Em 1999 eu dava aulas de “Relações Interpessoais” no ensino
fundamental e médio. Tinha total liberdade para trabalhar o conteúdo e a
condução das aulas, em cada turma seguia um roteiro diferente e isso geralmente
era bem estimulante. A sala mais nova era a 6ª série (hoje 7º
ano) e nela havia poucos alunos.
Não me lembro exatamente o mês, era mais para o final do 2º semestre, talvez outubro, mas naqueles dias só se falava sobre o fim do mundo. Lembro
que ele estava marcado para uma quinta-feira logo de manhã, dia em que tinha
aula com a 6ª série, e é lógico que esse assunto apareceu ansiosamente nas aulas.
Na semana anterior ao apocalipse previsto, depois de ouvir os alunos e suas
versões de como seria o fim do mundo, conclui a aula dizendo que ele
aconteceria bem no horário da nossa aula, e já que iríamos para o beleléu todos
juntos, por que não fazer isso com estilo? Dei então a sugestão, brincando, de
fazermos uma festinha para a passagem final, mas com o calor das discussões
achei que eles mal ouviram minha improvável ideia.
Uma semana depois, enfim chega o dia do fim dos tempos. Fui
dar as aulas me preparando para falar mais sobre o assunto, mas ao chegar na 6ª
série me deparo com... uma festa! Eles fizeram a festa, e sozinhos! Dividiram
entre si quem levaria refrigerantes e quem levaria salgadinhos e o bolo,
levaram até um pôster de decoração. No horário da minha aula rolou a festinha
de despedida, a comemoração do fim do mundo, que de tão animada e inusitada, acabou
atraindo outros professore e alunos.
Na hora do intervalo estava pensativo e me peguei num misto
de surpresa, orgulho e felicidade. Não vou considerar agora algumas reflexões
que tive dessa experiência, e que me fazem pensar até hoje, como, por exemplo,
o peso daquilo que se fala para uma criança e um adolescente, o poder deles se
organizarem e realizarem o que querem, a possibilidade de brincar como uma coisa
séria... O que importa agora, mais uma vez, é a proximidade do fim do mundo.
Duas coisas são certas em nossa passageira vida: o mundo
acabará e não sabemos como e quando. Um dia morreremos, um dia nosso tempo se
esgotará e não poderemos postergar mais nada. Talvez a morte possa ser descrita
como a impossibilidade total de negociação. Nossa morte é o fim de nosso mundo,
independente de qualquer questão religiosa, nosso mundo, como o conhecemos e
pelo qual estamos apegados, se encerrará com nossa morte. O planeta Terra não
precisa ser destruído por guerras, cometas, catastrofes naturais, invasões de
ETs ou até pela ira divina para termos o fim. O fim do mundo está em nós, no
coração temos o “nosso” mundo, aquele que amamos, aquele que queremos preservar
a qualquer custo. É este mundo que não queremos perder, é este mundo que a
morte ameaça e é justamente este mundo que não é eterno. Terrível destino esse
que nos aguarda, que esperamos encontrar só lá na frente, na verdade não
queremos nunca encontrar, mas que sempre atingiremos.
Mas igualmente terrível é não perceber que vivemos o fim do
mundo o tempo todo, todos os dias. O que é imune ao tempo? O que permanece? O
que não muda? O que conseguimos segurar nas mãos? Ao lembrar-me dessa festinha
de fim de mundo com meus alunos, penso que também já fui criança, adolescente e
que dela doze anos se passaram. O mundo acaba todos os dias e, maravilhosamente,
o mundo se renova todos os dias. Podemos seguir junto, recriando-o, ou ficarmos
no caminho, habitando um mundo que já não existe mais. Podemos investir na
fantasia de sermos imortais e preservar nosso mundo, ou podemos nos entregar à
morte cotidiana e vivermos a criação todos os dias. E que não confundamos o fim
do mundo com um filme de Hollywood, com eventos externos, com profecias terríveis,
mas que ele aconteça em nosso coração todos os dias, e se possível num clima pleno
de vida, tal como numa festinha espontânea de 6ª série.
Bom dia, Marcos!!!!
ResponderExcluirConcordo plenamente com você. Nascemos e morremos todos os dias. O milagre é diário, não precisamos de previsões, precisamos de amor e otimismo para aprender com as dificuldades e realizar nossa missão aqui neste mundo. Um abraço, até amanhã.
Bom dia Tuda,
Excluir...e que possamos reconhecer esse milagre, sempre!
Abração