28 de mai. de 2012

Buscando a iluminação



O que você vê no desenho acima? Eu vejo uma simpática velhinha brincando, e acho que ela é simpática porque brinca, ou quem sabe, o contrário. Mas alguém poderia dizer que ela brinca para esquecer a dura realidade de ser idosa e estar numa cadeira de rodas, e que agindo dessa forma nega o fato de que jamais poderá ser como uma jovem bailarina.  A realidade é dura, a morte é certa, e o brincar é uma coisa infantil, que deve passar com a maturidade. Talvez esse seja o olhar da mente racional sobre o desenho, mas (ainda bem que quase sempre há um mas) o fato é que esse desenho me ajudou a dar um novo significado para minhas buscas no yoga.

Descobri meu interesse pelas coisas orientais e pelo yoga nos encantados anos da adolescência, e junto a esse interesse uma ideia fixa: atingir a iluminação! Pode parecer pretensão, mas era isso mesmo, queria nada menos que a iluminação. Imaginava a iluminação como um momento espetacular e único que me transformaria completamente, e a partir dela me tornaria imediatamente outro ser, especial, possuidor de saberes absolutos sobre a Verdade. Bem, como deve dar para perceber, e para minha felicidade, não atingi a tão almejada iluminação. E assim tive que continuar caminhando, e tendo a oportunidade de descobrir coisas bem interessantes no caminho. Uma delas é outro olhar sobre o que pode ser a iluminação, pelo menos a relacionada ao meu dia a dia.

A iluminação, mais do que um show hollywoodiano, uma bomba atômica interna ou um passe de mágica, pode ser a simples, porém revolucionária, ação iluminada (ilumina-ação). E o que é uma ação iluminada? É aquela ação, originada numa percepção, sentimento ou pensamento, que venha ao mundo repleta de luz. Ou seja, ação iluminada é essencialmente a experiência intuitiva, nova, criativa, espontânea, e seu oposto é a ação opaca, velha, repetida, pré-conceituosa, padronizada, amarrada. Uma exala frescor, a outra cheira bolor. O estado de iluminação nos coloca em abertura ao novo, ao que não sabemos, à aquilo que pode ser descoberto a qualquer momento. Podemos estar ou não em estado de iluminação, conforme estamos ou não abertos ao novo, conforme estamos ou não livres para fluir junto com nossa experiência.

E onde entra a simpática velhinha nisso tudo? Ela brinca, ela deixa fluir, ela se encanta com o que pode desejar e imaginar, ela mantém seu espírito livre para ir além da forma, da convenção, do combinado. Ela me parece estar num estado iluminado, tanto quanto alguém que medita, e com certeza mais do que alguém que faça asanas obstinadamente, sem encanto e abertura. A Iluminação me parece ser bem diferente de uma conquista heroica, é muito mais uma perda, um deixar, uma entrega total de qualquer pretensão. Algo como uma criança, ou uma simpática velhinha, brincando.

23 de mai. de 2012

O bêbado

Acordei bem cedo, fiz uma deliciosa prática de pranayama (respirações) e meditação e fui dar aula. De bicicleta vejo melhor o despertar do dia e da cidade: o sol começando a esquentar, pessoas indo trabalharem, caminhantes determinados, escolares, atrasados, o ponto de ônibus cheio, feirantes montando suas barracas, moradores de rua ainda dormindo, e bêbados. Sempre vejo alguns deles reunidos próximo ao mercado, mas nesse dia cruzei com um na faixa de pedestres. Trocamos um rápido olhar e seguimos nosso rumo. Logo cedo, nós dois, cada qual a seu modo e cada um em seu universo, estávamos alterados na rua.

Esse encontro de olhares alterados me fez pensar por todo percurso até a academia. O que tínhamos em comum? O que nos diferenciava? O que eu tinha de diferente daquele sujeito bêbado? Pensando bem encontrei poucas diferenças: nós dois estamos vivos e, mais cedo ou mais tarde, vamos morrer, nós dois queremos um lugar na sociedade, queremos amor e temos medos, temos nossos valores e nossas duvidas, nós dois precisamos comer, dormir, evacuar, nós dois somos homens e estávamos ali naquela rua, naquele momento. Porém, estamos em posições bem diferentes no jogo social, tenho mais recursos e opções, parece que sou mais alguém do que ele, pois sou professor e psicólogo e ele é um anônimo bêbado, ou um “beudo” de rua, como se diz aqui em Taubaté. Mas pensei mesmo em outra diferença, menos evidente, menos social e econômica, pensei na diferença de escolhas que fizemos sobre como iríamos alterar nosso estado de consciência.

Nós dois, talvez por motivos diferentes, não nos contentamos em ficar “normais”, fomos atrás de um algo mais, buscamos ir um pouco além. Fomos atrás de caminhos muito antigos, ele do álcool e eu do yoga. Ele bebe e eu pratico, dois descontentes, e tanto a bebida como a prática interferem em nossas vidas. Caminhos que tem em comum alterar a consciência cotidiana, transformar a percepção do mundo e de nós mesmos, mas que levam a lugares mais do que distintos, radicalmente opostos. Nós dois alterados ali na rua, bem cedo, cada qual a seu modo. Bem, não sei quanto à bebida dele, mas minha prática levou-me ao céu.

15 de mai. de 2012

O querer de um pensador


"Não quero conforto,

      quero Deus,

            quero poesia,

                quero perigo real,

                      quero liberdade,

                              quero bondade,

                                       quero pecado"

                                                                                Aldous Huxley


Escritor e pensador conhecido por seu olhar questionador da condição humana, Huxley foi autor de inúmeros romances e ensaios, entre eles o famoso e profético "Admirável Mundo Novo" e os originais "Filosofia Perene" e "As portas de Percepção". Com estas duas ultimas obras, Huxley traduziu muito do espírito inovador dos anos 60 e influenciou diretamente na formatação inicial da Psicologia Transpessoal.

9 de mai. de 2012

Qual o segredo?

Recentemente recebi um email com o resumo de um livro famoso, lançado há uns cinco anos, que virou filme e se tornou best seller mundial. Ele fala do poder da mente e da lei de como as coisas funcionam. Vários mestres dão seu parecer sobre esse poder e essa lei, inclusive fiscos quânticos. Tinha acesso ao livro, porém nunca havia me interessado em lê-lo, mas depois do email fiquei curioso e resolvi lê-lo. Bem, li uma parte, pois não consegui ir até o fim. Sei que tenho um senso crítico e racional forte, e ele foi sendo despertado rapidamente pela leitura, junto com meu olhar de psicólogo e de praticante de yoga, assim como vários de meus preconceitos. Parei antes do meio, não deu para continuar, para mim eram muitos os absurdos e exageros, comecei a ficar irritado e indignado com o que lia. Era uma reunião do pior da autoajuda, das técnicas de venda, da motivação barata, do estilo americano de ser, do “faça sucesso e seja feliz”, “fique rico e tudo se resolverá”, “tenha poder sem limites agora”, e coisas do tipo. Mas quando olhei melhor para a minha irritação e para aquelas ideias que lia, compreendi algo que abriu outro olhar sobre o que o livro dizia.  

Todos nós, percebendo ou não, temos uma criança bem viva internamente. Ela é em parte o que fomos quando crianças e o que nos faltou quando crianças. Ela é aquele lado nosso que brinca, que se encanta, que fantasia, que se solta, que descobre o mundo e que ainda é flexível. Ela é também aquele lado birrento, imaturo, pouco prático e sensato, despreocupado, dependente e incapaz de ser adulto. Temos a criança viva em nós e se não temos clareza dela, nos perdemos nela. Assim, teremos reações da criança num contexto que não é da criança, seremos uma criança no corpo de um adulto, teremos os mesmos pontos vulneráveis e as mesmas expectativas que ela.

 Este livro é uma verdadeira festa para nossa criança, uma festa repleta de doces, brinquedos, brincadeiras, amiguinhos, música e ausência total de adultos. Nossa criança quer mágica, quer satisfazer todos seus desejos imediatamente e sem esforço, quer conforto, quer viver sem limites, sem espera, sem dor, quer sentir-se protegida, olhada, cuidada, quer ser exclusiva, quer ser o centro do mundo, quer ser amada incondicionalmente. Nossa criança quer tudo isso, que é muito necessário e fundamental PARA uma criança, não para um adulto. O livro fala diretamente para a nossa criança que espera por tudo isso e que não quer ter o trabalho de se transformar, de se responsabilizar, de se comprometer e arriscar tomar decisões. Basta querer que o universo conspirará a nosso favor, esse é o lema da criança, desse livro e de muitos adultos ultimamente.

Todos nós sabemos que não é assim que a coisa funciona. Querer é o ponto inicial da jornada, o que vem depois será fruto de nosso esforço e empenho. Einstein, um físico que não aparece no filme, fala do trabalhar e suar 99% do tempo para poder ter 1 % de inspiração. Não basta querer e esperar, precisamos ir além dessa perspectiva da criança. Não há segredo no caminho da espiritualidade, do amadurecimento e do yoga, em todos eles é preciso praticar o que se quer, é preciso dedicar-se ao querer. A disciplina é uma forte expressão da dedicação e do querer. Sempre é preciso desenvolver o processo, não há exceções, não atalhos, formulas mágicas ou segredos para isso.

Sr. Iyengar, nesta foto com 88 anos, ainda hoje, aos 94 anos pratica todos os dias.

2 de mai. de 2012

Quando fui olhado



      Foi por acaso, direi assim, que encontrei minha primeira professora de Yoga. Ela dava aulas na mesma rua, apenas dois quarteirões acima, onde meu pai teve uma livraria por muitos anos. Nessa época eu lia qualquer coisa que se relacionasse ao Yoga e à “filosofia oriental”, e me arriscava em algumas práticas de maneira inconsistente e confusa. Não imaginava que poderia achar uma professora de Yoga em Taubaté (em 1989), muito menos que poderia achar uma professora bastante experiente, e que ainda fosse minha vizinha. Pois bem, achei. Seu nome era Isabel Pardo Rossini, ou melhor, Dona Isabel, como era carinhosamente chamada por seus alunos.
       Fiz aulas com ela por uns três anos, até entrar na faculdade de psicologia. Com ela tive minhas primeiras lições sobre como praticar Yoga, as posturas, os respiratórios, os mantras, a meditação. Ela me apresentou ao vivo e na pele aquilo tudo que lia e via nos livros, mas que, por falta de orientação de um professor, acabava não passando de informações soltas e estéreis para mim. Mas o que mais me marcou nesse período com ela não foram as técnicas aprendidas ou novos conceitos filosóficos, que então pouco entendia. O que mais me marcou, e de fato me transformou, foi o estar com ela, apenas estar com ela.
      Certa vez, após uma aula, a procurei para conversar sobre alguma coisa da qual não me recordo. No meio dessa conversa houve uma pausa na minha fala e um inesperado e marcante instante de silêncio. Nessa pequena fração de tempo me deparei com seus impressionantes olhos azuis. Ela me olhava tranquila, e profundamente. Não haviam palavras, não havia distração, não havia nada mais. Pela primeira vez me percebi sendo olhado por outra presença, e me senti desconfortavelmente presente. Foi como se estivesse nu, sem nenhum esconderijo. Não que ela tivesse essa intenção, ela apenas estava ali, inteira e sem intenções, mas eu não. Pela primeira vez deparei-me com meu desconforto em estar assim tão próximo de alguém, e um pouco das minhas inseguranças e medos revelaram-se sem nenhuma cerimônia. Pelos olhos dela fui apresentado a um Marcos que até então não conhecia. Aos trancos juntei os cacos e retomei o assunto de qualquer forma, precisava me proteger novamente e voltei a falar. Felizmente já era tarde, as palavras já não vestiram o disfarce de meu personagem. Para o olhar, assim como para uma mente lúcida, só um instante é suficiente para que a verdade se desvele. Felizmente eu já tinha sido descoberto, já tinha me dado conta de que meu esconderijo não era tão eficiente quanto fantasiava. Já tinha percebido que fugia de mim mesmo.
    Não esqueço aquele encontro, aquele olhar, a intensidade daqueles segundos. Que sorte a minha ter sido encontrado pelo olhar de Dona Isabel. Jay Dona Isabel!