4 de jan. de 2013

Quando o passado se fez presente

                                             Eu aos 16 anos

Hoje acordei há uns 25 anos atrás. Despertei e fiquei um tempo ainda deitado e de olhos fechados, observando o que estava sentindo, parecia que estava na casa dos meus pais, em meu quarto num sábado de manhã, com uns 16 ou 17 anos. Foi mais do que uma lembrança, eu estava de fato lá. De maneira impressionante revivi muitos detalhes da rotina que tinha nessa fase da minha vida. Meus pais saiam de casa mais cedo para irem abrir a livraria e eu e meu irmão íamos depois. O quarto, a casa, as manhas, o trajeto, tudo isso muito claro, muito vivo, mas mais do que essas imagens, a sensação de estar vivendo tudo isso é tomou conta de mim. Quantos significados em hábitos banais, quantas experiências que escapam às palavras, anos depois, sem nenhum chamado, estava tudo ali novamente. Deixe essa sensação acontecer e aos poucos fui saindo deste estado e fiz minha prática matinal.

Após o café da manhã já me encontrava presente no dia de hoje e fui resolver várias coisas no centro da cidade. No caminho resolvi experimentar um pouco mais do que revivi espontaneamente ao despertar. Passei na casa de meus pais, e a partir de lá, fiz a pé o mesmo trajeto que fazia até a livraria. Gradativamente fui entrando no clima e lembranças foram brotando. A arquitetura da cidade mudou nesses anos e algumas casas surgiram e outras sumiram, assim como ruas, árvores e comércios. Faço freqüentemente esse mesmo caminho, mas não com essa percepção, e sim distraído em meus pensamentos com outras coisas.

Havia uma passagem pela estrada de ferro no fim de uma tranqüila rua de paralelepípedos, ela era cheia de arvores, larga, cercada pelos grandes muros de uma fábrica abandonada (a antiga Fite Juta). Hoje essa rua se transformou em um movimentado túnel barulhento e sem nenhuma arvore. Passar por esse trecho foi muito forte para mim, pois ao mesmo tempo em que olhava para a rua como está hoje, conseguia ver claramente a minha rua, que estava guardada por muito tempo não sei onde. As duas imagens se sobrepunham sem dificuldade e quanto mais isso acontecia, mais lembranças e sensações vinham. Não sabia que era tão marcado pela presença das arvores, pois me lembrei nitidamente de várias, que infelizmente não existem mais. Coincidentemente encontrei no caminho três antigos conhecidos, que assim como a cidade e assim como eu, também sofreram a passagem desses 25 anos. Tudo isso me tocou bastante, fui tomado por emoções que não imaginava sentir.

Dessa experiência fiquei com uma coisa, que o que de fato importa está dentro e não fora. Com isso quero dizer que aquilo que me toca é aquilo que tem significado para mim, que eu confiro valor e dou a cor para a realidade externa, e ela, sem o meu significado, não é nada para mim. Se caio de uma grande arvore, ou se pulo na frente de um trem, vou me machucar e ponto, mas o que essa arvore, ou esse trem, é e representa no jogo da minha vida só eu posso criar. A realidade não existe independente de mim e de como a desenho e esse é um fato de incríveis conseqüências, que pode nos libertar ou nos aprisionar. Qual rua é mais verdadeira, a que todos vêem ou a que trago no coração? O que me emocionou foi entrar em contato com todos estes significados, dos quais estava distante, mas que compõem minha história.

Mas que atitude ter para com todos estes conteúdos, com toda esta memória, essas emoções e estes significados? Acolhe-los carinhosamente é o máximo e o melhor que posso fazer, e após recebê-los bem, carinhosamente deixá-los ir. A bagagem não pode ser grande, não há porque carregar tudo e apegar-se é certeza de sofrimento e cisão interna. Ter um olho no hoje e um olho no passado deixa-nos vesgos, com a visão prejudicada, é uma forma de não estar presente, de não encarar e aceitar a vida no seu desenrolar aqui e agora. O consultório psicológico é basicamente movido por esse descompasso entre o ontem e o hoje, por esse nó entre o que foi, o que é e o que deveria ser. Todos os mestres e formas de yoga e meditação nos lembram de que o pior sofrimento é ter uma mente confusa e sem foco, perdida entre devaneios do passado e do futuro.  

Foi muito bom reviver uma parte do meu mundo de 16 anos, mas que bom fazer isso encima dos meus pés e pernas de 42.

4 comentários:

  1. Muito bacana esse texto. Sempre pensei que as experiencias vividas é que fariam quem sou e os diversos momentos me valem para o resto da vida. Bons ou ruins, são o tesouro intimo do Eu que levo pela vida que tenho. Poder olhar a história, as lembranças sem apego ou aprisionamento é realmente dádiva. Olhar para o tempo com o valor único de ter vivido, ter passado... faz o presente mirar um futuro bastante atraente, esperançoso e sorridente. Legal! Bjos Cris

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    1. As experiências que tivemos são uma parte valiosa de quem somos, assim como os projetos que temos para o futuro. Mas também somos algo que não está condicionado nem pelo que passou e e nem pelo que virá, algo que vive no eterno e na plena liberdade. O único detalhe é que perdemos facilmente o contato com esse algo.
      Beijão

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  2. Muito bonito!
    Parabéns.
    Ariane Michelini

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