28 de dez. de 2012

Um abraço da Amma


Fim de ano é época de desejar felicidade, sucesso, paz, amor, prosperidade, saúde.... Estamos encerrando um ciclo e começando outro, coisa que acontece o tempo todo em nossa vida, mas que agora ganha mais evidência e força. Que tenhamos mais atenção e cuidado com este momento, que a semente para o próximo ano seja forte e valiosa. O exemplo de mestres realizados pode ser um bom farol, uma boa referência da direção a seguir.



Amma, a Grande Mãe como é conhecida, é uma santa viva da Índia, um guru e um ser humano extraordinário. Sua história é a de uma menina pouco convencional que sempre esteve absorta em adoração a Deus. Dessa menina brotou uma mulher com força e energia (shakti) impressionantes. Amma é uma fonte inesgotável de shakti, e expressa isso de maneiras muito intensas como líder espiritual e como líder humanitária. Como guia espiritual Amma realiza grandes encontros com muitas pessoas, onde concede darshan (graça de estar junto com um mestre) cantando bhajans (mantras) e meditando. Esses encontros são marcados por um gesto peculiar de Amma, um abraço, pois ela abraça todos os participantes, um a um, e já ficou mais de vinte horas abraçando interruptamente. Além de ela não se esgotar, quem recebe seu abraço fica profundamente tocado e emocionado, basta observar as expressões dos abraçados/amados por ela. Mas sua força também é imensa como líder social e humanitária, pois ela é a fundadora da maior ONG do planeta, a Fundação Mata Amritanandamayi Math, reconhecida pela ONU e que integra uma enorme rede de atendimento com escolas, universidades, creches, asilos, hospitais, clínicas, farmácias e outras serviços para os menos favorecidos.

Amma oferece e acolhe tudo e a todos num grande abraço, não faz distinção entre espiritualidade e mundo social, entre contemplação e ação, entre quem é isso ou aquilo, apenas abraça calorosamente, e seu abraço tem poder transformador. Jay Amma!!

Que essa força conciliadora do abraço de Amma guie nossos passos durante o próximo ano e que todos possamos abraçar, e sermos abraçados, com a mesma verdade que ela aponta.



                                             Assista aos abraços

16 de dez. de 2012

O fim do mundo nosso de cada dia


Em 1999 eu dava aulas de “Relações Interpessoais” no ensino fundamental e médio. Tinha total liberdade para trabalhar o conteúdo e a condução das aulas, em cada turma seguia um roteiro diferente e isso geralmente era bem estimulante. A sala mais nova era a 6ª série (hoje 7º ano) e nela havia poucos alunos.

Não me lembro exatamente o mês, era mais para o final do 2º semestre, talvez outubro, mas naqueles dias só se falava sobre o fim do mundo. Lembro que ele estava marcado para uma quinta-feira logo de manhã, dia em que tinha aula com a 6ª série, e é lógico que esse assunto apareceu ansiosamente nas aulas. Na semana anterior ao apocalipse previsto, depois de ouvir os alunos e suas versões de como seria o fim do mundo, conclui a aula dizendo que ele aconteceria bem no horário da nossa aula, e já que iríamos para o beleléu todos juntos, por que não fazer isso com estilo? Dei então a sugestão, brincando, de fazermos uma festinha para a passagem final, mas com o calor das discussões achei que eles mal ouviram minha improvável ideia.

Uma semana depois, enfim chega o dia do fim dos tempos. Fui dar as aulas me preparando para falar mais sobre o assunto, mas ao chegar na 6ª série me deparo com... uma festa! Eles fizeram a festa, e sozinhos! Dividiram entre si quem levaria refrigerantes e quem levaria salgadinhos e o bolo, levaram até um pôster de decoração. No horário da minha aula rolou a festinha de despedida, a comemoração do fim do mundo, que de tão animada e inusitada, acabou atraindo outros professore e alunos.

Na hora do intervalo estava pensativo e me peguei num misto de surpresa, orgulho e felicidade. Não vou considerar agora algumas reflexões que tive dessa experiência, e que me fazem pensar até hoje, como, por exemplo, o peso daquilo que se fala para uma criança e um adolescente, o poder deles se organizarem e realizarem o que querem, a possibilidade de brincar como uma coisa séria... O que importa agora, mais uma vez, é a proximidade do fim do mundo.

Duas coisas são certas em nossa passageira vida: o mundo acabará e não sabemos como e quando. Um dia morreremos, um dia nosso tempo se esgotará e não poderemos postergar mais nada. Talvez a morte possa ser descrita como a impossibilidade total de negociação. Nossa morte é o fim de nosso mundo, independente de qualquer questão religiosa, nosso mundo, como o conhecemos e pelo qual estamos apegados, se encerrará com nossa morte. O planeta Terra não precisa ser destruído por guerras, cometas, catastrofes naturais, invasões de ETs ou até pela ira divina para termos o fim. O fim do mundo está em nós, no coração temos o “nosso” mundo, aquele que amamos, aquele que queremos preservar a qualquer custo. É este mundo que não queremos perder, é este mundo que a morte ameaça e é justamente este mundo que não é eterno. Terrível destino esse que nos aguarda, que esperamos encontrar só lá na frente, na verdade não queremos nunca encontrar, mas que sempre atingiremos.

Mas igualmente terrível é não perceber que vivemos o fim do mundo o tempo todo, todos os dias. O que é imune ao tempo? O que permanece? O que não muda? O que conseguimos segurar nas mãos? Ao lembrar-me dessa festinha de fim de mundo com meus alunos, penso que também já fui criança, adolescente e que dela doze anos se passaram. O mundo acaba todos os dias e, maravilhosamente, o mundo se renova todos os dias. Podemos seguir junto, recriando-o, ou ficarmos no caminho, habitando um mundo que já não existe mais. Podemos investir na fantasia de sermos imortais e preservar nosso mundo, ou podemos nos entregar à morte cotidiana e vivermos a criação todos os dias. E que não confundamos o fim do mundo com um filme de Hollywood, com eventos externos, com profecias terríveis, mas que ele aconteça em nosso coração todos os dias, e se possível num clima pleno de vida, tal como numa festinha espontânea de 6ª série.  


8 de dez. de 2012

Respirar e sentir, sentir e respirar


Durante alguns anos estive bastante envolvido com teatro. Ele, além de apaixonante, é um grande e inevitável agente transformador, tanto que acho difícil alguém passar ileso por este contato. Há uns dez anos, nos ensaios para a minha primeira apresentação (uma esquete de Nelson Rodrigues) tive um momento de clareza que me abre caminhos até hoje.

Ensaiava com minha companheira uma cena chave da peça. Nesta cena discutíamos, pois eu desconfiava que ela me traía enquanto ela negava convicta. Já estava com as falas e as marcações bem decoradas, mas ainda faltava algo, sentia a cena chocha, sem verdade. Depois do ensaio conversei com a diretora sobre minha insatisfação, ela concordou e me deu um toque: como eu podia ficar irado sem bufar? Passando a cena sozinho em casa percebi que estava falando com raiva, gesticulando com raiva, mas não respirava com raiva. Faltava a respiração da raiva! E quando ela veio fez muita diferença, no ensaio seguinte cheguei a me assustar com a raiva que senti em cena. A respiração me trouxe a emoção que faltava, a cor que não aparece apenas com fala e gesto. Pois a raiva produz uma respiração própria, intensa, quente, assim como o respirar assim traz um movimento interno que amplia o sentir raiva. Da mesma forma, temos respirações diferenciadas em momentos de tranqüilidade, amor, ansiedade, medo, euforia, tristeza... O aflorar de uma emoção é o aflorar de uma respiração. Mas no yoga essa é uma verdade que também pode ser dita de modo inverso: o aflorar de uma respiração é o aflorar de um estado emocional, e isso é simples de se observar.

Observe sua respiração num momento de grande tensão e, carinhosamente, faça-a ficar mais suave, depois veja como se sente (por sinal, é isso que muita gente diz nessa hora: “calma, conte até 10, tome um copo de água, vai lá fora respira um pouco de ar puro...”, alguns fumam e talvez respirem com um pouco mais de intensidade). Essa forma eficaz de se alterar um estado emocional tem fundamento na intima relação entre respiração e emoção, ou estado mental. Alterando um se altera o outro. Sabendo disso, os yoguis desenvolveram algumas técnicas de respiração, os pranayamas, que na verdade vão bem além da respiração propriamente dita, mas que tem grande efeito nos estados emocionais e mentais. Se você ficar alguns minutos respirando confortavelmente e suavemente, como se sentirá? Que estado interno será aflorado? Experimente fazer essa experiência agora mesmo.

Em meditação essa relação fica muito nítida. Na tela mental surge um pensamento, e com ele uma imagem, e com ela um significado, e com ele uma emoção, e com ela uma reação fisiológica, tal como o coração bater mais rápido e a respiração bloquear. Perceber esse processo, que ocorre em frações de segundos, é uma poderosa maneira de intervir nele, que quando não percebido, ocorre automaticamente. Respirar é mais do que um ato involuntário e mantenedor da vida, é também uma expressão de nosso mundo interno, é também uma via de acesso ao mais sutil que temos em nós.

T. Krishnamacharya, mestre de B.K.S. Iyengar, entregue em pranayama