16 de fev. de 2014

O que você pensa sobre a doença?



Já com os resultados de vários exames em mãos, retorno ao médico que me acompanha e no qual confio plenamente. E dessa vez ele foi categórico: “você tem uma doença”, referindo-se a doença de Ménière, que se caracteriza pelos sintomas de pressão no ouvido, perda auditiva e episódios de tonturas. Conversamos sobre as consequências e principalmente sobre o tratamento possível. Tirando a medicação que já tomo, a principal prescrição que recebi foi relacionada à dieta, pois muito do que se sabe sobre essa doença, ou síndrome, diz respeito ao metabolismo. Para mim ficou de cortar o açúcar, zerá-lo por um mês e então refazer alguns exames.

Essa foi uma consulta esclarecedora. Já passei várias vezes por médicos e quase sempre saí com a mesma compreensão que tinha de quando entrei, carregando apenas uma receita a mais na mão. Dessa vez saí com uma missão a cumprir, que por sinal, só a mim cabe cumprir. Mas saí também com um questionamento, e uma clareza, pois se a doença que tenho pode se modificar com minha dieta, não sei então se doença é um bom nome para isso que tenho. Vou me explicar melhor com essa hipotética conversa:

“- O que é doença? É uma “coisa” ruim que entra na gente e nos deixa mal.
 - Como tratar a doença? É só ir ao médico que ele sempre receitará um remédio que mandará a doença embora.
 - Por que ficamos doentes? Porque demos azar, por acaso, por castigo ou porque é normal e comum ficar doente de vez em quando.
 - Qual a oportunidade que a doença traz? Nenhuma, ela é um mal a ser eliminado, e queira Deus que nunca mais apareça. Bem, pensando melhor ela pode até ser interessante, dá para faltar no trabalho, na escola e ganhar um carinho extra também.
 - Quem é que sabe sobre a doença? Ué, é lógico que o médico, pois é ele que cura”

Penso que essa conversa fictícia retrata um pouco a imagem que alimentamos sobre o que seja essa coisa chamada doença. A doença é entendida como uma entidade com vida própria, alheia a nós e com a qual nada temos haver, e que deve ser extirpada a qualquer custo. Para isso existe um profissional poderoso que irá identificá-la e nos dar pílulas mágicas que farão o trabalho para nós. O que fazemos com a doença? Nada, a não ser esperar que o milagre aconteça por si só. A doença vem de fora, invade nosso corpo e dele deve sair.

Esse entendimento pode ser válido para algumas enfermidades, mas para a grande maioria das que nos acometem atualmente, não faz o menor sentido. Essa imagem não condiz com a experiência de muitas doenças de nossos dias, por exemplo as doenças cardíacas ou de stress. Cabe chamar de doença algo que é o resultado de atitudes equivocadas ao longo de muitos anos? Cabe chamar de doença a reação do corpo diante do que lhe agride e lhe faz mal diariamente? Ao invés de doença não seria melhor chamar isso de uma “consequência inevitável do não saber sobre si”? Não saber do que o próprio corpo precisa de fato, não saber como o próprio corpo reage ao que se faz com ele, não saber das dicas que o corpo oferece incessantemente, não saber que o corpo não é uma máquina constante e programável feita em série, não saber que os cuidados com a vida que se possui é uma questão intransferível e totalmente pessoal.

Aqui considero que o que vale para as doenças do corpo, vale igualmente para as doenças da alma (ou se preferir, as do psiquismo ou mentais). Quem não conhece alguém diagnosticado com hiperatividade, depressão ou transtorno bipolar? Quem não tem alguém próximo que toma antidepressivo? O que será que esses corpos e esses psiquismos estarão dizendo sobre o não saber? Quem quer escutá-los? Quem responsabilizar-se por esse trabalho? Quem quer remédios e farmácias?

Quantos doentes, que na verdade não são doentes, mas sim ”portadores de resultados dos próprios comportamentos e atitudes que por não considerarem o si mesmo acabam sendo auto agressivos”, não poderiam ter com a doença uma excelente oportunidade de escutar-se melhor? Não seria a doença assim uma via de autoconhecimento e de maior clareza sobre quem se é? Algumas perguntas essenciais (O que quero? O que preciso? O que me faz bem? Como estou agora? Para onde quero ir?...) podem ganhar significado e realidade no processo de adoecer, desde que a doença não seja entendida como apenas e simplesmente uma doença.

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