14 de set. de 2013

Para ler e praticar



Fundamento e técnica do Hatha Yoga, Antonio Blay, Edições Loyola. Dias atrás dei uma relida neste livro e foi como voltar no tempo, pois este foi o primeiro livro de yoga que eu estudei e que utilizei como guia prático, pois era o indicado pela minha professora D. Isabel. Antonio Blay foi um psicólogo espanhol, falecido em 1985, que escreveu muitos livros sobre psicologia, yoga e realização humana. Neste ele explana sobre os fundamentos filosóficos e práticos do hatha yoga, e faz isso com muita profundidade e amplidão. Ensina vários asanas e pranayamas, além de estender-se sobre o shavasana e o relaxamento, mas não é na descrição das técnicas que o livro destaca-se, pois seu maior mérito são as considerações sobre a aplicação e a vivência dessas técnicas na vida, como por exemplo no excelente trecho onde fala sobre a atenção. Yoga é uma filosofia e Blay deixa isso claro em todo o livro, não restringindo-se a descrições de técnicas, mas contextualizando-as dentro de uma postura de vida mais humana e significativa. 
Ao relê-lo acabei fazendo uma rápida comparação com os manuais mais atuais, e não pude deixar de sentir a grande distância entre as propostas do yoga filosofia e do yoga bem estar. Leitura altamente recomendável. 

1 de set. de 2013

O estranho em mim



Em alguns asanas (posturas) às vezes sinto um coisa meio estranha. Não é bem uma dor, nem falta de alongamento ou força, é mais mesmo uma estranheza, uma coisa meio sem jeito. O corpo não sabe direito o que e como fazer para manter a postura, e parece pedir para sair dela o mais rápido possível. A vontade é de fazer algo fácil, gostoso, uma postura na qual tenha habilidade e bom desempenho. Esse desconforto no asana quase sempre indica que estou entrando em território desconhecido, estranho, pouco familiar, uma trilha pouco percorrida em meu próprio corpo. Às vezes, na meditação, percebo algumas coisas também estranhas, alguns estados internos não muito comuns e pouco claros para mim. Às vezes, na psicoterapia, encontro em mim algumas emoções e conteúdos internos dos quais não fazia ideia de que podiam existir. Às vezes parece até que eu não sou eu, me estranho. Sinto isso em alguns sonhos, em algumas experiências cotidianas, em algumas surpresas, em algumas histórias... Não raro sou surpreendido por vivências que me deixam sem ação, sem reação. É assim, às vezes, inesperadamente, me deparo com algo estranho.

O estranho é o oposto do familiar. O familiar nós reconhecemos de longe, dele temos as artimanhas em como lidar, pois já o vimos várias vezes, achamos até que já sabemos tudo sobre ele. Do familiar a gente reclama, mas tudo bem, quando precisamos sabemos direitinho o que fazer e em qual gaveta enfiá-lo. Mas o estranho... o que fazer com ele? É possível mastigá-lo e digeri-lo? Ou é melhor cuspi-lo? Talvez fosse mais agradável divertir-se um pouco mais com o mesmo do familiar, mas eis que uma pedra aparece no caminho e, de repente, pisamos no algo estranho. Ou descobrimos o estranho em nós, dentro de nós, e dele nunca sabemos muito.  

Yoga, meditação e psicoterapia, assim como as artes, são caminhos que nos levam, uma hora ou outra, ao encontro direto com o estranho. Exatamente para aquele lugar estranho onde não sabemos como caminhar, para aquele mesmo lugar do qual já desviamos outras tantas vezes. A coisa estranha é interessante, pois se viro as costas para ela, ou lhe fecho os olhos, ela não some, fazendo isso apenas diminuo a minha sensação de estranheza, mas ela continua lá, estranhamente estranha, indiferente ao meu desvio.

Estranho é o não familiar, é o mundo fora do meu território, é o estrangeiro, é aquele que é de outras terras, o que está longe da luz do quintal. O que há no estranho que o faz estranho? Nunca podemos saber antecipadamente, mas é certo que, lá, no estranho, não há a luz da consciência, lá não nos reconhecemos. Lá, no estranho, vemos sombras disformes e escuridão. Yoga, meditação e psicoterapia são, antes de qualquer coisa, caminhos para e da consciência, que através do contato com o estranho pode se ampliar infinitamente. Uma árvore depende totalmente da profundidade de suas raízes no escuro da terra para que seus galhos possam ir alto buscar o céu. Assim somos também, precisamos do estranho em nós, daquilo que não nós é claro, do que não sabemos, não dominamos , não planejamos e ainda não enfrentamos. Desses vários estranhos podemos tirar alimento e ampliarmos quem achamos que somos. Do encontro e do diálogo com esse estranho em nós podemos ser mais inteiros, humanos, honestos e simples.