Acordei bem cedo, fiz uma deliciosa prática de pranayama (respirações)
e meditação e fui dar aula. De bicicleta vejo melhor o despertar do dia e da
cidade: o sol começando a esquentar, pessoas indo trabalharem, caminhantes
determinados, escolares, atrasados, o ponto de ônibus cheio, feirantes montando
suas barracas, moradores de rua ainda dormindo, e bêbados. Sempre vejo alguns deles
reunidos próximo ao mercado, mas nesse dia cruzei com um na faixa de pedestres.
Trocamos um rápido olhar e seguimos nosso rumo. Logo cedo, nós dois, cada qual
a seu modo e cada um em seu universo, estávamos alterados na rua.
Esse encontro de olhares alterados me fez pensar por todo
percurso até a academia. O que tínhamos em comum? O que nos diferenciava? O que
eu tinha de diferente daquele sujeito bêbado? Pensando bem encontrei poucas
diferenças: nós dois estamos vivos e, mais cedo ou mais tarde, vamos morrer,
nós dois queremos um lugar na sociedade, queremos amor e temos medos, temos
nossos valores e nossas duvidas, nós dois precisamos comer, dormir, evacuar,
nós dois somos homens e estávamos ali naquela rua, naquele momento. Porém,
estamos em posições bem diferentes no jogo social, tenho mais recursos e opções,
parece que sou mais alguém do que ele, pois sou professor e psicólogo e ele é
um anônimo bêbado, ou um “beudo” de rua, como se diz aqui em Taubaté. Mas
pensei mesmo em outra diferença, menos evidente, menos social e econômica,
pensei na diferença de escolhas que fizemos sobre como iríamos alterar nosso
estado de consciência.
Nós dois, talvez por motivos diferentes, não nos contentamos
em ficar “normais”, fomos atrás de um algo mais, buscamos ir um pouco além. Fomos
atrás de caminhos muito antigos, ele do álcool e eu do yoga. Ele bebe e eu
pratico, dois descontentes, e tanto a bebida como a prática interferem em nossas
vidas. Caminhos que tem em comum alterar a consciência cotidiana, transformar a
percepção do mundo e de nós mesmos, mas que levam a lugares mais do que
distintos, radicalmente opostos. Nós dois alterados ali na rua, bem cedo, cada
qual a seu modo. Bem, não sei quanto à bebida dele, mas minha prática levou-me
ao céu.
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