27 de dez. de 2013

Férias do yoga?

                                          
Estou no meu esperado e necessário período de férias. Por alguns dias ficarei sem agenda, sem horários, sem aquela rotina do consultório e das aulas do decorrer de todo o ano. Essa mudança é indispensável, pois descansa, revigora e traz mais energia para o próximo ano. Mas há algo que não cessa no período das minhas férias, até ao contrário, se intensifica, se aprofunda. Estou falando do meu contato com o yoga, que envolve a prática, o estudo e as elaborações sobre.  Com mais tempo posso me dedicar mais, ficar mais atento, mais disponível mais entregue à vivência do yoga no meu dia-a-dia. Assim, as férias são para mim um período de intenso trabalho yóguico.  

Férias é um período de descanso, de folga para relaxar e esquecer um pouco dos compromissos. Talvez isso faça muito sentido para os compromissos sociais, para o trabalho do qual não se goste, para um curso tedioso, para esforços sem sentido e para muitas outras coisas não muito necessárias do nosso cotidiano. Mas isso faz sentido para o yoga?

Yoga não é uma atividade externa da qual se pode descansar, ou da qual se possa manter distância. Yoga é uma atitude interna, uma intenção de vida, o sustentar de uma proposta de autoconhecimento, lucidez e liberdade ao longo da vida. Yoga é uma busca pela felicidade. Se em algum momento o coração é tocado, uma aliança é selada por toda a vida. E diante dessa constatação me pergunto: É possível tirar férias disso? É possível deixar isso para depois? É preciso descanso dessa empreitada?

Férias no yoga quer dizer apenas uma coisa: o professor não estará dando aulas, não haverá temporariamente as práticas formais conduzidas por ele. Só isso. Por sinal, professor algum é o responsável pela prática do aluno, apenas ele, o aluno, é. Todo praticante é o único responsável pela aplicação e condução do yoga na sua vida.

Férias do yoga me faz pensar no caso do Fulano. Ele viveu por muitos anos doente, com limitações, dores, tomando remédios, fazendo tratamentos e tendo demais complicações. Com suada intenção, dedicação e compromisso conquistou um estado saudável, vivenciando bem estar, potência, prazer, lucidez e tranquilidade. Será que um dia ele se lamentaria da mudança? Ficaria cansado do que conquistou e precisaria tirar férias? 


                               Yoga: uma jornada sem férias e sem fim

18 de dez. de 2013

A eficiência dos mestres

                
Na postagem anterior narrei meu encontro com uma aranha. Enquanto eu estava produzindo e trabalhando ela permanecia quieta e sustentada em mínimas condições. Depois que escrevi fiquei pensando sobre esse conflito, em como o conduzo na minha vida, e como que alguns mestres do yoga o administram.

Esse contraste entre o fazer muito e o fazer pouco acaba até criando a sensação de conflito, aquele entre o “faço muito e saio do eixo” ou “faço pouco e fico no centro”. Ou se vai para dentro ou se vai para fora, ou se mergulha no mundo interior ou se explora o mundo externo. Velha dicotomia que se concretiza na divisão entre as coisas do mundo e as coisas do espírito. Aquele que transita bem no mundo material acaba perdendo o contato com o espírito e aquele que se dedica ao espírito tropeça facilmente nas exigências materiais. Nessa perspectiva só restam duas direções a seguir: um caminho horizontal pelo mundo material e um caminho vertical pelo mundo espiritual. Caminhos aparentemente incompatíveis que nos colocam na encruzilhada de seguir um ou outro.

Mas o que nos dizem sobre isso alguns mestres do yoga? Mais do que seus escritos e suas falas podemos olhar para seus atos. E parece que vários deles nos dão uma mesma resposta: esses caminhos não são conflitantes e nem incongruentes. Muito pelo contrário, eles se complementam e cada um confere mais significado ao outro. O espírito traz luz e sentido às coisas do mundo e o mundo material permite que as conquistas do espírito se concretizem e sejam compartilhadas.

Muitos são os mestres que percorreram um longo caminho indo para dentro, e que, estabelecida a morada no centro, voltaram trazendo luz para o mundo. Essa é a jornada do herói, completa, aquele que aventura-se em resgatar o humano pleno, em si mesmo e no outro.  Nenhuma cruzada para salvar o mundo, nenhuma bandeira declarando guerra às outras, nenhuma tropa imbatível, nenhum novo império, apenas uma chama acessa, uma proposta viva, uma nova rota possível. E essa nova proposta é realizada com muito trabalho, muita energia e muitas ações concretas no mundo. Mestre constroem obras e realizam caminhos, produzem, e muito. Milhares de pessoas buscam neles apoio, esclarecimento, direção, milhares passam por eles, em torno deles forma-se sempre um sangha, uma comunidade da qual são o pilar. Mestre são aqueles que se realizaram no espírito e no mundo, aqueles que caminham bem na vertical e na horizontal, que seguem livres pelos dois planos.



        Discípulo ao mestre:
            “Mestre, como posso conciliar as coisas do mundo com as coisas do espírito? O que faço com esses dois caminhos?
        E o mestre:

           “Dois caminhos? Só há um caminho!” 



                                  B.K.S. Iyengar: em atividade e no centro   


5 de dez. de 2013

O yoga da aranha


Estou um mês sem escrever nada para o blog, e não foi por falta de vontade ou de ideias. Acabei entrando em um ritmo de trabalho que me deixou pouco disponível para sentar, mastigar e produzir alguma coisa. Parece que faltou tempo para entrar na sintonia necessária para poder escrever algo sincero. Mas aqui estou eu, mais uma vez, escrevendo!

Nesse período de correria tive uma inusitada e misteriosa companheira: uma aranha. Não vi como chegou e nem como se foi, mas ela ficou ali no canto da janela da área de serviço por umas duas semanas. Quando criança tinha medo delas e hoje sinto uma coisa meio desconfortável na presença das maiores. Essa era do tamanho mediano, daquelas coloridas, com grandes bundas e pernas finas e pretas que ficam em telhados de madeira. Inicialmente tive vontade de tirá-la dali, afinal de contas ela era muito ousada em invadir a minha casa, mas ela estava tão quieta que a deixei em paz, pois achei que seria um covarde se a atacasse.

Foram dias interessantes esses da estadia dela. A convivência com aquela presença, não convidada e não bem vinda de início, foi aos poucos mexendo comigo. Todo dia eu ia lá dar uma olhada, e lá estava ela, quase sempre imóvel na teia ou então, ás vezes, refazendo a teia habilidosamente. Fui me acostumando com a aranha e até disse para minha filha que agora tínhamos um animal de estimação em casa. Ana Liz disse que ela não era muito fofa e acho que tinha razão, mas fofa ou não, agora ela já tinha seu lugar garantido no canto da janela.

Sem perceber acabei caindo na teia da aranha. Nesses dias corridos que estava, e ainda estou, acabei tendo um sutil e interessante contraponto com aquela aranha. Eu saía cedo de casa e chegava tarde, quando dava ia correndo para almoçar e logo sair. Quando ficava em casa estava preparando algum material ou revendo o que havia feito. Pouco tempo de conversa, de lazer e de ócio. No meio dessa correria, quando ia tomar água ou comer alguma coisa, dava uma espiada na aranha e lá estava ela, quieta, imóvel. Tinha a impressão de que ela fazia o mínimo necessário para sobreviver, que contava com todos os recursos de que precisava, de que não fazia nada a mais, de que não desperdiçava nada. Sua casa ela própria fazia, sua comida dali mesmo viria, já sabia tudo o que tinha que fazer. Enquanto isso, eu estava mergulhado numa correria (e bastante satisfeito com a demanda maior de trabalho, sem nenhuma queixa), cheio de tarefas e ocupações, várias assuntos em aberto, decisões a serem tomadas e às vezes um pouco apreensivo. Parecia que a aranha gastava apenas a energia necessária para dar conta de si mesma, e que na maior parte do tempo ela suportava serenamente existir, como se, quando eu a via ali quieta, ela estivesse meditando. Enquanto o praticante de yoga se debatia a aranha meditava, pensar nisso me fez muito bem.

De forma alguma gostaria de ser uma aranha, ou acho que deveríamos viver como elas, mas o contraste foi esclarecedor. O encontro da minha correria com a quietude da aranha na teia me trouxe essa pergunta: como um homem, ou mulher, pode viver e dar vazão a toda espetacular complexidade, criatividade 
e originalidade que lhes são inatas sem perder o contato primordial com a teia da vida? Como podemos integrar essas duas fundamentais dimensões do Ser?