Durante alguns anos estive bastante envolvido com teatro.
Ele, além de apaixonante, é um grande e inevitável agente transformador, tanto
que acho difícil alguém passar ileso por este contato. Há uns dez anos, nos
ensaios para a minha primeira apresentação (uma esquete de Nelson Rodrigues) tive
um momento de clareza que me abre caminhos até hoje.
Ensaiava com minha companheira uma cena chave da peça. Nesta
cena discutíamos, pois eu desconfiava que ela me traía enquanto ela negava
convicta. Já estava com as falas e as marcações bem decoradas, mas ainda faltava
algo, sentia a cena chocha, sem verdade. Depois do ensaio conversei com a
diretora sobre minha insatisfação, ela concordou e me deu um toque: como eu
podia ficar irado sem bufar? Passando a cena sozinho em casa percebi que estava
falando com raiva, gesticulando com raiva, mas não respirava com raiva. Faltava
a respiração da raiva! E quando ela veio fez muita diferença, no ensaio
seguinte cheguei a me assustar com a raiva que senti em cena. A respiração me
trouxe a emoção que faltava, a cor que não aparece apenas com fala e gesto.
Pois a raiva produz uma respiração própria, intensa, quente, assim como o
respirar assim traz um movimento interno que amplia o sentir raiva. Da mesma
forma, temos respirações diferenciadas em momentos de tranqüilidade, amor,
ansiedade, medo, euforia, tristeza... O aflorar de uma emoção é o aflorar de
uma respiração. Mas no yoga essa é uma verdade que também pode ser dita de modo
inverso: o aflorar de uma respiração é o aflorar de um estado emocional,
e isso é simples de se observar.
Observe sua respiração num momento de grande tensão e, carinhosamente,
faça-a ficar mais suave, depois veja como se sente (por sinal, é isso que muita
gente diz nessa hora: “calma, conte até 10, tome um copo de água, vai lá fora
respira um pouco de ar puro...”, alguns fumam e talvez respirem com um pouco
mais de intensidade). Essa forma eficaz de se alterar um estado emocional tem
fundamento na intima relação entre respiração e emoção, ou estado mental. Alterando
um se altera o outro. Sabendo disso, os yoguis desenvolveram algumas técnicas
de respiração, os pranayamas, que na
verdade vão bem além da respiração propriamente dita, mas que tem grande efeito
nos estados emocionais e mentais. Se você ficar alguns minutos respirando confortavelmente
e suavemente, como se sentirá? Que estado interno será aflorado? Experimente
fazer essa experiência agora mesmo.
Em meditação essa relação fica muito nítida. Na tela mental surge
um pensamento, e com ele uma imagem, e com ela um significado, e com ele uma
emoção, e com ela uma reação fisiológica, tal como o coração bater mais rápido e
a respiração bloquear. Perceber esse processo, que ocorre em frações de
segundos, é uma poderosa maneira de intervir nele, que quando não percebido,
ocorre automaticamente. Respirar é mais do que um ato involuntário e mantenedor
da vida, é também uma expressão de nosso mundo interno, é também uma via de
acesso ao mais sutil que temos em nós.
T. Krishnamacharya, mestre de B.K.S. Iyengar, entregue em pranayama
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