Uma amiga me perguntou por que fui
levemente irônico no final do texto anterior (A benção de ser sem noção), quando
disse que haviam muitas formas de transcendermos nossa noção de eu, e que isso
podia ocorrer “até” praticando Yoga e meditação. “Mas não é essa exatamente a
proposta e o objetivo do Yoga e da meditação? O que quis
dizer então com essa insinuação de que a transcendência pode não ocorrer justamente nessas
práticas?", ela me perguntou.
Yoga e meditação possuem essa intenção, a de que
larguemos a bagagem e vivenciemos o ir para além daquilo e de quem imaginamos
ser. E o Yoga faz essa proposta de forma radical e profunda, ou seja, isso precisa ser vivenciado em primeira pessoa, na pele e no coração de quem procura. Yoga
é um caminho para se trilhar com as próprias pernas e pés, não é uma trilha
virtual, mental, conceitual. Imagine em qual situação o prazer é mais pleno,
em se ficar pensando em como a água do mar deve estar boa ou em pular e nadar
no mar? Praticar Yoga e meditação é o próprio ato de pular no mar, sem
restrições. As especulações sobre isso são só conjecturas mentais e não têm nenhum
valor no largar a bagagem.
Sendo coerente com essa proposta, o Yoga é um caminho
essencialmente prático e nos oferece um amplo arsenal de técnicas para pularmos no mar. Há mestres, linguagem e técnicas
para todo e qualquer perfil de praticante. Toda a diversidade humana é contemplada
no Yoga. Em todas essas propostas a técnica ocupa um lugar especial, assim
como o mestre, pois ela é a ferramenta concreta que permite a transformação.
Técnica é o modo ou o como fazer algo, e isso deve ser dominado, repetido e aprimorado
pelo praticante. Uma das técnicas mais populares e praticadas do Yoga são os
asanas, as posturas. Cada uma dessas posturas está associada há muitos detalhes para sua realização. Esses detalhes são na verdade ações que devem ser realizadas em diferentes níveis, quer seja muscular, de alinhamento, respiratório ou de atitude mentai. Algumas dessas ações musculares são bem específicas e que quanto feitas, garantem o
alinhamento e a abertura segura do corpo. Todos esses detalhes são importantes e quando somados e integrados, fazem uma enorme diferença na qualidade e
profundidade de nossa prática.
O mesmo vale para a meditação, pois para experimentá-la, pelo menos inicialmente, não basta sentar e fechar os olhos. A técnica é aqui ainda mais valiosa, pois sem ela, rápida e facilmente nos perderíamos em nossos eternos devaneios, ficando assim longe da atitude meditativa. Assim como no caso dos asanas, incontáveis são as técnicas disponíveis para a meditação.
Mas todas essas ações são detalhes técnicos, que por mais valiosos que
sejam, não passam de saber técnico, de um jeito de se fazer uma coisa. E aqui o exemplo da arte é bem pertinente. Como faço para aprender a tocar violão? Vejo o exemplo de alguém tocando, pego o violão e começo a dedilhar, mas, há não ser que eu tenha um talento excepcional, isso talvez não seja suficiente. A técnica se faz então necessária, ela preencherá esse espaço vazio e facilitará muito a aprendizagem. Então, após algum tempo de prática, já domino o violão, as notas, os acordes, os ritmos, as melodias, sei até ler partitura, e essa condição me diz que sei tocar, que posso até ensinar essas técnicas para outra pessoa. Mas talvez minha música não seja ainda arte, talvez ela não toque e emocione a ninguém. Falta ainda aquilo que está para além da técnica, que apenas o jeito certo não é capaz de produzir e expressar. Falta o ir além da técnica, falta esquecer a técnica e deixar-se ir pela música. A técnica é um caminho para a arte, não um fim em si.
Podemos ficar fascinados pela técnica, pelo jeito certo de fazer os asanas/posturas e a meditação, assim como de tocar a música, de cozinhar, de vestir, de pensar, de transar, de conduzir a vida. Podemos confundir a técnica com a Vida, o dedo com a lua. Podemos ficar anos praticando asanas e perseguindo cada vez mais detalhes, mais aprimoramento, mais perfeição, mais dificuldade, mais e mais, mas se não abrirmos espaço para a entrega e aquietamento, não teremos em momento algum vivenciado o Yoga. Podemos ficar anos repetindo um mantra e ou contando a respiração, mas se não abrirmos espaço para a entrega e aquietamento teremos apenas sido bons fazedores de tarefa, apenas bons técnicos, sem clareza e transformação, sem meditação.
Um mestre é alguém que dominou uma técnica, mas muito mais do isso,
ele a transcendeu, foi além dela, avistou aquilo para o que ela aponta, não está
mais preso nela.
Marcos Taschetto
Marcos Taschetto