24 de fev. de 2014

O yoga, o zen e os beatniks

                                      Zazen, ou seja, meditação

         Sempre ouço alguém dizer que precisa praticar yoga para ficar mais “zen”, ou então que não pretende praticar yoga por acha-lo muito “zen”. Há também os comentários de que fulano é muito “zen” ou que tal lugar é “zen”, ou ainda, que fazendo isso ou aquilo se pode ficar mais “zen”. O termo zen é usado como um adjetivo que expressa relaxamento, descontração, paz, tranquilidade e sossego.  Ás vezes, nas entrelinhas, parece até que esse estado é um luxo ou algo que alguém que é sério e responsável não teria tempo e nem pensaria em usufruir. Aí então o estar “zen” sugere alguém meio “viajandão”, meio desconectado, aéreo e desligado.

         Esse me parece ser o significado corrente para o termo zen e sua associação com o yoga. Mas o que é o zen? Zen é uma vertente do budismo que se originou na China e que ganhou força no Japão medieval. A palavra zen significa meditação e uma de suas principais escolas (soto) baseia-se basicamente no sentar para meditar (zazen). A prática do zen-budismo em nada se aproxima do significado popular que lhe atribuímos aqui, o que vale igualmente para todos os ramos do yoga. Por sinal, nunca ouvi falar de um caminho de amadurecimento ou de desenvolvimento da espiritualidade que seja parecido com o nosso ser “zen”.

          Como nada achei que pudesse esclarecer essa equivocada associação, acabei criando eu mesmo uma hipótese. O zen foi uma das primeiras manifestações religiosas do enigmático oriente a se tornar popular no ocidente. Nos anos 50 e 60 alguns conceitos do zen começaram a circular nos meios artísticos e filosóficos da Europa e EUA, mais especificamente entre os poetas beatniks norte-americanos. Havia neles a intenção de não conformidade, de rebeldia, marginalidade e originalidade, e dentro dessa proposta, uma abertura para algo espiritual. A geração beat sacudiu o jeitão americano de viver e para isso adotou fragmentos do zen, assim como o uso de drogas, de viagens sem rumo, da marginalidade, de novas formas de escrever e principalmente de viver. Dessa sacudida vieram os hippies e a contracultura que se espalhou pelo mundo no final dos anos 60.

            Mas os beatniks, assim como os hippies, não eram praticantes do zen e acabaram criando uma imagem peculiar do zen que não representa bem o zen. No zen, assim como no yoga, é fundamental a disciplina, que nada mais é do que uma prática atenta, dedicada e constante. Há também as essenciais figuras do mestre e da tradição, além do objetivo ultimo de libertação. O zen e o yoga em muito se aproximam um do outro, assim como em muito se distanciam dos beatniks e dos hippies, embora pareça ter sido uma grande oportunidade de abertura e mudança social essa associação inicial entre o zen e o relaxado.

            Diante disso, com uma pitada zen, podemos dizer:

                                   Sim, o yoga é zen!

                                   Não, o yoga não é zen! 

16 de fev. de 2014

O que você pensa sobre a doença?



Já com os resultados de vários exames em mãos, retorno ao médico que me acompanha e no qual confio plenamente. E dessa vez ele foi categórico: “você tem uma doença”, referindo-se a doença de Ménière, que se caracteriza pelos sintomas de pressão no ouvido, perda auditiva e episódios de tonturas. Conversamos sobre as consequências e principalmente sobre o tratamento possível. Tirando a medicação que já tomo, a principal prescrição que recebi foi relacionada à dieta, pois muito do que se sabe sobre essa doença, ou síndrome, diz respeito ao metabolismo. Para mim ficou de cortar o açúcar, zerá-lo por um mês e então refazer alguns exames.

Essa foi uma consulta esclarecedora. Já passei várias vezes por médicos e quase sempre saí com a mesma compreensão que tinha de quando entrei, carregando apenas uma receita a mais na mão. Dessa vez saí com uma missão a cumprir, que por sinal, só a mim cabe cumprir. Mas saí também com um questionamento, e uma clareza, pois se a doença que tenho pode se modificar com minha dieta, não sei então se doença é um bom nome para isso que tenho. Vou me explicar melhor com essa hipotética conversa:

“- O que é doença? É uma “coisa” ruim que entra na gente e nos deixa mal.
 - Como tratar a doença? É só ir ao médico que ele sempre receitará um remédio que mandará a doença embora.
 - Por que ficamos doentes? Porque demos azar, por acaso, por castigo ou porque é normal e comum ficar doente de vez em quando.
 - Qual a oportunidade que a doença traz? Nenhuma, ela é um mal a ser eliminado, e queira Deus que nunca mais apareça. Bem, pensando melhor ela pode até ser interessante, dá para faltar no trabalho, na escola e ganhar um carinho extra também.
 - Quem é que sabe sobre a doença? Ué, é lógico que o médico, pois é ele que cura”

Penso que essa conversa fictícia retrata um pouco a imagem que alimentamos sobre o que seja essa coisa chamada doença. A doença é entendida como uma entidade com vida própria, alheia a nós e com a qual nada temos haver, e que deve ser extirpada a qualquer custo. Para isso existe um profissional poderoso que irá identificá-la e nos dar pílulas mágicas que farão o trabalho para nós. O que fazemos com a doença? Nada, a não ser esperar que o milagre aconteça por si só. A doença vem de fora, invade nosso corpo e dele deve sair.

Esse entendimento pode ser válido para algumas enfermidades, mas para a grande maioria das que nos acometem atualmente, não faz o menor sentido. Essa imagem não condiz com a experiência de muitas doenças de nossos dias, por exemplo as doenças cardíacas ou de stress. Cabe chamar de doença algo que é o resultado de atitudes equivocadas ao longo de muitos anos? Cabe chamar de doença a reação do corpo diante do que lhe agride e lhe faz mal diariamente? Ao invés de doença não seria melhor chamar isso de uma “consequência inevitável do não saber sobre si”? Não saber do que o próprio corpo precisa de fato, não saber como o próprio corpo reage ao que se faz com ele, não saber das dicas que o corpo oferece incessantemente, não saber que o corpo não é uma máquina constante e programável feita em série, não saber que os cuidados com a vida que se possui é uma questão intransferível e totalmente pessoal.

Aqui considero que o que vale para as doenças do corpo, vale igualmente para as doenças da alma (ou se preferir, as do psiquismo ou mentais). Quem não conhece alguém diagnosticado com hiperatividade, depressão ou transtorno bipolar? Quem não tem alguém próximo que toma antidepressivo? O que será que esses corpos e esses psiquismos estarão dizendo sobre o não saber? Quem quer escutá-los? Quem responsabilizar-se por esse trabalho? Quem quer remédios e farmácias?

Quantos doentes, que na verdade não são doentes, mas sim ”portadores de resultados dos próprios comportamentos e atitudes que por não considerarem o si mesmo acabam sendo auto agressivos”, não poderiam ter com a doença uma excelente oportunidade de escutar-se melhor? Não seria a doença assim uma via de autoconhecimento e de maior clareza sobre quem se é? Algumas perguntas essenciais (O que quero? O que preciso? O que me faz bem? Como estou agora? Para onde quero ir?...) podem ganhar significado e realidade no processo de adoecer, desde que a doença não seja entendida como apenas e simplesmente uma doença.

9 de fev. de 2014

Um homem ridículo


    Algumas conversas possuem o poder de nos fertilizar, de gerar em nós não apenas frutos, mas também novas árvores, as vezes até florestas. Após uma dessas conversas, com alguém que me é muito especial, algumas “fichas caíram” e pude reconhecer que, sem me dar conta, estava sendo bastante incoerente. Essa descoberta, que foi desconfortável inicialmente, acabou me trazendo alívio e clareza por reconhecer sentimentos e algumas artimanhas mentais. Mas certamente o maior fruto dessa conversa, na verdade uma nova e frondosa árvore, foi a constatação pura, nua e crua de que sou apenas um homem ridículo.
      Mas como assim um homem ridículo? Se perceber e reconhecer em si os próprios limites não é algo maduro, desejável e valoroso? E afinal de contas, não somos todos um pouco incoerentes em algumas situações? Que mal há nisso? Por que então o ridículo? Bem, só depois é que pensei e refleti sobre o ridículo e suas implicações, pois por alguns momentos não havia para mim nenhuma necessidade de explicação, só o grande prazer de constatar-me como apenas um ridículo. Na verdade, senti um grande alívio e uma profunda liberdade com essa descoberta... ridícula.
      Há algo em nossa condição humana que nos torna inevitavelmente ridículos. Não importa nossa cultura, força, inteligência, amadurecimento, vontade, preparo, treino, sucesso... e mais todas as muitas possibilidades de destaque e aprimoramento que possamos vir a ter, pois por traz de todo esse jogo social, quando olhamos bem de pertinho, o ridículo sempre estará lá. E o que é esse ridículo senão nosso senso de eu, de sermos seres especiais, únicos e separados de toda a criação? Nossa individualidade produz, guarda e mantém nosso ridículo. Por sinal, ridículo significa aquilo que faz rir, que é cômico, qualidade essa tão própria do palhaço, e que nos faz tão bem. Palhaços são “lavadores de almas” que nos convidam a rirmos de nós mesmos quando nos mostram, escrachadamente e sem muita cortesia e cerimônia, o quanto somos ridículos (quantas aproximações entre o Yoga e o ridículo, entre a libertação e o riso, entre o mestre e o palhaço!)
      O ver-se como ridículo pode ser o mesmo que não levar-se tão a sério, o reconhecimento de que pensamos, falamos, fazemos e defendemos muitas coisas que são na verdade pequenas bobagens, causas passageiras e sem significado maior. Acreditar e investir grandes doses de energia nisso, e logicamente sofrer por isso, não será ridículo? Lutar arduamente para sustentar aquilo que entendemos ser nosso diferencial, nosso valor maior, e que justamente mata nossa espontaneidade primordial, não será ridículo? Viver como se fossemos um ser independente do mundo não será algo ridículo? Quantos valores, hábitos, costumes, crenças e comportamentos que temos como naturais e certos não são, analisando-os melhor, no mínimo estranhos, ou potencialmente ridículos?
    Mas o que posso fazer com o ridículo? Absolutamente nada, pois lutar para não sê-lo só me torna mais ridículo ainda (todo palhaço sabe explorar muito bem essa contradição). Mas será essa impotência ruim, indesejável? Parece-me que não, pois desse nada fazer contra o ridículo algo surgiu, algo de consideração, de respeito e de amor por esse ridículo único que sou. 



2 de fev. de 2014

Poder encontrar

Quando pessoas se encontram com um mesmo foco, muitas coisas tornam-se possíveis. Penso em um grupo que deseja fazer melhorias em seu condomínio ou bairro, por exemplo. Esse é o poder da intenção, da vontade e do projeto, algo indispensável para a construção do mundo. Mas, curiosamente, quando pessoas se encontram e se abrem de coração para o encontro, movidas mais pela entrega do que pela expectativa, muitas coisas também se tornam possíveis, e igualmente indispensáveis, só que de outro plano. Coisas como o encantamento, a descoberta, a surpresa, a criação, o contentamento, e muitas vezes, o simples e o óbvio de que precisávamos e que já estavam ali pertinho de nós. Nunca podemos subestimar os encontros, pois eles podem ser surpreendentes.

Neste ultimo sábado (01 de fevereiro) eu e mais 17 pessoas nos encontramos para praticar yoga e meditação. Chamei essa prática de “Encontrando”. A prática em grupo é quase sempre mais intensa, e só por isso o encontro já seria válido, mas esse encontro teve uma brecha especial, brecha pela qual era possível enxergar e escutar a outra pessoa ali do lado. Apenas um detalhe a mais, mas com grande poder de ampliação da percepção, pois curiosamente (mais uma vez) quando somos capazes de enxergarmos e escutarmos melhor o outro, somos também capazes de enxergarmos e escutarmos melhor a nós mesmos, e vice versa. Essa habilidade é uma via de mão dupla, abre para fora, abre para dentro. Ter mais consciência é ter mais consciência de tudo.

Abertura e disponibilidade para encontrar, o que quer que seja, não será uma condição básica para a meditação? Para a prática de yoga? Para os relacionamentos? Para as experiências de vida? Talvez eu possa dizer que o quanto tenho de abertura para encontrar é o quanto a vida tem de pulsação em mim.




Gratidão a todos os que se dispuseram e permitiram que o “Encontrando” acontecesse.