29 de jun. de 2014

No entre



Neste final de semana estou num momento especial. Especial por ser um daqueles momentos suspensos entre outros dois. Na quinta feira passada dei minha ultima aula de yoga na academia Corpo &Espaço e na próxima terça começo uma nova turma no espaço Casa Viva. Foram dez anos de aulas numa mesma sala. Uma sala que acolheu e assistiu, por dez anos, a prática de empenho, esforço e entrega de muitos alunos que por ela passaram. Acolheu também alguns encontros muito especiais. Por ela também se desenrolou muito do meu amadurecimento como professor e como praticante. Nessa academia me desenvolvi conhecendo muita gente, num clima de amizade e camaradagem. Mas, como tudo que começa e tem o seu devido tempo para durar, chegou o momento de partida. Saio grato por tudo que aprendi e vivenciei.

No novo espaço, Casa Viva, terei mais possibilidades de aprimorar o diálogo entre yoga e psicologia, e isso me cativa e desafia. Tenho alguns brinquedos na bagagem e a oportunidade (tempo, espaço, pessoas, contexto) para criar. Algo a ser descoberto, tecido, realizado.

Saio de uma história já contada e entro numa ainda a ser contada. Estou na entressafra, no exato ponto do “entre”, nem lá, nem cá. Tal como no brevíssimo instante entre um passo e outro. Um pé totalmente apoiado e pesado no chão e outro decolando adiante, leve. Há então um exato instante onde o eixo de gravidade do corpo passa do pé de traz apoiado para o pé da frente elevado, e assim, o de cima desce para o de baixo subir. Um novo passo dado, que será logo superado por um outro, e outro, e outro... Uma caminhada só é possível com essas passagens quase imperceptíveis.

Entre um passo e outro, um momento suspenso. Entre uma palavra e outra, um momento de silêncio. Entre a expiração e a inspiração, um momento de vazio. Entre um dia e outro, uma noite. Entre um fim e um começo, um estado de imobilidade e disponibilidade para o que virá. O espaço do entre é a brecha de acesso para o infinito potencial, para tudo aquilo que não é conhecido, é o espaço daquilo tudo que podemos vir a realizar. É breve e fundamental, é nossa fonte. É o espaço do Ser.

13 de jun. de 2014

A fala e os pés no chão

Fala certeira, pés no chão

Recentemente escrevi sobre como as posturas do yoga realizadas em pé trazem rapidamente a sensação de se estar com os pés firmes no chão. Pés firmes no sentido de se estar presente, atento, disponível para a vida, e não desconectado e perdido no próprio labirinto mental. Pés enraizados na realidade imediata, numa sensação geral de grounding com a vida.

Essa é uma clara constatação de se praticar as posturas corporais do yoga, mas esse efeito não é exclusividade do yoga. Várias são as formas de trabalho corporal que também proporcionam essa sensação. Há os caminhos mais tradicionais ou os mais contemporâneos, assim como aqueles mais próximos ou da arte, da religião, da ciência, do lazer ou do esporte, ou ainda aqueles que integram um pouco de cada um desses diferentes aspectos. Há também os realizados individualmente e os em grupo. Muitas são as vias de acesso à consciência.

Há também a forma não corporal de se ter os pés firmes no chão da realidade imediata. Há o grounding pela fala. Mas não de qualquer fala, me refiro aqui a aquela fala significativa que toca na estrutura mental e emocional de quem a escuta, e que em algum nível e de alguma forma, a desestrutura. Essa é a fala que por instantes nos joga no vácuo, na estranha sensação de perder o chão. Escutar aquilo que não era esperado e nem considerado, escutar aquilo que não se percebia e que não se sabia sobre si mesmo. Essa fala é no primeiro momento uma verdadeira rasteira em nossas identificações, ou seja, não oferece nem um pouco de grounding. Mas é justamente ela que nos irá permitir encontrar, na clareira que abriu, um novo chão para pisar e aterrar. Grounding pelo que foi escutado. Essa é a fala transformadora buscada e utilizada por todos os mestres, cuidadores, psicoterapeutas e terapeutas, não importando de que linhagem, tradição ou escola pertençam.  

Essa fala certeira e transformadora é uma moeda com dois lados, pois não é só quando escutamos que podemos ter os pés firmes no chão, quando falamos o que precisa ser dito também podemos ter grounding. É claro que às vezes sentimos primeiro os pés no vácuo ao pensarmos em como vamos dizer aquilo para tal pessoa, em o que o outro vai achar, em que repercussões nossa fala terá, e mais um monte de especulações mentais. Mas, superado o medo e pago o risco de falar o que tem que ser falado, nossos pés voltam-se a firmarem no chão e ficamos bem ancorados e aterrados em nossa clareza e posicionamento naquele momento. Grounding pelo que foi dito.
  
Uma fala é transformadora exatamente por ser diferente do nosso tão querido blá-blá-blá diário, pois nele raramente saímos do familiar, daquilo que já sabemos e que temos como certo. Falas que nos poem firmes no chão são falas que provocam e que acordam e não discursos sobre a verdade.

4 de jun. de 2014

Quando retiro e preencho


Hoje estou voltando de um duplamente singular retiro de uma semana. Vou tentar explicar. Por uma semana, de 28 de maio a 04 de junho de 2014, de quarta a quarta, aconteceu em Portugal um retiro de silêncio com Mooji. Mooji é um mestre da linhagem Advaita Vedanta que conduz práticas de Jnana Yoga, a prática da auto investigação, em satsangs pelo mundo. Nesses encontros os participantes permanecem em silêncio e reúnem-se em sessões diárias de perguntas e diálogos esclarecedores e transformadores com ele.

Esse encontro aconteceu em Portugal, mas aqui no Brasil, em Campinas, um grupo se reuniu em uma casa e acompanhou ao vivo pela net todos os satsangs dirigidos por Mooji. Além de acompanharem ao vivo os satsangs, também observaram o silêncio e toda a programação de Portugal. Um retiro virtual, embora não apenas virtual, pois estavam em grupo e na mesma prática e na mesma sintonia do grupo maior no outro lado do Atlântico. Isso, para mim, já o faz um retiro singular.

Mas o que fez esse retiro ser duplamente singular para mim foi o fato de que eu só participei dele por dois dias. O grupo se reuniu em uma quarta feira e permaneceu assim até a outra quarta feira, enquanto que eu só me juntei a eles no sábado e saí logo no domingo. Portanto, participei de um retiro de sete dias que acompanhava a distância um outro retiro em Portugal, e dele só participei objetivamente por dois dias. Não sei se consegui deixar claro todos esses detalhes e essa singularidade.

Falo que essa foi uma participação singular em um retiro, pois apesar de não estar fisicamente em Portugal e de permanecer brevemente em Campinas, de certa forma pratiquei e senti e os efeitos do encontro ao longo da semana. Sendo mais específico, pratiquei silêncio por uma semana, apesar de continuar totalmente envolvido com minha rotina cotidiana. Continuei com todos os contatos sociais, atendendo, dando aulas, encontrando e convivendo com familiares e amigos. Fiz um retiro sem me retirar. Mas não é justamente a retirada do cotidiano grande diferencial de um retiro? Então que mérito pode ter um retiro sem a retirada?

Depende de que retirada estamos falando. Posso levar meu corpo para um local afastado e continuar com meu mundo interno conectado à minha rotina e ao que deixei temporariamente de lado. Será que podemos afirmar que houve realmente um retiro? Posso também continuar participando do meu cotidiano e dele retirar algo, algo que me faça relacionar-me diferentemente com ele. Um algo que provoque minha percepção e meus padrões, que desperte minha atenção, que quebre a previsível e anestésica rotina. Esse algo foi para mim o silêncio. Mas não o silêncio da mudez, já que eu estava em contato com outras pessoas que não sabiam e nem estavam com esse propósito. Foi um silêncio de observar meus barulhos, minhas tagarelices, minhas falas desnecessárias. Foi um silêncio de escutar mais, de esperar e deixar as coisas acontecerem. Me antecipei menos, me surpreendi mais. Percebi que posso deixar muitas coisas da minha vida mais simples. Me suportei e gostei.

Oficialmente meu retiro acabou hoje, mas acho que isso não faz a menor diferença, pois minha sensação é de que não posso mais retira-lo de mim. Que assim seja.


Mooji

Gratidão ao Mooji, ao pessoal de Campinas (Ivan Vidroh) e a minha família pelas eternas negociações.