27 de out. de 2014

A fortuna do contentamento


Lakshmi, a deusa de fortuna, da prosperidade e da luz

Nesta ultima quinta-feira, dia 23 de outubro, o professor Sandro Bosco esteve aqui em Taubaté falando sobre Yoga e relacionamento. Fez várias colocações bastante interessantes entre a sabedoria do Yoga e a experiência de se estar em relação. Entre elas, duas me pareceram muito férteis, pois dizem respeito a duas condições básicas do ser humano, e que sempre estarão presente em nossas relações: a impermanência e a diversidade. O outro muda, assim como nós mudamos, o outro não é igual a nós e nós não somos os mesmos ao longo do tempo. Impermanência e diversidade presente em nós e no outro, o tempo todo. Quantos conflitos, que vão do entre casais ao do entre nações, não são originados a partir do contato com esses dois aspectos?

Mas o que me tocou mesmo foi a citação que ele fez da deusa Lakshimi. Por coincidência, a palestra aconteceu no mesmo dia da festa hindu de Diwali, a comemoração do ano novo indiano pelo calendário lunar. Nessa ocasião reza-se e ascende-se velas para Lakshimi, a deusa hindu da riqueza, da luz e da prosperidade. Mas qual seria a relação dessa data e dessa deusa com o relacionamento? Bem, a deusa da fortuna não diz respeito apenas ao acumular riqueza e bens materiais, mas indica, principalmente, a atitude de agradecimento à fortuna que já se tem. Lakshimi é a portadora e facilitadora desse sentimento de gratidão que abre as portas para a circulação da riqueza material e espiritual, o que inclui os relacionamentos. Nos e pelos relacionamentos podemos ter acesso a enorme riqueza de lidar com a impermanência e a diversidade, que são verdadeiras vias de acesso para irmos além das nossas próprias limitações.E quantos relacionamentos que possibilitam isso já não temos acontecendo, precisando talvez de apenas um pouco mais de atenção?

A atitude de gratidão a Lakshimi parece-me ser uma luz urgente e muito bem vinda ao nosso mundo contemporâneo. Mai do que a deusa em si, a atitude. Mais do que a fortuna em si, a gratidão. A ideia de fortuna e riqueza é quase sempre restrita ao âmbito material e concreto. Isso é bem ilustrado pelo dinheiro, que quanto acumulado e contado nos dá uma noção de quanto temos, ou de quanto deveríamos ter. Mais dinheiro, mais fortuna, menos dinheiro mais pobreza. Dessa raiz centenas de galhos partem, todos medidos pela quantidade de dinheiro envolvido. Mais é sempre melhor, menos é sempre sinal de que estamos em falta. Mais caro, mais novo, mais moderno, mais exclusivo, mais bonito, mais leve, mais eficiente, mais prazo, mais crédito, mais rápido, mais recursos, mais qualquer coisa. Queremos mais e vivemos pelo mais. Nessa nossa atitude de buscar sempre o mais, Lakshimi  facilmente entraria como uma financiadora para ampliarmos nossa fortuna, para o acúmulo de mais bens.

A riqueza é vivida assim apenas pelo ângulo da quantidade, onde o mais é o mesmo que melhor. Mas Lakshimi aponta para uma outra experiência, para uma outra forma de relacionamento com a riqueza. Mais do que a quantificação, ela propõem a qualificação. Mais do que incentivar o acumular e aumentar a quantidade, ela desperta o reconhecimento e o agradecimento ao que já se tem. Agradecer é uma forma de se aprofundar a relação com o que já temos. Antes de girarmos a roda do querer e irmos em busca de mais, que tal pausar, constatar e usufruir o que já está disponível em nossas mãos. Será mesmo necessário trocar o celular? Será mesmo necessário mais um par de sapatos? mais canais de TV? mais informações? mais cursos? mais promoções? mais viagens? mais horas no dia? Talvez já tenhamos esses bens, e muitos outros, em abundância, a questão é que eles acabaram tornando-se desvalorizados pela fome de mais. A mesma fome que nos impede de usufruir-los e de aproveitá-los ao rompermos a relação com eles. A quantas mais experiências essa mesma dinâmica não se aplica? Penso naquela hora de folga na qual ficamos ansiosos por fazer alguma coisa proveitosa e legal, ou na sensação de que precisamos saber de mais alguma coisa, ou de conhecer um novo mestre, ou na clássica vontade de "chegar lá". A mesma fome de mais que nos impede de gozar o que já temos. 

A ética do Yoga nos propõem a virtude de santosha, ou a atitude de contentamento. Contentamento com o que já se tem, com o que já se vive, com tudo aquilo que estamos nos relacionado no aqui e agora. Contentamento que não é estagnação, mas reconhecimento e abertura ao que se faz presente, e portanto, real. Santosha é em si uma grande fortuna, pois nos revela riquezas muito perto de nós, quase sempre dentro de nós. E essa é aquela riqueza que não pode ser roubada.

21 de out. de 2014

Palestra com Sandro Bosco

Mais uma vez o professor Sandro Bosco estará em Taubaté compartilhando sua experiência de Yoga e Meditação e explorando a aplicação desses saberes na nossa vida cotidiana. 

A palestra será gratuita, mas será necessário fazer a inscrição antecipadamente pelo e-mail: marcostaschetto@hotmail.com.

Data: 23/10/14
Horário: 19h30
Local: Casa Viva, Rua Armando Sales de Oliveira, 543, Taubaté


12 de out. de 2014

O ronco do morto


Após uma prática regular de asanas (posturas) temos sempre como postura final o shavasana. O termo shavasana pode ser traduzido com postura do cadáver, pois nela ficamos deitados imóveis tal como um morto. Nela todos nossos processos fisiológicos reduzem-se bastante, algo como estar em sono profundo, com o detalhe de se estar acordado.

O detalhe de se estar acordado durante o shavasana é o seu grande diferencial do sono profundo, pois neste a consciência não está presente. Estar presente enquanto se percebe o próprio corpo aquietando-se, descontraindo-se é algo que pouca vezes experimentamos. É como se todo o corpo fosse se apagando aos poucos e ficasse apenas uma suave luz acessa: a da consciência. Esse é o objetivo da postura do morto, que na verdade não é um morto tão morto assim. Essa postura tem como essência a atitude consciente de entregar-se e de abandonar-se totalmente, e cai muito bem após a prática de posturas que pedem ações, intenções e empenho.

Porém há um "erro" no shavasana do qual tenho muito prazer. Trata-se de um erro que produz um som que considero como o canto triunfante da entrega e do abandono, um sinal de que a resistência cedeu. Refiro-me ao dormir e ao ressonar. Alguém ressonando é alguém sem mente, é alguém que deixou o corpo fazer o que era necessário. Alguém baixou a guarda e seu corpo canta feliz ressonado. Ali não há mais alguém. 

Geralmente os alunos que apagam são aqueles mais agitados mentalmente, e o que acho mais incrível e que fazem isso em segundos. Alguns instantes após um pequeno movimento de acomodação do corpo pode-se ver o queixo relaxar, a boca se abrir ou então a cabeça cair levemente de lado. Pronto, já era, mais um morto. Essa morte durará pouco tempo, mas será o bastante para dar ao corpo o descanso que faltava. 

Considero esse momento muito especial, mesmo sabendo não ser o ideal do shavasana. Nessa hora sinto-me em um dojo, onde vários golpes certeiros foram dados e diante dos quais não se teve outra alternativa a não ser render-se ao chão.