Durante muitos anos, sempre que estava na praia, dava um
jeito de ir caminhar pelas pedras. Gostava de fazer isso sozinho, escalando e
me movimentando pela encosta, sem pressa e sem saber exatamente até onde conseguiria ir. Só parava quando não era mais possível continuar, ou quando encontrava um local onde pudesse me sentar confortavelmente e ali ficar por um bom tempo.
Quase sempre fazia ali alguma prática e depois deixavas as coisas acontecerem.
Certa vez estava sentado de frente para o mar aberto, mar
verde, imenso. No céu azul só o sol e algumas aves. Em volta de mim pedras, quentes, árvores
e uma sombra acolhedora. Na minha frente, lá longe, a linha do horizonte levemente arredondada, e bem
perto de mim, ondas quebrando com estrondo e espuma, indo e vindo, além de muitas pedras,
grandes, imóveis, resistentes. Eu estava ali, um espectador de camarote, apreciando e me sentindo integrado à todas essas cenas belas e simultâneas. Tudo
acontecendo por si só, eu querendo ou não, eu estando ali ou não. Perceber isso
era muito bom, agradável, me deixava mais quieto, aberto e contemplativo. Há quanto tempo essa paisagem já não estava ali? Há quantas eras não era exatamente assim, independente de mim, de qualquer pessoa ou de toda humanidade?
E assim continuei ali, deixando as coisas
acontecerem e absorvido pelo mar. E então, na linha do meu olhar, uma arraia
salta. Preta e branca, grande, num voo rápido totalmente fora da água... uma imagem surreal, sem tempo para qualquer preparo.. já foi!
Depois de seu mergulho até tentei prever onde ela poderia saltar novamente, mas
naquela vastidão de mar, sem chance. Na verdade, o possível segundo salto já não tinha importância
frente à experiência impactante do primeiro.
Logo pensei: “poxa, que sorte a minha estar olhando justamente naquela momento para onde ela saltou!”. Mas o que senti mesmo, e sinto até
hoje, é que não foi sorte, nem acaso, nem coincidência, nem sincronicidade, nem
nada de especial. Sinto mesmo é prazer de poder dizer que “eu estava lá!”. Só isso.
Estava lá, presente, e por isso pude ser testemunha, não apenas do inusitado salto da arraia,
mas de todo o resto, comum e maravilhoso, que acontecia do meu lado, na minha
frente, encima, atrás e dentro de mim. Naquele momento eu estava lá e não em outro
lugar. Não estava pensando em outras coisas, digamos, mais importantes, não
estava mergulhado em meu mundo interno, nem refém das minhas memórias ou de meus planos, ou ainda ocupado em ouvir minhas vozes cheias de razão sobre isso e aquilo e tudo o mais.
A lembrança dessa experiência já me deixou algumas vezes num misto de prazer e angústia ao levantar uma pergunta meio incômoda: e nesses mais de vinte e cinco anos que se passaram depois do salto da
arraia, em quantos momentos posso dizer que “estava lá”? Onde estava eu ao longo desse percurso? Quantas arraias deixei de ver?
Esse questionamento me serviu como uma fértil provocação, me deixou mais atento, e nesse sentido foi bem positivo, mas na verdade é uma falsa questão. As arraias que não vi não tem mais nenhuma importância, já estão em outros mares! Mais do que isso, esse questionamento é em si uma tentadora cilada para que novas arraias não sejam vistas, tendo em conta que estarei confabulando e especulando sobre as que não vi. Deixemos então que as arraias nadem e saltem em paz, onde e quando quiserem.
O que importa de fato é que a força do "sim, eu estava lá!" seja atualizada e mantida com um "Sim, eu estou aqui!"
Marcos Taschetto
Reflexão.
ResponderExcluirAriane Michelini
Flexão
ExcluirRe flexão
Ação!