23 de nov. de 2011

Uma iniciação



        Talvez eu estivesse com sete ou oito anos e o clima em casa estava bem tenso. Não me lembro bem o motivo, possivelmente uma briga entre irmãos (quatro meninos praticamente com a mesma idade) e minha mãe nervosa tentando intermediar. Só sei que, no meio da confusão, meu pai me chamou em seu quarto e pediu para que eu me deitasse na cama de casal. Fechou a porta e me disse algo sobre o que iria fazer comigo, e do qual só entendi que era alguma coisa diferente, uma curiosa novidade. Fisguei a isca de imediato. Lembro que fiquei deitado com os olhos fechados, enquanto ele de voz mansa me conduzia por um inesperado relaxamento. Na época meu pai estava envolvido com estudos de parapsicologia, coisa que despertava em mim um misto de receio, curiosidade e admiração. O relaxamento com que ele me presenteou foi simples, rápido e transformador.

        Lembro claramente de duas cenas: eu fechando a porta ao entrar no quarto e abrindo-a para sair. Entrei de um jeito e sai de outro. Essa retirada inusitada da confusão familiar teve um efeito profundo em mim, não só por me acalmar naquele momento, mas principalmente por me abrir para um universo inédito e surpreendente de interiorização. Esse relaxamento significou para mim, além de um resgate e um cuidado paterno, uma iniciação. Só me dei conta disso ao recontar, muitos anos depois, essa história para minha filha, um pouco antes de fazer com ela o que passamos a chamar de “imaginação”, ou seja, um relaxamento antes de dormir.

      Receber uma iniciação é receber uma chave, uma senha de acesso à um universo desconhecido até então. Tive a sorte de receber essa iniciação de meu pai e a felicidade de reconhecê-la como tal. Não sei se essa a era a intenção dele, mas o seu relaxamento foi uma chave que me abriu futuramente para os caminhos da Psicologia e do Yoga. Ao longo da vida somos todos presenteados com muitas iniciações, formais e informais, mas se não lhe damos significado, se não sentimos o poder de ter a chave na mão, ela poderá ser inócua, nula, sem nenhum efeito transformador. Pode ser bem oportuno perguntarmo-nos sobre quantas iniciações já não desperdiçamos por falta de atenção? 

        Trago comigo essa iniciação de relaxamento como uma das muitas heranças que meu pai me deixou. Nesta quarta dia 15 de novembro ele completaria 73 anos de vida, porém, como um bom pai que proporcionou inúmeras iniciações, à mim e aos meus irmãos, ele continua vivo, muito bem vivo! 

Jay Rocão!!! 




15 de nov. de 2011

Para aprofundar a prática



"Luz na Vida", B.K.S. Iyengar, Summus editorial, 2007.
Este livro é fruto de 70 anos de prática e ensino de yoga. Essa bagagem confere uma autoridade que poucos possuem, e permite que se vá fundo no entendimento do que seja o yoga. Ao se olhar para os asanas (as posturas) difícilmente pode-se imaginar o quanto eles podem nos levar para dentro e ser fonte de sabedoria e compreensão da vida.

Neste livro, o senhor Iyengar aprofunda o entendimentos dos asanas e pranayamas (respiração) para muito além de meras técnicas, e abre as portas para um caminho de autoconhecimento e libertação, metas últimas do yoga.   

12 de nov. de 2011

A padaria e o Universo



Esse vídeo é o trecho inicial de “Contato”, filme baseado no livro de mesmo nome do astrônomo Carl Sagan. Sagan foi um sério pesquisador da existência de outras formas de vida no universo e produziu, nos anos 80, a famosa série de TV “Cosmos”. Assisti-la no sábado de manhã era para mim um momento especial, me fazia olhar para o céu noturno com outros olhos.   
Já assisti “Contato”, mas ontem, ao ver essas imagens, fiquei transtornado, meio sem ar e emocionado, sem entender direito o que tinha me tocado. Ir de carona nessa viajem pelo universo abre algumas perspectivas quase absurdas para o nosso dia-a-dia. Passado o “susto”, começaram a vir pensamentos tentando entender e assimilar o que senti, e também tentando fazer possíveis relações. O ponto principal foi de como nossa noção de tempo e de espaço é totalmente relativa, e em como isso influi diretamente em tudo que acreditamos.
A força desses pensamentos foi me deixando acelerado e agitado, estado esse que alimentava mais pensamentos.  Mas, só percebi que estava assim um pouco depois, quando fui comprar pão. Caminhando, fui aos poucos desacelerando ao sentir meus pés tocarem o chão, ao respirar e ao olhar a rua e todos os detalhes do meu pequeno percurso até a padaria. O pão me resgatou, me trouxe para o corpo e para a mãe Terra, afinal, é aqui que vivo.
Mais tranqüilo, fiquei com essa imagem bem nítida, embora meio contraditória: somos humanos e isso nos permite ter consciência, tanto de ter os pés no chão como de sermos parte consciente do Universo em expansão. Terra e Céu em nós, nem só cá, nem só lá. Para a jornada da Consciência, os pés precisam estar no chão e o corpo precisa estar encarnado.

7 de nov. de 2011

Com firmeza e leveza

Tenho muito claro na memória aquele momento. A praia quase deserta e eu praticando, perto de mim minha mulher e filha brincando. O calor agradável, o sol, o mar, a floresta perto, a manhã radiante, tudo isso era muito estimulante e a minha prática ia nesse embalo. Já bem aquecido, entro em urdhva dhanurasana e algo surpreendente aconteceu. De repente tudo em torno de mim parou e eu fiquei no centro de tudo. Não havia esforço, não havia desconforto, não havia presa, não havia inquietação, só havia uma certeza de que tudo estava certo, nada havia para ser feito. Não sei quanto tempo fiquei no asana, mas sentia que poderia ficar nele para sempre.

A definição clássica para asana é uma postura corporal onde se experimente firmeza e leveza, vigor e suavidade, onde não haja nem moleza e nem dureza. Asana é uma postura de estabilidade, onde opostos se relacionam sem se anularem. Os opostos integrados nos levam à um outro patamar de experiência. A experiência do asana é na verdade uma experiência para a vida, ir além dos opostos e perceber outros ângulos da realidade. 


Na foto, eu em urdhva dhanurasana na praia, mas em outro momento, num dia onde brincava como menino na areia.

2 de nov. de 2011

Expectativas

Durante uma boa parte do tempo em que dou aula, mantive a convicção de que dar a primeira aula para um aluno novo era algo difícil. A aula mais exigente e cansativa era sempre aquela onde havia um ou mais alunos que nunca tinham praticado, ou que já tinham experiência anterior de yoga. Os que nunca haviam praticado às vezes mal conseguiam se sentar no chão e os que já praticavam já sabiam o que fazer, só que de um outro jeito. Nessas ocasiões procurava dar mais atenção á eles, fazia uma aula mais simples, mais básica. Mas ocasionalmente isso era desgastante, parecia que não conseguia agregar e agradar os novos e os antigos, que a aula não tinha sido fluida e integrada.  
Acho que, diante do aluno novo, eu tentava antecipar o que ele queria, tentava agradá-lo, queria que ele tivesse uma boa experiência, enfim, queria que ele voltasse. Com o aluno que já tinha praticado ocorria algo um pouco diferente, queria agradá-lo em comparação ao professor que ele já teve, não queria que ele me achasse pior que o seu anterior. Em resumo, diante do aluno novo eu acabava querendo muita coisa. Diante dele o meu querer ficava maior do que ele e do que ele trazia de novo para mim.  
Mas foi então que durante uma aula, em que havia uma aluna nova, eu me percebi tenso, como se estivesse devendo algo. E de repente ficou claro que eu estava realmente tenso, tentando agradar aquela aluna, tentando dar uma boa aula. Eu estava me esforçando para isso. Só que fazendo isso tinha perdido minha naturalidade, minha espontaneidade, e assim a coisa fica desgastante mesmo. Depois dessa aula fui deixando de tentar agradar, fiquei bem mais a vontade com os alunos novos. Não sei o que vieram buscar no yoga, talvez nem eles mesmos saibam, não sei se o que é uma boa experiência para mim também será para eles.
Na verdade o difícil não é agradar um aluno novo, o difícil é corresponder à expectativa do outro, e o pior de tudo, corresponder a uma expectativa que eu nem sei qual é. Minha ansiedade atropelava a mim e ao outro. Essa experiência é bem evidente também no consultório psicológico, mas não apenas com o paciente novo, isso é válido em todas as sessões, a cada novo encontro. Não sei o que o outro quer ou precisa, só vou descobrir com ele, tanto com os alunos como com os para pacientes, com os novos e com os “velhos”.  
Abrir mão dessa tensão de corresponder à expectativa do outro me faz lembrar uma frase do psicanalista francês Jaques Lacan: “esperem o que quiserem”. Há aqui a indicação de uma experiência de liberdade, de independência e de tranqüilidade em ser quem se é, além das expectativas, reais ou imaginadas, e essa é uma busca do yoga.