Há alguns anos, talvez uns dez,
recebi um adolescente para psicoterapia. Ele era grandalhão e introspectivo e
tinha uma expressão que mesclava tristeza, amorosidade e curiosidade. Após
algumas sessões, que me pareceram pouco produtivas, me vi no meio de uma sessão
especialmente difícil, onde ele praticamente nada falou. Seu silêncio foi me
deixando bastante desconfortável e quando me dei conta estava pressionando-o
com inúmeras e insistentes perguntas, numa vã tentativa de achar qualquer gancho
para uma conversa. Para cada pergunta minha uma resposta monossilábica dele.
Minha fala era puramente especulativa, interrogatória na verdade, e buscava descobrir
uma lógica para explicar alguns de seus comportamentos. Imagino que devo ter
sido uma companhia bem inconveniente para ele naquele momento. Ao perceber que
meu ataque “terapêutico” só contribuía para afastar qualquer possibilidade de
diálogo e aproximação com ele, desisti de tentar qualquer coisa e também fiquei
em silêncio. Porém meu silêncio era de um perdedor, de quem foi incapaz de dar conta
de sua tarefa. Ficamos alguns minutos assim, ele no seu mundo e eu no meu, até
que o gancho e a abertura para um verdadeiro diálogo surgiu.
Minha sala tinha uma janela
para o quintal com algumas árvores que sempre recebiam a visita de passarinhos.
Enquanto estávamos em silêncio percebi o momento em que seus olhos
ascenderam-se quando ele avistou algo lá. Era um sanhaço. E assim a mágica se
deu! Ele amava animais, em especial pássaros, e após ver o sanhaço começou a me
contar um pouco do que sabia sobre eles e das muitas experiências que teve com
animais na roça da família. Ele se abriu sem o menor esforço ao me falar do que mais amava. Era quase inacreditável que estávamos ainda na mesma sessão. Nas sessões
posteriores trabalhamos vários conteúdos que ele trouxe espontaneamente e
continuamos por mais uns três meses. Paramos nas férias e depois não tive mais
contato com ele. Um ano depois recebi uma mãe querendo psicoterapia para o
filho, ela me procurou por ter percebido uma grande mudança no filho de sua
amiga, o adolescente do sanhaço.
Essa sessão me marcou bastante e eu ainda hoje me emociono ao me lembrar da pulsação de vida e abertura do meu paciente após a visita do sanhaço. A partir dela fiz algumas reflexões que me trouxeram esclarecimentos que considero bastante importantes, entre eles:
- o valor da capacidade de silenciar, escutar e esperar o tempo do outro ou da situação se desenvolver;
- reconhecer que posso facilmente atropelar o outro com minha ansiedade, minhas necessidades e especulações mentais sobre como as coisas deveriam ser;
- a existência de muitos iniciadores e muitas variáveis, sendo várias consideradas improváveis, envolvidas no processo de transformação das pessoas;
- reconhecer que nunca sei ou saberei exatamente o potencial que o outro traz dentro de si, podendo na melhor das hipóteses fazer apenas uma ideia sobre;
- o que entendo como desistência, fim, fracasso ou perda pode ser na verdade o começo para algo que não estava nos meus planos;
- muito dos importantes aspectos da transformação do outro, e da minha própria transformação pessoal, não dependem do meu esforço e da minha intenção, mas da minha abertura e apoio.
Esses esclarecimentos se relacionam não apenas com o contexto da psicoterapia, mas associam-se diretamente com o desenrolar de nossas experiências e relações na vida cotidiana. Mais ainda, relacionam-se intimamente com a prática da meditação e os princípios do Yoga, ao evidenciar a grande participação e influência que nossas imagens, padrões e conclusões mentais exercem sobre todas as nossas atitudes, incluindo as envolvidas na comunicação e contato com os outros. Assim, é válido afirmar que a prática de meditação e Yoga contribuem em muito para melhorar, ampliar e aprofundar o potencial de comunicação com nosso mundo interno e com todos aqueles com quem nos relacionamos.
Foi considerando a riqueza e
importância dessa relação entre a prática da meditação e a comunicação humana que elaborei
o workshop “Aprimorando a comunicação – uma ponte com a meditação”. Nele exploraremos, de forma direta e vivencial, um pouco da capacidade de nos comunicar com o outro e com nosso próprio mundo interno pela perspectiva inclusiva e aberta da meditação.