12 de out. de 2014

O ronco do morto


Após uma prática regular de asanas (posturas) temos sempre como postura final o shavasana. O termo shavasana pode ser traduzido com postura do cadáver, pois nela ficamos deitados imóveis tal como um morto. Nela todos nossos processos fisiológicos reduzem-se bastante, algo como estar em sono profundo, com o detalhe de se estar acordado.

O detalhe de se estar acordado durante o shavasana é o seu grande diferencial do sono profundo, pois neste a consciência não está presente. Estar presente enquanto se percebe o próprio corpo aquietando-se, descontraindo-se é algo que pouca vezes experimentamos. É como se todo o corpo fosse se apagando aos poucos e ficasse apenas uma suave luz acessa: a da consciência. Esse é o objetivo da postura do morto, que na verdade não é um morto tão morto assim. Essa postura tem como essência a atitude consciente de entregar-se e de abandonar-se totalmente, e cai muito bem após a prática de posturas que pedem ações, intenções e empenho.

Porém há um "erro" no shavasana do qual tenho muito prazer. Trata-se de um erro que produz um som que considero como o canto triunfante da entrega e do abandono, um sinal de que a resistência cedeu. Refiro-me ao dormir e ao ressonar. Alguém ressonando é alguém sem mente, é alguém que deixou o corpo fazer o que era necessário. Alguém baixou a guarda e seu corpo canta feliz ressonado. Ali não há mais alguém. 

Geralmente os alunos que apagam são aqueles mais agitados mentalmente, e o que acho mais incrível e que fazem isso em segundos. Alguns instantes após um pequeno movimento de acomodação do corpo pode-se ver o queixo relaxar, a boca se abrir ou então a cabeça cair levemente de lado. Pronto, já era, mais um morto. Essa morte durará pouco tempo, mas será o bastante para dar ao corpo o descanso que faltava. 

Considero esse momento muito especial, mesmo sabendo não ser o ideal do shavasana. Nessa hora sinto-me em um dojo, onde vários golpes certeiros foram dados e diante dos quais não se teve outra alternativa a não ser render-se ao chão. 

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