24 de abr. de 2012

John Lennon e a vida em "Beautiful Boy"


Em 1980, pouco antes de morrer, John Lennon gravou “Beautiful Boy” para seu filho Sean, que na época tinha quatro anos.  A música lembra uma canção de ninar e fala das preocupações e recomendações carinhosas de um pai para seu pequeno filho. Entre os cuidados rotineiros cantados pelo papai Lennon, uma verdadeira pérola yogui :“a vida é o que lhe acontece enquanto você faz outros planos”.



“Feche os olhos, não tenha medo, o monstro se foi, ele está correndo e seu papai está aqui.
Lindo, lindo, lindo, menino lindo.

Antes de dormir, faça uma pequena oração, todos os dias tudo está cada vez melhor e melhor.
Pelo oceano navegando, mal posso esperar para ver você crescer, mas acho que precisamos ser pacientes, porque ainda temos um longo caminho à frente, muito o que remar, o caminho é longo, mas enquanto isso...
Para atravessar a rua, segure minha mão, a vida é o que lhe acontece enquanto você faz outros planos”.

A vida não é um pensamento, a vida é um fluxo de experiências, que envolve ter pensamentos. Facilmente nos desconectamos do fluxo da vida quando nos perdemos em nossos pensamentos, quando somos sequestrados por suas sedutoras elaborações sem fim.  Perdemos a vida quando trocamos a experiência de se estar vivo pelo pensar sobre uma experiência de se estar vivo, quando, por exemplo, diante de uma bela paisagem, pensamos; "poxa, pena que não trouxe a máquina para tirar uma foto". A experiência está ali, a vida está fluindo ali, nós é que não estamos.
Quando adolescentes pensamos muito no que faremos quando adultos, e isso é bastante saudável para um adolescente, temos muitos planos de como trilharemos nosso caminho, do que buscaremos, de como seremos diferentes dos outros. Mas, frequentemente demoramos para perceber que o tempo passou, que já somos adultos e que ainda estamos fazendo planos sobre o que faremos quando formos adultos. Um lapso de tempo passou e algo ficou desatualizado. Experiências não foram vividas, pois alguém estava indisponível, pensando. Talvez tenha faltado a percepção de que a vida é isso mesmo aqui e agora, não aquilo que foi ou aquilo que virá.

A vida é uma experiência fluindo sempre, que pode ser inclusive a de se estar confundindo o pensar na vida com o viver a vida.

19 de abr. de 2012

Palavras...


“As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes,
                      desaparecem quando em contato prolongado com o ar.”

Li esta frase no facebook e a compartilhei, pois diz muito, falando do não falar. Existe uma prática do yoga chamada mouna, que é a prática do silêncio. Em mouna fazemos uma “vaca amarela”, cortando o som das palavras, não como um desafio lúdico, mas como um exercício de observação, solidão, controle e quietude. O efeito é tão intenso que nos leva até a fonte das palavras, nos deixa no meio do falatório interno, nos eternamente insatisfeitos pedidos de nossa mente e de nossos desejos. O silêncio trás essa intensidade, ao reter o escoamento das palavras uma pressão interna se faz, a de ouvir o quão ruidosos somos internamente, e talvez a de perceber como esse ruído interno nos faz tagarelas, geradores de ruído externo.

Mas em silêncio também podemos ir além, e nos aproximar daquela região anterior ao falatório, um lugar quase sempre pouco visitado, um lugar que emana força e clareza. Estar nesse lugar produz algo interessante, as palavras, se ditas, ganham consistência, ganham significado, ganham valor. Daí não brota a chuva de palavras e sons desconectados, daí não brota algo que vá quebrar inutilmente o silêncio, daí não brota o desnecessário. Palavras que brotam dessa fonte, se vêm ao mundo, são sementes. Já as palavras que vem do falatório interno, se vêm ao mundo, e sempre vêm em enxurrada, são bolhas de sabão, coloridas e divertidas, mas...

14 de abr. de 2012

Simples assim

Conversava com uma senhora simples que passou boa parte de sua vida na roça. Cuidou da terra, de plantas e animais, acompanhou os processos e ciclos da natureza na própria pele. Quando ficou sabendo que eu não comia carne (nem peixe?), me indagou diretamente, como uma criança repleta de curiosidade: “mas por que você não come nada de carne?” Não senti nenhum julgamento em sua pergunta, mas uma real intriga em por que alguém não comeria o que era tão natural na vida dela. Diante de tão sincera e boa pergunta me senti desafiado a dar uma resposta à altura: “não como nenhum animal, afinal eles também não querem morrer.” Isso pareceu fazer sentido para ela, que disse: “é essa coisa de preservar a natureza, né... entendo o que você está falando.” Após um breve silêncio a conversa retorna em outro assunto, já havíamos dito tudo que precisa ser dito. Talvez esta tenha sido a mais clara e direta conversa que tive com alguém sobre o não comer carne. Foi apenas isso, simples assim.

8 de abr. de 2012

Sobre o esforço e a entrega


Na postagem anterior escrevi que o foco do yoga não é nem o fazer e nem o desempenho. Mas, para ser mais coerente e exato, preciso reformular essa ideia, pois o yoga possui uma infinidade de técnicas, ou seja, coisas para se fazer, e  no caso do método Iyengar isso é ainda mais evidente, haja visto a infinidade de ações corporais que devemos realizar na permanência de uma postura.

No método Iyengar o asana (postura) precisa ser estudado, experimentado, explorado, suado, digerido, por vez doído, até ser incorporado e realizado plenamente. Nesse processo é necessário muito o fazer e o refazer, a intenção, o controle, a determinação. Tudo isso é a vivência de um importante aspecto do yoga, o princípio ético tapas, que é o esforço sobre si mesmo e a auto superação. Esse esforço deve ter uma qualidade fundamental, ele deve ser consciente, pois ele é a própria via para nos conhecermos melhor. Mas isso não tudo. Após esse empenho todo podemos, ou não, uma hora ou outra, sermos presenteados com um momento que está além do esforço, um momento de integração e de profunda satisfação, de santosha.

O esforço é mais que necessário na trilha do yoga, ele é totalmente indispensável, mas não é ele quem coroa essa trilha. Uma trilha íngreme e cheia de obstáculos só é encarada voluntariamente porque nos levará até um lugar especial, seja uma cachoeira ou uma linda paisagem. A ideia é chegar lá, e o esforço possibilita que cheguemos ao final, mas ele pode nos levar também até a outro lugar muito valioso, ele pode ser a ponte até a experiência da entrega. Esta sim, coroa a exigente jornada pela trilha do esforço. O percurso ganha sentido no momento da entrega, da não intenção, do não querer mais nada além de sentar-se e ficar em contemplação diante do que temos a nossa frente, e mais do que isso, do que temos no coração naquele momento. E assim, abertos e vazios, talvez possamos ser preenchidos pela graça do contentamento e da entrega.


A trilha do yoga é feita de esforço e de entrega, de ação e de não ação, de intenção e de contemplação.

4 de abr. de 2012

Yoga é algo que não se faz


A aluna nova, no final de sua primeira aula, se questiona se um dia conseguirá realizar aquelas posturas tão bonitas que já viu em revistas. Diante da dúvida da novata, outra aluna mais antiga responde confiante: sim, aos poucos é possível realizar muitas posturas, aos poucos você conseguirá muita coisa.

Entendi a intervenção da aluna mais antiga como uma forma de acolhimento e incentivo para a que estava começando, e isso foi bom, mas ela me fez pensar também em como essa fala expressa uma forte imagem sobre a prática de yoga. É senso comum dizer: “estou fazendo yoga”, “não deu para fazer yoga hoje”, “faça yoga antes que você precise”, “ela faz yoga muito bem”. O verbo fazer indica uma ação, um desempenho, uma atuação, assim como se faz um café, um alongamento, uma telefonema, um movimento, um penteado. O foco está no desempenho, no que poderá ser visto pelos outros. “Puxa, agora você consegue colocar as mãos no chão!”. Essa constatação parece dizer que a prática melhorou, que se está fazendo yoga melhor, pois o desempenho se diferenciou. Mas então qual a diferença entre yoga e alongamento? Entre yoga e condicionamento físico? Entre yoga e pilates? O que difere um yogi de um ginasta ou de uma acrobata? Se o foco é só o desempenho, o quanto se consegue fazer algo, praticamente não haverá diferença entre essas propostas, em todas é possível fazer posturas ou movimentos bonitos e inusitados com o corpo.
Mas o caminho do yoga não mira o desempenho, o que se busca é a consciência, e no caso das posturas, a meta mais imediata é a consciência corporal profunda. Num gesto automático não há consciência, pode-se fazê-lo pensando no próximo feriado, ou seja, pode-se fazê-lo sem envolvimento, sem se estar nele. Não há yoga sem comprometimento. Não é o fazer as posturas que torna o yoga presente, não basta sentar-se com as pernas cruzadas e os olhos fechados ou ficar de ponta cabeça, ou então colocar os pés na cabeça. Não é o que se faz, mas sim o como se faz que nos leva ao yoga. E qual o segredo do como se faz? A presença ou não da consciência. Mais do que fazer isso ou fazer aquilo, o caminho do yoga passa pela vivência subjetiva, pela vivência interna de como se está no que se está fazendo.