Em alguns asanas (posturas) às vezes sinto um coisa meio
estranha. Não é bem uma dor, nem falta de alongamento ou força, é mais mesmo
uma estranheza, uma coisa meio sem jeito. O corpo não sabe direito o que e como
fazer para manter a postura, e parece pedir para sair dela o mais rápido
possível. A vontade é de fazer algo fácil, gostoso, uma postura na qual tenha
habilidade e bom desempenho. Esse desconforto no asana quase sempre indica que
estou entrando em território desconhecido, estranho, pouco familiar, uma trilha
pouco percorrida em meu próprio corpo. Às vezes, na meditação, percebo algumas
coisas também estranhas, alguns estados internos não muito comuns e pouco
claros para mim. Às vezes, na psicoterapia, encontro em mim algumas emoções e conteúdos
internos dos quais não fazia ideia de que podiam existir. Às vezes parece até
que eu não sou eu, me estranho. Sinto isso em alguns sonhos, em algumas experiências
cotidianas, em algumas surpresas, em algumas histórias... Não raro sou surpreendido por vivências
que me deixam sem ação, sem reação. É assim, às vezes, inesperadamente, me deparo
com algo estranho.
O estranho é o oposto do familiar. O familiar nós reconhecemos
de longe, dele temos as artimanhas em como lidar, pois já o vimos várias vezes,
achamos até que já sabemos tudo sobre ele. Do familiar a gente reclama, mas
tudo bem, quando precisamos sabemos direitinho o que fazer e em qual gaveta
enfiá-lo. Mas o estranho... o que fazer com ele? É possível mastigá-lo e
digeri-lo? Ou é melhor cuspi-lo? Talvez fosse mais agradável divertir-se um
pouco mais com o mesmo do familiar, mas eis que uma pedra aparece no caminho e,
de repente, pisamos no algo estranho. Ou descobrimos o estranho em nós, dentro
de nós, e dele nunca sabemos muito.
Yoga, meditação e psicoterapia, assim como as artes, são
caminhos que nos levam, uma hora ou outra, ao encontro direto com o estranho.
Exatamente para aquele lugar estranho onde não sabemos como caminhar, para
aquele mesmo lugar do qual já desviamos outras tantas vezes. A coisa estranha é
interessante, pois se viro as costas para ela, ou lhe fecho os olhos, ela não
some, fazendo isso apenas diminuo a minha sensação de estranheza, mas ela continua lá,
estranhamente estranha, indiferente ao meu desvio.
Estranho é o não familiar, é o mundo fora do meu território,
é o estrangeiro, é aquele que é de outras terras, o que está longe da luz do
quintal. O que há no estranho que o faz estranho? Nunca podemos saber
antecipadamente, mas é certo que, lá, no estranho, não há a luz da consciência,
lá não nos reconhecemos. Lá, no estranho, vemos sombras disformes e escuridão. Yoga, meditação e psicoterapia são, antes de
qualquer coisa, caminhos para e da consciência, que através do contato com o estranho pode se
ampliar infinitamente. Uma árvore depende totalmente da profundidade de suas
raízes no escuro da terra para que seus galhos possam ir alto buscar o céu. Assim
somos também, precisamos do estranho em nós, daquilo que não nós é claro, do
que não sabemos, não dominamos , não planejamos e ainda não enfrentamos. Desses
vários estranhos podemos tirar alimento e ampliarmos quem achamos que somos. Do
encontro e do diálogo com esse estranho em nós podemos ser mais inteiros, humanos,
honestos e simples.