29 de jul. de 2013

O que o Papa não me falou


                               Papa Francisco no mesmo barco

O Papa Francisco tem na sua simplicidade e disponibilidade um poder realmente extraordinário.  Apesar de carregar nas costas uma enorme, ampla e complexa tradição de dois mil anos, ele age com a leveza de um simpático senhor indo comprar pão alegremente na padaria da esquina. Não que ele não exerça sua sacra missão de guia espiritual, daquele que interfere no mundo e na vida de milhões e milhões de pessoas. E não também que ele não saiba que é um líder e agente político e social em escala mundial. O Papa assume todos estes grandes encargos, mas ao mesmo tempo parece dizer: “não levem tudo isso tão a sério!”.

Percebo e sinto ele dizendo isso através de seus gestos espontâneos de sorrir, de cumprimentar a todos, de ser informal, simples e acessível, de não fazer distinções. Percebo isso a começar pelo nome que escolheu para si, ao cumprimentar o motorista, ao quebrar protocolos e em vários outros pequenos gestos que não o deixam diferir de nenhuma outra pessoa. Esse “não levem tudo isso tão a sério” não tem nada haver com desconsideração, falta de fé ou banalidade, pelo contrário, sinto que é pela real consideração, fé e importância que dá a todos à sua volta. “Venham, não levem tudo tão a sério, não fiquem aí parados pensando e protelando, há lugar para todos, todos podem, venham!”, sinto ele dizer isso sorrindo. E pelas reações que vi na sua visita pelo Brasil, não sou só eu que sinto isso, parece que muitos foram felizes aos seus braços.

Não quero aqui falar de religião, nem de moral e nem de política. Não tenho nenhuma pretensão de questionar ou apoiar o Papa e a doutrina teológica da Igreja. Estou falando apenas que a atitude franciscana do Papa Francisco fala mais, e vai bem além de pregações, discussões e propostas de salvação. O que me toca nele é mais o que ele não diz, é sua intenção cativante e sincera. Seus gestos, por serem pessoais, tocam pessoas, e isso é mais do que uma ideia, é mais do que o poder de uma autoridade. Pensando melhor, acho que seus gestos, por serem pessoais e simples, são mesmos é manifestações políticas, morais e religiosas, diria até quase revolucionários em nossos virtuais dias.

O “não levem tudo isso tão á serio” é na verdade um belo lema de desapego, de desprendimento. Não leve tão a sério suas pretensões, seus medos, suas seguranças, suas conquistas, suas posses, suas certezas, suas dores, seu orgulho. Desapegar-se é o coração de qualquer caminho espiritual, e não há nenhuma “verdade” teórica e teológica que se sobreponha a essa profunda vivência. A vida pautada no desapego produz frutos bem típicos, tais como leveza, profundidade, coerência, compaixão, irmandade, inclusão, simplicidade.  Lição dos Franciscos, do Vaticano e de Assis, e de todos os santos, mestres e iluminados: não leve tudo isso tão a sério!

16 de jul. de 2013

Por onde a sua atenção?


Arqueiro zen = atenção

Basta um mínimo de auto-observação para constatar que a nossa atenção é na verdade desatenta, ou melhor dizendo, que a nossa atenção salta de um foco para outro o tempo todo. Isso se torna evidente no constante borbulhar de pensamentos que passam pela cabeça, tal como um riacho em barulhenta cachoeira. Outra constatação bem objetiva dessa desatenção são os movimentos inquietos das mãos, dos pés e de todo o corpo, ou ainda o revelador olhar distante, perdidos em devaneios, olhando o que só existe no mundo interno. A atenção fragmentada em muitos focos torna-se desatenção, dispersão, distração. Um pensamento sobre isso, outro sobre aquilo, uma lembrança, um gesto, outro pensamento sobre um terceiro assunto, uma cena futura, um sentimento, outro pensamento, uma julgamento, um sentimento, uma conclusão, um quinto pensamento... . O ciclo não tem fim, podemos viver mergulhados nele, sendo levados para onde essa maré nos levar, embora às vezes ele seja entrecortado por um breve contato com o mundo externo, talvez no encontro com uma outra pessoa, real, ali no mesmo momento e no mesmo espaço.

É bom lembrar que a atenção tem um poder muito especial. Faça uma pequena, simples e rápida experiência sobre esse poder agora mesmo. Não deixe para depois. Apoie suas mãos nas coxas ou em uma mesa. Deixe as palmas para baixo e não mexa as mãos. Feche os olhos e por um minuto, ou um pouco mais, apenas pense e sinta a sua mão esquerda, nada mais do que isso. É bem capaz que algo surpreendente aconteça, experimente.
Bem, isso que você percebeu em sua mão esquerda é resultado do poder da atenção com foco. Ao ser direcionada a atenção ganha força, consistência, profundidade, e acaba transformando seu portador e seu foco. Se a sua atenção é capaz de fazer isso com sua mão em tão pouco tempo, o que não poderá acontecer se ela for direcionada ao longo de horas, meses e anos?
Há uma equação muito simples: onde está a atenção, está o coração. Assim, é dali mesmo, onde projetamos nossa atenção, que tiramos alimento para a alma. Aquilo que recebe atenção torna-se alimento, e no alimento nos transformamos. Isso é fácil de ser constatado, não importando se o alimento for uma fruta, um doce, uma dose de álcool, ou um pensamento, uma emoção, uma situação, ou qualquer outra coisa, externa ou interna. Do foco da atenção tiramos nosso alimento, que, conforme nossas escolhas, irá nutrir-nos ou intoxicar-nos.

O yoga pode ser definido como uma proposta de direção da atenção. Em toda a sua variedade de métodos o yoga sempre oferece um sentido para a atenção, há sempre esse cuidado essencial de canalizar o potente e fértil rio da atenção. Seja nas ações do corpo, seja na respiração, seja no corpo sutil, seja no colorido das emoções, seja no fluxo dos pensamentos, seja na pura presença, seja num aspecto da divindade, seja num som, seja num gesto, seja num rito, seja numa relação, ou ainda em várias dessas ferramentas juntas, haverá sempre no yoga um foco para a atenção. As muitas gerações de mestres yogues sempre deram a devida atenção ao fato de que a atenção precisa de uma casa, de um endereço, pois ela sempre está a movimentar-se nessa busca. Por que então não oferecer-lhe um lar? E por falar nisso, por onde anda a sua atenção?

4 de jul. de 2013

Quando se abandona o caminho


No finalzinho do encontro “Caminhos para a Meditação”, evento que reuniu 20 pessoas para estudar e praticar a meditação, surge a seguinte pergunta: “mas se a meditação faz tão bem, traz tantos benefícios e é tão simples, por que então tantas pessoas começam e param, e por que tão poucos meditam?”. Boa pergunta! Quem a fez foi uma dedicada aluna de yoga, que ao perguntar expressava uma indagação sincera, e me fez lembrar que eu mesmo já me fiz essa pergunta algumas vezes.

Acho que várias são as respostas possíveis para o porquê alguém deixa de meditar, ou praticar yoga, se isso é potencialmente tão positivo. Para começar, as pessoas não são iguais, não funcionam da mesma forma, não tem os mesmos valores, as mesmas habilidades, as mesmas experiências e os mesmos objetivos, portanto, o que é bom para um pode não ser bom para outro. Exatamente por isso existem tantas formas de praticar meditação e yoga, pois os diferentes métodos nasceram de, e para, diferentes pessoas e suas diferentes experiências. Talvez muitos dos que largaram a prática não tiveram a felicidade de encontrar, logo de primeira, uma forma ou um professor que fosse adequado para elas. O meu primeiro contato com o yoga e com a meditação foi com métodos bem diferentes dos que eu pratico hoje. E por que mudei? Porque não me sentia mais satisfeito e confiante com o caminho e com as ferramentas que tinha então. Experimentei outro método e outro professor e senti a revigorada que precisava, a caminhada ganhou fôlego e uma nova direção.

Além disso há uma condição fundamental para que o yoga e meditação deem os valiosos frutos do autoconhecimento e da transformação: a disciplina, constante e dedicada. Não há mágica e nem milagres, nem saltos espetaculares e gratuitos. Yoga e meditação só existem quando praticados, quando vivenciados. Como professor, observo que é comum o yoga e a meditação serem colocados pelo aluno na mesma prateleira em que coloca os hobbys, ou seja, daquilo que é bom, mas que não é essencial, e dessa forma, a prática não decola, não embala e nem ganha força. E é justamente a prática desse tipo que será facilmente abandonada, restando dela só uma esteira enrolada num canto ou um livro que não foi lido.

Há também de se considerar que, se o yoga e a meditação são caminhos para o autoconhecimento, essa empreitada nem sempre é fácil e nem sempre é agradável. Tal como no processo da psicoterapia, há trechos do percurso onde nos deparamos com aspectos incômodos da nossa personalidade, trechos onde nossos limites ficam evidentes e onde pretensões desmoronam. Esse é o exato momento que, se não houver o lúcido suporte de um professor e de um método, podemos abandonar a jornada, exatamente ali, onde iríamos transpor nossa condição limitante.

Mas ultimamente penso que o fator mais decisivo para que alguém largue a prática seja mesmo a solidão. Solidão de não poder compartilhar conquistas e dificuldades, de não ter a oportunidade de ouvir vivências semelhantes à própria. Solidão de achar-se um estranho em procurar e percorrer este caminho. Solidão de ver-se um isolado. Se de um lado a prática é solitária, que ocorre da pele para dentro e é sempre uma experiência interna, por outro, ela é uma situação relacional, pois envolve um saber que é trocado, que é compartilhado há muitas e muitas gerações. A clássica e nuclear condição professor/aluno é expandida quando se pode estar com outros buscadores, quando é possível estar junto num propósito semelhante. Estar junto é a lenha que produz mais clareza e calor para a caminhada. Esse estar junto em um propósito chama-se sangha em sânscrito. A falta de sangha (da associação com outros buscadores) esmorece e desorienta qualquer prática bem intencionada. Todos nós temos o que aprender e todos nós podemos ensinar, basta estarmos reunidos. 


Eu no caminho, com meu professor e outros caminhantes