28 de mai. de 2014

O cabeção e os pés no chão


Nossa vida atual tem um forte apelo mental. Somos banhados por informações o tempo todo, vindas de todas as direções. Valorizamos o pensar, o entender, o explicar, o decidir, o dominar, o antecipar, o saber, ou seja, valorizamos e alimentamos a atividade mental. Nosso mundo gira todo em torno e em função da referência mental. Essa atitude tem como consequência vivermos com a mente constantemente estimulada e acelerada. Mentes que não param e que não podem parar, pois correm o risco de serem ultrapassadas ao ficarem desatualizadas.

Uma criança poderia descrever esse nosso jeito de viver como um mundo habitado por homens e mulheres cabeções. Um mundo cheio de fios, visíveis e invisíveis, conectados diretamente nas enormes cabeças desses seres de olhos arregalados. Tudo aconteceria dentro dessas infladas, informatizadas e virtuais cabeças. Esses seres cabeçudos teriam também corpos pequenos, mirrados e frágeis, haja visto que pouca coisa aconteceria dentro deles. Uma enorme e estimulada cabeça e um pequeno e esquálido corpo. Muito investimento em cima e quase nenhum em baixo. Uma distribuição nitidamente desigual de vida e atenção entre cabeça e corpo. Esses corpinhos seriam ligados nas cabeçonas por um fiapo de pescoço, que não conseguiria conectar o que acontece em baixo com o que acontece em cima, e vice versa. Quase uma cabeça sem corpo e quase um corpo sem cabeça, na verdade, quase um personagem de filme de terror. Mas acho que podemos admitir que essa é uma descrição fiel de como nos sentimos e estamos muitas vezes.

Nada melhor para um cabeção do que investir um pouco de atenção no corpo. Para isso, nada melhor do que asanas (posturas do yoga). E entre todos os asanas, os feitos em pé são especialmente eficientes nessa redistribuição de atenção e de vida entre cabeça e corpo, ou sendo mais preciso, entre mente e corpo. Posturas de pé trazem a nítida percepção do chão, da gravidade, do equilíbrio, da força, da estabilidade e amplitude do corpo. Posturas de pé acordam, despertam e estimulam o corpo, florescendo o estado de presença integral. Corpinhos se preenchem de vigor e de novas sensações e cabeçonas esvaziam-se e desinflam-se, voltando assim a fazer parte do corpo. Um cabeção precisa de um corpâo, vivo, disponível, não necessariamente malhado, que chame a atenção para si e que quebre assim a prisão de ser apenas mental.

Essa ideia lembra a proposta de Alexander Lowen, aluno de W. Reich e criador da Análise Bioenergética. Lowen elaborou um método psicoterapêutico que inclui vários exercícios para auxiliar o despertar e soltar do corpo reprimido e contido. Esse trabalho corporal visa, mais do que soltar tensões, promover a sensação de grounding, que é a sensação de se estar com os pés na realidade, de se estar encorpado, encarnado, vivo, presente e com os pés e pernas firmes no chão. Grouding é enraizar, aterrar, ter raízes profundas que conferem estabilidade para todo o corpo e psiquismo. Grounding é exatamente o que os asanas de pé proporcionam, tanto que a postura de pé básica chama-se tadasana, que traduz se por “postura da montanha”, onde é possível vivenciar-se as qualidades de uma montanha, tais como: a firmeza de se ter uma base larga e estável totalmente enraizada no chão, o pico alto, leve e sereno por estar bem sustentado, liberdade para observação aberta do em volta, tônus sem rigidez, leveza subindo do chão ao topo da cabeça, descanso, atenção, vigor....

A atitude cabeção pede corpo, chão, grounding. Pés firmes no chão, corpo 
pulsando, olhar tranquilo e mente serena. E por que não agora mesmo?

                                           Groundig na Bioenergética


                                           Grounding no yoga


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