14 de jun. de 2013

No congestionamento da comodidade.



Meu principal meio de transporte é a bicicleta. Procuro usar o carro apenas em situações especiais, tais como em dias de chuva, fazer compras, percorrer grandes distâncias ou quando há mais pessoas envolvidas. Já tenho meus trajetos e rapidamente faço o caminho, tanto para o consultório como para os locais onde dou aulas e para a escola da minha filha. O tempo de bicicleta é no mínimo igual ao do carro, e geralmente mais rápido, sem contar as inúmeras outras vantagens que todos já sabem bem. Num próximo texto vou escrever sobre o andar de bicicleta e a prática de yoga, mas hoje quero falar da comodidade e de disciplina.

Nas quintas feiras dou aula às 9h, mas antes dela levo minha filha na escola, faço a minha prática e tomo o café da manhã. Ontem, depois dessas atividades e antes de sair para a aula, parei um pouquinho e fiquei pensando nos atendimentos da tarde e da noite que teria pela frente, observei também como a manhã estava nublada e quase fria e... de repente... fui tomado por uma preguiça! Ir de bicicleta, agora? Ah, deixa para lá, vou de carro. E fui, e quando me dei conta, lá estava eu preso no meio de um congestionamento, cercado de outros carros, ônibus e caminhões. Resultado: cheguei uns 20 minutos atrasados na aula.

Mas o engarrafamento me foi muito proveitoso, pois nele acabei pensando em algumas coisas sobre a disciplina. Por que resolvi ir de carro? Por comodidade, pura e simples. E isso é errado? Lógico que não, mas pensando bem, e sendo um pouco mais atento, parece que a comodidade tornou-se um ideal bastante valorizado. Quantas propagandas de condomínios, de carros, de shoppings, de produtos e de serviços não usam esse argumento como isca? Talvez tudo possa ser mais vendido se trouxer comodidade, ou se pelo menos gerar a sensação de se estar ganhando comodidade, afinal ninguém quer passar por menos esperto e ficar se esforçando e se preocupando com detalhes desnecessários, queremos ter tempo livre para aproveitar a vida. Queremos todos ter prazer e desfrute, e de preferência que ele venha rápido, fácil e gratuito. Comodidade é então, quase sempre, aquilo que facilita, permite ou estende o prazer imediato. Nesse sentido comodidade é o oposto de disciplina. Não que a disciplina seja martírio, sofrimento, punição ou coisa do tipo, mas ela não considera nossos pequenos e constantes pedidos de comodidade. Disciplina é aquilo que permanece, é aquilo que, apesar das oscilações e variações do meio, se mantém de pé ao longo do tempo. No dicionário o termo disciplina está relacionado à submissão (um verdadeiro palavrão, pois quem quer se submeter a alguma coisa?) e comodidade ao conforto e a vantagem (acho que nem é preciso dizer nada).

Na busca do prazer pela comodidade, que facilmente gera acomodação, pode não haver espaço para a disciplina, mas ao mesmo tempo e quase ironicamente, o cultivo da disciplina produz flores e frutos que trazem grande prazer e satisfação. Uma significativa diferença é que a disciplina produz prazer em longo prazo, como resultado do empenho e do comprometimento contínuos. Não há atalhos, nem nada de gratuito, mágico ou comprável, há apenas a sustentação do compromisso assumido consigo mesmo. Nas grandes tradições a disciplina é uma ferramenta essencial, pois é inconcebível que alguém realize com sucesso a longa jornada de amadurecimento sem abrir não da comodidade.     

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