24 de jul. de 2016

Minha filha e as nossas mudanças




      Minha filha está aproveitando suas férias escolares para se dedicar prazerosamente e inteiramente a duas “tarefas”: brincar de bonecas com a prima e fazer uma grande mudança em todas as suas coisas. Começou escolhendo alguns desenhos e fotos que “tenham mais haver” com ela para montar novos quadros. Abriu seus dois baús e está fazendo uma faxina geral, selecionado o que vai doar, o que vai para o lixo e que vai guardar. Já fez também um novo projeto para o layout do quarto, que passará agora a não será mais tão infantil, ganhando alguns detalhes mais jovens e descolados. Mas dentro de todo esse movimento de mudança, que apoio e me encorajo também a fazer, uma situação em especial me tocou. Minha filha separou algumas bonecas para doar e entre elas estava a “Moritas”, sua boneca preferida ao longo de vários anos, sua primeira grande companheira de brincadeiras.

           Para quem é pai ou mãe sabe o que significa ver sua filha/o crescer. Ela está agora com dez anos e claramente está se despedindo da infância, e isso me provoca um sentimento ambíguo de felicidade e tristeza. Felicidade de vê-la construindo seu caminho, descobrindo seu jeito, se organizando, se preparando para muitas futuras aventuras e experimentando sua independência. Tristeza pelo gosto de despedida que essas mudanças trazem. A pequena está crescendo e todo um mundo está ficando para traz, um mundo que não volta mais, que por sinal seria trágico e patológico se permanecesse intacto. O espaço que vai se abrindo agora são para lembranças. Diante desse quadro fico eu nesse lugar estranho de ter um sorriso no rosto e um aperto no peito. Incentivo sua faxina e ao mesmo tempo questiono se precisa se desfazer de tudo assim de uma vez. Quase como se minha mão direita a ajudasse a fazer suas mudanças enquanto a mão esquerda, sorrateiramente, a segurasse. Lugar por vezes desconfortável esse de se estar diante e dentro da mudança.

       A mudança das situações é algo tão óbvio, certo, irrevogável, inquestionável e previsível que era de se esperar que soubéssemos lidar muito bem com isso. A natureza toda se expressa pela mudança contínua e em fluxo, em permanente impermanência. Tudo se relaciona permeado pela mudança, pelo jogo de idas e vindas, de alternância entre o que nasce e o que morre. Temos o nosso critério humano de tempo, que nos diz que minha filha com seus dez anos está no começo da vida e eu, com meus quarenta e cinco, já encontro-me no meio dela. Essa nossa referência nos faz pensar que um mosquito vive pouco e que uma montanha ou uma pedra são eternas. Essa noção temporal nos ilude, sugerindo que algumas coisas são fugazes e outras são indiferentes à passagem do tempo, nos enganamos com a ideia de que há o que não muda. É só uma questão de ponto de vista e de tempo. A mudança pulsa em ritmos diferentes, mas não poupa nada nem ninguém.

        Mas o que nos faz resistir à mudança? Por que sofremos com algumas mudanças? O que nos mantém empacados e freando o fluxo? Esse lugar desconfortável diante da mudança relaciona-se diretamente com nossos projetos e expectativas, com a nossa necessidade de controle e nosso apego. É claro que contamos com as mudanças, mas sempre com aquelas mudanças que desejamos, que planejamos, que estão de acordo com nossos planos. Nos abrimos mais facilmente para as mudanças das quais sabemos algo, que imaginamos estar preparados e que resultarão em nosso fortalecimento. Encaramos bem as mudanças onde temos algum controle, onde nossa noção de poder pessoal não seja afetada. Porém o fluxo das mudanças da vida não segue esse nosso roteiro, é indiferente à essa nossa necessidade de segurança, as mudanças simplesmente se dão, e então, fazemos o que podemos. 


            Algumas  mudanças podem vir como rasteiras que nos desestabilizam e nos jogam na correnteza do fluxo da vida, correnteza que não nos fornece nenhum roteiro antecipado do que virá. Nesse momento, se formos sinceros, é bem capaz que encontremos apenas a sensação interna de não saber, de não ter controle, de não ter respostas claras. Geralmente lutamos contra essa sensação, nos esforçando e resistindo para direcionar a mudança. Porém esse é um momento valioso, pois se há o desconforto e a ameaça da mudança, há também, justamente no cerne dessa situação, a oportunidade de nos abrirmos ao que está além do nosso umbigo.


         Mudanças podem ser vivenciadas como convites para lidarmos com alguns sentimentos fundamentais para o amadurecimento, tais como apego, frustração, impotência, solidão, medo, perda, surpresa, criatividade, renovação, abertura, entrega, confiança.... Passar por mudanças é uma real oportunidade de conhecer novos aspectos sobre nós mesmos, que necessariamente ainda não conhecemos.

Marcos Taschetto