Em dias mais frios me sinto melhor,
mais disposto, e tenho a oportunidade de desfrutar melhor dos fantásticos
efeitos do banho frio. Mas banho frio no inverno? Como assim? Bem, é isso
mesmo, primeiro um banho quente e depois uma ducha final com o chuveiro
desligado. O impacto do contraste das temperaturas faz milagres na fisiologia e
traz um grande prazer. Só experimentando para saber. Apesar das muitas
reticências que surgem imediatamente ao pensar nessa proposta, juro de pé junto
que o banho frio vale muito à pena.
Recentemente acrescentou-se um algo a mais na minha
experiência de banho frio, algo até mais valioso que o grande bem estar que ele
sempre me trouxe. Há uns dias atrás, assim que desliguei o chuveiro e a água
começou a esfriar, me percebi resistindo a ela, como se eu estivesse fugindo
dela, apesar de estar ali por vontade própria. Parecia que eu estava recuando
para dentro da pele, me afastando assim da água fria. Perceber isso foi
interessante, pois me vi dividido em dois, um Marcos querendo o banho frio e
outro Marcos se recusando a ele. Um lado não estava entregue, não estava de
fato ali na experiência de sentir a água fria, talvez quisesse continuar com a
água quente, ou talvez, nem quisesse ter saindo da cama tão cedo, não sei. Mas
sei que ter percebido essa divisão me fez entrar de corpo e alma no banho frio,
não mais resisti, deixei a água molhar e gelar a pele e a alma não foi para
outro lugar, ficou ali mesmo.
Talvez a água gelada tenha intensificado a minha divisão
interna, mas ela já me é familiar, não há nenhuma novidade nela. Estar em uma
experiência e não estar presente, estar num local querendo estar em outro,
fazer algo pensando em outra coisa, percebo isso acontecendo em mim muitas
vezes durante o dia, às vezes de forma sutil e praticamente imperceptível.
Antecipar ou relembrar pelo pensamento são forma de sairmos da experiência
imediata e entrarmos num mundo paralelo ao aqui e agora. Meu corpo está em uma
situação, mas o meu mundo interno, aquilo que considero como meu “eu”, está em
outra situação, e muitas vezes totalmente desvinculada da experiência sensível do
corpo naquele momento. Isso não é esquizofrenia, a conhecida e grave psicopatologia,
mas possui a mesma dinâmica interna, a de se estar dividido e dissociado. Por sinal, o termo esquizo significa cisão, partido, assim
como o estar conversando com alguém e na verdade estar mesmo é pensando no que fará
quando se despedir dessa pessoa.
Perceber a minha resistência à água gelada me abriu para a
experiência real da água fria, e é exatamente essa a proposta de muitas formas
de meditação, abrir-se para a experiência real, direta, imediata, saindo da
condição esquizo. Nada além, nada aquém,
nada em outro lugar ou outro tempo. Tão simples e tão coerente, já que a vida
só acontece aqui e agora no exato pulsar da experiência. E a nós cabe apenas escolher entre estarmos abertos ou fechados à isso.
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