai além, passando pelo energético, pelo emocional e pelo mental até chegar à consciência, alvo maior do yoga. Na verdade a consciência permeia todas essas diferentes camadas do ser humano, ela é que sustenta todos esses aspectos. Nesse percurso o praticante se depara com seus limites e faz enfrentamentos consigo mesmo. Isso às vezes gera confusão, dúvida, angústia, dor. Uma conversa pode ser a luz que indica um caminho, que oferece um sentido para o que está acontecendo. Nessa hora o apoio do professor não se baseia apenas na técnica, mas principalmente em sua experiência como praticante. Considero esse momento e essa troca como partes fundamentais da prática, mais importantes que qualquer técnica.

16 de jul. de 2014

Somos os eternos tricampeões



Muito pode ser pensado, analisado e questionado sobre a copa da Fifa em nosso país. São muitos os ângulos possíveis de se observar e entender esse fenômeno, que ficou ainda mais rico e interessante com o, digamos assim, inusitado desempenho da seleção brasileira nessa copa. A questão pode ser a falta de craque, ou de preparo, ou de maturidade, ou ainda de tática. Mas pode ser também por fatores que extrapolam o time de jogadores, como falta de organização, ou de estrutura, ou de política séria, ou..... enfim, são muitas as opções, inclusive a de tudo isso junto mais alguma coisa.   

Como não acompanho e entendo quase nada de futebol (mal assisto aos jogos da copa) acabo sentindo-me mais a vontade para escrever sobre futebol, ou melhor, sobre o que percebo sobre a copa do mundo e a nossa seleção.

Quando o Brasil ganhou o tricampeonato no México em 1970, faltavam ainda dois meses para eu nascer. Minha mãe diz que precisou sair da sala de TV no jogo da final, pois eu não parava de pular dentro da barriga. Pelo que me lembro só voltei a “torcer” desse jeito nas copas de 1982 e 1986, quando sabia toda a escalação, quando era fã do Zico e quando após cada partida ia jogar bola na rua com meus amigos. Foi quando também chorei nas eliminações do Brasil. Depois disso, o futebol foi ficando algo bem distante dos meus interesses.

Mas independente de acompanhar ou não os jogos e os campeonatos, tenho uma forte impressão comigo: nós brasileiros ainda temos o tricampeonato como referência. Parece-me que aquela conquista ficou profundamente gravada no nosso imaginário. Uma verdadeira cicatriz positiva, uma marca que de tão boa, deixa tudo com gosto de inferioridade. O craque da vez é bom, mas longe de ser um Pelé, o time até está entrosado, mas não como eles jogavam, parece que um ou outro até demonstram amor à camisa (isso parece até ingênuo atualmente), mas longe da garra e suor que eles davam, e por ai vão as comparações possíveis entre o time que for o atual e a heroica e mítica seleção de 1970. Não me lembro de ouvir alguém dizer isso explicitamente, mas tenho a sensação de que temos, silenciosamente, a seleção e a conquista de 1970 como um fantasma, um fantasma de expectativas assombrando as seleções que vieram depois. Algo como o reverso que a seleção atual terá que enfrentar daqui para frente, sobreviver e se impor apesar do vexame sofrido.

Nos dois casos a questão é a mesma, uma situação do passado, ou por ser muito positiva ou por ser muito negativa, acaba interferindo no desempenho presente. E não importa se essa assombração é bonita, tal como a conquista de 70, ou se é horrível, tal como o vexame que acabou de acontecer, o fato é que é uma assombração, um fantasma que distorce e pressiona a experiência sobre o que é possível e real agora. Esse fantasma é uma recordação que ainda pulsa, uma fonte de comparação e de expectativa, uma marca que continua atuando ao longo do tempo.

Mas quando saímos dos gramados e entramos no jogo da vida essa situação não se altera em nada. Todos nós temos nossas copas de 1970 e nossas copas de 2014, todos nós temos esses dois fantasmas nos rondando, nos dando referências de como deveriam ou de como não deveriam ser as coisas no presente. Todos nós temos nossas impressões, marcas e registros que oferecem constantemente respostas para as perguntas a respeito de “como deve ser”. Esses muitos “como deve ser” são uma grande e pesada bagagem que entendemos ter que carregar, pois como poderíamos viver e resolver nossas questões sem ela? Sem ela sentimos que não seremos ninguém, que ficaremos vazios e desorientados. Mas isso acaba sendo o mesmo que ainda ficar repetindo para si mesmo que, afinal de contas nós somos a seleção do Brasil, tricampeã de 1970, o país do futebol, o time do rei, os melhores do mundo, e outras afirmações válidas apenas a quarenta anos atrás, mas que não acompanharam as voltas do mundo.

Aqui entram as intervenções da Psicologia e do Yoga, que oferecem poderosas ferramentas para aliviar essa desajeitada e inconveniente bagagem. Tanto no processo terapêutico como na prática dedicada de asanas, pranayamas e, principalmente, meditação, esses fantasmas podem ser gradualmente revelados e trazidos para consciência. Essas marcas (samskaras ou vasanas no yoga) podem assim serem dissolvidas, de forma que suas respostas não tenham mais o critério de verdade absoluta ou de assombração. Afinal de contas, no universo do jogo, perder e ganhar são apenas expressões temporárias de algo eternamente dinâmico e incompleto. Copas como a de 1970 ou de 2014 vêm e vão, e não há nada de mais nisso.