27 de abr. de 2013

Yoga é uma ética




O yoga, antes de tudo, é uma ética. E o que é ética? Sendo bem simples, ética é uma proposta de vida boa, uma vida que valha a pena ser vivida, uma vida que contemple a todos, e que permita a todos serem plenos.

Yoga é uma ética, mas não uma ética teórica de como a vida e o humano deveriam ser. Yoga é uma ética vivencial, tão efetiva e real quanto nossas ações e palavras. Uma proposta que não se origina, e se finda, em discussões e textos, mas de experiências consigo mesmo e com o outro.

O yoga, como uma elaborada e complexa forma de amadurecimento e espiritualidade, tem seu alicerce estabelecido em uma ética. Sem este alicerce o yoga desfigura-se em qualquer outra coisa. Mas que ética é essa? Que princípios são esses? Mais uma vez tentando ser bem simples, o yoga entende que se o ser humano não for livre, radicalmente e profundamente livre, viverá em sofrimento, e para facilitar que este estado de liberdade (moksha) seja plenamente vivenciado, o yoga propõem alguns princípios e algumas técnicas.

Sri Patanjali, em seu clássico “Yoga sutra”, elaborou dez princípios éticos para o yogui, os yama e niyama. As diversas linhas de yoga possuem ainda outros princípios, além de seu próprio arsenal de técnicas, sendo que talvez as mais numerosas estejam nas diferentes correntes do hatha yoga. É impressionante, por exemplo, a amplitude que os asanas, as posturas, ganharam hoje em dia entre boa parte dos praticantes, indo praticamente ao infinito as possibilidades desta técnica.

Mas é bom não esquecer que yoga é, antes de qualquer coisa, uma ética, uma proposta de vida plena e as técnicas só ganham sentido dentro desta proposta maior. E no que se transformam as técnicas sem o alicerce dessa ética? Continuam técnicas, ainda bonitas, curiosas, saudáveis, interessantes, valiosas, às vezes estranhas, mas sem o alicerce ético são apenas técnicas que facilmente morrem em si mesmas, são como paredes que sozinhas não conseguem formar uma casa sólida, e muito menos um lar Daquilo.

16 de abr. de 2013

Não é o corpo que sofre


Para que servem as famosas posturas do yoga, os asanas? Ou, melhorando a pergunta, qual a função e o que provocam essas técnicas? Bem, servem para quase tudo, desde alongar músculos e corrigir a postura até estimular órgãos internos e glândulas. Algumas posturas são ótimas para partes específicas do corpo, outras são verdadeiros remédios para algumas enfermidades, outras são restauradoras e outras bastante revigorantes. E quando acrescentamos à elas os cuidados dos alinhamentos e o uso de acessórios, todos esses benefícios são multiplicados muitas vezes. Realmente os asanas são uma fonte inesgotável de contato, descoberta, cuidado e tratamento do corpo.

Mas os asanas são também uma forma poderosa de entrarmos em contato não apenas com o corpo físico, mas também com o corpo emocional e mental (assim é chamado no yoga o aparelho psíquico). Mas como? A permanência em uma postura permite que emerjam não apenas dores musculares ou desconfortos em articulações, ou a falta de força ou de equilíbrio, mas também desconfortos de outros lugares internos. Nas posturas deparamo-nos cara a cara com ninguém menos que nós mesmos, com nossos padrões, limites, bloqueios, feridas e imagens internas que temos sobre quem achamos que somos. As posturas revelam um corpo desnudo, ou melhor, elas desnudam as muitas intenções que revestem o corpo físico. As posturas mostram, por vezes, um corpo maquiado, que não condiz com seus reais traços, e deixam à mostra a distância entre o que se é e o que se acredita ser. Mas não só, pois elas também permitem abrir um espaço valioso para que o corpo possa aproximar-se do que de fato é, sem os disfarces, distorções e pretensões do ego.

Lembro-me de um aluno que tinha lesões e dores no joelho, e que por isso tinha algumas restrições em posturas. É lógico que saber um pouco sobre joelhos e ter algumas alternativas para oferecer ajuda muito o professor a ajudar o aluno. Mas essa é só uma parte da história. Esse aluno sabia das limitações de seu joelho e sabia das alternativas para lidar com ele, mas não as fazia, ou se fazia, fazia sentindo-se mal. Por quê? Porque para ele o joelho era sentido como uma ferida aberta, não no território corporal do joelho físico, mas no seu ideal de desempenho, na sua imagem interna a ser sustentada. O joelho o colocava frente a frente com a desagradável sensação de limite, que era sentida como humilhação, inferioridade e vergonha. O joelho era o ringue onde ele entrava em combate consigo mesmo. Cuidar da dor do joelho ajudava, mas isso podia não tocar na questão da dor egoica. Foi bom poder conversar com ele e dizer o quanto ele brigava consigo mesmo, e que como esse era um ponto fundamental para que sua prática de yoga pudesse evoluir, não apenas por cuidar do joelho, mas principalmente por perceber e poder reinventar sua inflação egóica de ter de ser o melhor.

Quase sempre o sofrimento não está no corpo, não é ele que sofre, mas sim aquele que o está desconectado do próprio corpo.

    

7 de abr. de 2013

Para além do certo


Nesses últimos dias estou com o refrão de uma música, da qual não me lembro o nome, dos Titãs na cabeça: “só quero saber do que pode dar certo”. Na verdade nunca gostei muito dela e até achava esse refrão um pouco exagerado, essa coisa de tudo dar certo e de não poder esperar (“não tenho tempo a perder”). Mas é exatamente esse refrão que escolhi, de alguma forma, para ser o meu mantra desses últimos dias, e a repetição dele me fez perceber e olhar para algumas coisas.

O que é dar certo? Quase sempre dizemos que algo deu certo quanto correspondeu, totalmente ou em grande parte, às nossas expectativas. Se planejo um final de semana na praia, talvez espere que faça sol e calor, que o mar esteja delicioso, que a praia não esteja lotada, etc. Ao ter um projeto na mente, já tenho uma expectativa, já tenho uma referência do que é dar certo e do que é dar errado. O meu plano, inevitavelmente, indica qual a direção que as coisas devem seguir para que ao final eu fique satisfeito. Satisfeito porque tudo deu certo, porque não houve espaço entre o que eu quis e o que de fato aconteceu. Dar certo é uma confirmação de nossa onipotência, e até dizemos que querer é poder.

É óbvio que o dar certo conforme nossos planos é fundamental em vários aspectos da nossa vida cotidiana. Como é bom quando o almoço sai como o esperado, na hora esperada. Como é bom poder planejar e cumprir metas relacionadas a dinheiro, a cursos, a viagens, a compras, e a várias outras mudanças. Planos trazem organização, perspectiva, direção. Porém, e sempre há um porém, a vida não se sujeita aos nossos planos. Não são eles que decidem uma infinidade absurda de eventos que nos rodeiam. Nossos planos são apenas um aspecto do que chamamos realidade, um aspecto de nossa inteira responsabilidade e que trás em si uma poderosa armadilha, a armadilha do apego.

Ter um plano é ter uma receita do que e do como algo deve acontecer. Ao me apegar a essa receita, e ao que considero o certo dela, posso não ter abertura o suficiente para descobrir que ela é só uma indicação, um caminho dentre muitos outros. Posso me fechar a outros “certos”, a outros caminhos, posso me fechar a surpresas, posso me privar do espanto, do encontro com o inesperado. O apego nos priva da revigorante renovação que o novo pode trazer para nossas vidas e é um gancho certeiro para o sofrimento. Quanto maior o apego, maior a expectativa, maior o investimento, maior a fragilidade e intensidade da perda e de sofrimento.

Não faz o menor sentido deixar de ter planos, a questão é o apego ao que achamos certo em relação a eles. Se só quero saber do que pode dar certo, que possa estar aberto aos muitos possíveis certos, que possa me desapegar. Se não tenho tempo a perder, que possa estar no presente, onde nunca há perda de tempo, onde sempre posso reavaliar planos e receitas e onde tudo pode dar certo.
É possível se apegar a uma nuven?