Meu principal meio de transporte é a bicicleta. Procuro usar
o carro apenas em situações especiais, tais como em dias de chuva, fazer compras,
percorrer grandes distâncias ou quando há mais pessoas envolvidas. Já tenho
meus trajetos e rapidamente faço o caminho, tanto para o consultório como para
os locais onde dou aulas e para a escola da minha filha. O tempo de bicicleta é
no mínimo igual ao do carro, e geralmente mais rápido, sem contar as inúmeras outras vantagens que todos já sabem bem. Num próximo texto vou escrever sobre o andar de bicicleta e a
prática de yoga, mas hoje quero falar da comodidade e de disciplina.
Nas quintas feiras dou aula às 9h, mas antes dela levo minha
filha na escola, faço a minha prática e tomo o café da manhã. Ontem, depois
dessas atividades e antes de sair para a aula, parei um pouquinho e fiquei pensando
nos atendimentos da tarde e da noite que teria pela frente, observei também como
a manhã estava nublada e quase fria e... de repente... fui tomado por uma
preguiça! Ir de bicicleta, agora? Ah, deixa para lá, vou de carro. E fui, e quando
me dei conta, lá estava eu preso no meio de um congestionamento, cercado de
outros carros, ônibus e caminhões. Resultado: cheguei uns 20 minutos atrasados
na aula.
Mas o engarrafamento me foi muito proveitoso, pois nele acabei
pensando em algumas coisas sobre a disciplina. Por que resolvi ir de carro? Por
comodidade, pura e simples. E isso é errado? Lógico que não, mas pensando bem,
e sendo um pouco mais atento, parece que a comodidade tornou-se um ideal bastante
valorizado. Quantas propagandas de condomínios, de carros, de shoppings, de
produtos e de serviços não usam esse argumento como isca? Talvez tudo possa ser
mais vendido se trouxer comodidade, ou se pelo menos gerar a sensação de se
estar ganhando comodidade, afinal ninguém quer passar por menos esperto e ficar
se esforçando e se preocupando com detalhes desnecessários, queremos ter tempo
livre para aproveitar a vida. Queremos todos ter prazer e desfrute, e de
preferência que ele venha rápido, fácil e gratuito. Comodidade é então, quase
sempre, aquilo que facilita, permite ou estende o prazer imediato. Nesse
sentido comodidade é o oposto de disciplina. Não que a disciplina seja
martírio, sofrimento, punição ou coisa do tipo, mas ela não considera nossos
pequenos e constantes pedidos de comodidade. Disciplina é aquilo que permanece,
é aquilo que, apesar das oscilações e variações do meio, se mantém de pé ao
longo do tempo. No dicionário o termo disciplina está relacionado à submissão (um
verdadeiro palavrão, pois quem quer se submeter a alguma coisa?) e comodidade
ao conforto e a vantagem (acho que nem é preciso dizer nada).
Na busca do prazer pela comodidade, que facilmente gera
acomodação, pode não haver espaço para a disciplina, mas ao mesmo tempo e quase
ironicamente, o cultivo da disciplina produz flores e frutos que trazem grande
prazer e satisfação. Uma significativa diferença é que a disciplina produz
prazer em longo prazo, como resultado do empenho e do comprometimento contínuos.
Não há atalhos, nem nada de gratuito, mágico ou comprável, há apenas a
sustentação do compromisso assumido consigo mesmo. Nas grandes tradições a
disciplina é uma ferramenta essencial, pois é inconcebível que alguém realize com
sucesso a longa jornada de amadurecimento sem abrir não da comodidade.