27 de out. de 2014

A fortuna do contentamento


Lakshmi, a deusa de fortuna, da prosperidade e da luz

Nesta ultima quinta-feira, dia 23 de outubro, o professor Sandro Bosco esteve aqui em Taubaté falando sobre Yoga e relacionamento. Fez várias colocações bastante interessantes entre a sabedoria do Yoga e a experiência de se estar em relação. Entre elas, duas me pareceram muito férteis, pois dizem respeito a duas condições básicas do ser humano, e que sempre estarão presente em nossas relações: a impermanência e a diversidade. O outro muda, assim como nós mudamos, o outro não é igual a nós e nós não somos os mesmos ao longo do tempo. Impermanência e diversidade presente em nós e no outro, o tempo todo. Quantos conflitos, que vão do entre casais ao do entre nações, não são originados a partir do contato com esses dois aspectos?

Mas o que me tocou mesmo foi a citação que ele fez da deusa Lakshimi. Por coincidência, a palestra aconteceu no mesmo dia da festa hindu de Diwali, a comemoração do ano novo indiano pelo calendário lunar. Nessa ocasião reza-se e ascende-se velas para Lakshimi, a deusa hindu da riqueza, da luz e da prosperidade. Mas qual seria a relação dessa data e dessa deusa com o relacionamento? Bem, a deusa da fortuna não diz respeito apenas ao acumular riqueza e bens materiais, mas indica, principalmente, a atitude de agradecimento à fortuna que já se tem. Lakshimi é a portadora e facilitadora desse sentimento de gratidão que abre as portas para a circulação da riqueza material e espiritual, o que inclui os relacionamentos. Nos e pelos relacionamentos podemos ter acesso a enorme riqueza de lidar com a impermanência e a diversidade, que são verdadeiras vias de acesso para irmos além das nossas próprias limitações.E quantos relacionamentos que possibilitam isso já não temos acontecendo, precisando talvez de apenas um pouco mais de atenção?

A atitude de gratidão a Lakshimi parece-me ser uma luz urgente e muito bem vinda ao nosso mundo contemporâneo. Mai do que a deusa em si, a atitude. Mais do que a fortuna em si, a gratidão. A ideia de fortuna e riqueza é quase sempre restrita ao âmbito material e concreto. Isso é bem ilustrado pelo dinheiro, que quanto acumulado e contado nos dá uma noção de quanto temos, ou de quanto deveríamos ter. Mais dinheiro, mais fortuna, menos dinheiro mais pobreza. Dessa raiz centenas de galhos partem, todos medidos pela quantidade de dinheiro envolvido. Mais é sempre melhor, menos é sempre sinal de que estamos em falta. Mais caro, mais novo, mais moderno, mais exclusivo, mais bonito, mais leve, mais eficiente, mais prazo, mais crédito, mais rápido, mais recursos, mais qualquer coisa. Queremos mais e vivemos pelo mais. Nessa nossa atitude de buscar sempre o mais, Lakshimi  facilmente entraria como uma financiadora para ampliarmos nossa fortuna, para o acúmulo de mais bens.

A riqueza é vivida assim apenas pelo ângulo da quantidade, onde o mais é o mesmo que melhor. Mas Lakshimi aponta para uma outra experiência, para uma outra forma de relacionamento com a riqueza. Mais do que a quantificação, ela propõem a qualificação. Mais do que incentivar o acumular e aumentar a quantidade, ela desperta o reconhecimento e o agradecimento ao que já se tem. Agradecer é uma forma de se aprofundar a relação com o que já temos. Antes de girarmos a roda do querer e irmos em busca de mais, que tal pausar, constatar e usufruir o que já está disponível em nossas mãos. Será mesmo necessário trocar o celular? Será mesmo necessário mais um par de sapatos? mais canais de TV? mais informações? mais cursos? mais promoções? mais viagens? mais horas no dia? Talvez já tenhamos esses bens, e muitos outros, em abundância, a questão é que eles acabaram tornando-se desvalorizados pela fome de mais. A mesma fome que nos impede de usufruir-los e de aproveitá-los ao rompermos a relação com eles. A quantas mais experiências essa mesma dinâmica não se aplica? Penso naquela hora de folga na qual ficamos ansiosos por fazer alguma coisa proveitosa e legal, ou na sensação de que precisamos saber de mais alguma coisa, ou de conhecer um novo mestre, ou na clássica vontade de "chegar lá". A mesma fome de mais que nos impede de gozar o que já temos. 

A ética do Yoga nos propõem a virtude de santosha, ou a atitude de contentamento. Contentamento com o que já se tem, com o que já se vive, com tudo aquilo que estamos nos relacionado no aqui e agora. Contentamento que não é estagnação, mas reconhecimento e abertura ao que se faz presente, e portanto, real. Santosha é em si uma grande fortuna, pois nos revela riquezas muito perto de nós, quase sempre dentro de nós. E essa é aquela riqueza que não pode ser roubada.

21 de out. de 2014

Palestra com Sandro Bosco

Mais uma vez o professor Sandro Bosco estará em Taubaté compartilhando sua experiência de Yoga e Meditação e explorando a aplicação desses saberes na nossa vida cotidiana. 

A palestra será gratuita, mas será necessário fazer a inscrição antecipadamente pelo e-mail: marcostaschetto@hotmail.com.

Data: 23/10/14
Horário: 19h30
Local: Casa Viva, Rua Armando Sales de Oliveira, 543, Taubaté


12 de out. de 2014

O ronco do morto


Após uma prática regular de asanas (posturas) temos sempre como postura final o shavasana. O termo shavasana pode ser traduzido com postura do cadáver, pois nela ficamos deitados imóveis tal como um morto. Nela todos nossos processos fisiológicos reduzem-se bastante, algo como estar em sono profundo, com o detalhe de se estar acordado.

O detalhe de se estar acordado durante o shavasana é o seu grande diferencial do sono profundo, pois neste a consciência não está presente. Estar presente enquanto se percebe o próprio corpo aquietando-se, descontraindo-se é algo que pouca vezes experimentamos. É como se todo o corpo fosse se apagando aos poucos e ficasse apenas uma suave luz acessa: a da consciência. Esse é o objetivo da postura do morto, que na verdade não é um morto tão morto assim. Essa postura tem como essência a atitude consciente de entregar-se e de abandonar-se totalmente, e cai muito bem após a prática de posturas que pedem ações, intenções e empenho.

Porém há um "erro" no shavasana do qual tenho muito prazer. Trata-se de um erro que produz um som que considero como o canto triunfante da entrega e do abandono, um sinal de que a resistência cedeu. Refiro-me ao dormir e ao ressonar. Alguém ressonando é alguém sem mente, é alguém que deixou o corpo fazer o que era necessário. Alguém baixou a guarda e seu corpo canta feliz ressonado. Ali não há mais alguém. 

Geralmente os alunos que apagam são aqueles mais agitados mentalmente, e o que acho mais incrível e que fazem isso em segundos. Alguns instantes após um pequeno movimento de acomodação do corpo pode-se ver o queixo relaxar, a boca se abrir ou então a cabeça cair levemente de lado. Pronto, já era, mais um morto. Essa morte durará pouco tempo, mas será o bastante para dar ao corpo o descanso que faltava. 

Considero esse momento muito especial, mesmo sabendo não ser o ideal do shavasana. Nessa hora sinto-me em um dojo, onde vários golpes certeiros foram dados e diante dos quais não se teve outra alternativa a não ser render-se ao chão. 

18 de set. de 2014

Um minuto da sua atenção


Encontrando a Meditação: praticando a atenção

Eu e mais oito pessoas passamos a manhã toda deste ultimo sábado nos dedicando há apenas uma coisa: prestar atenção. Foi o primeiro módulo do Encontrando a Meditação, um workshop com o objetivo de viabilizar e facilitar a meditação. Além de explorar alguns pontos mais conceituais, fizemos também diferentes e simples exercícios de atenção. Nada mais do que dar atenção, por um período de tempo, para apenas um ponto por vez. Uma tarefa simples, absurdamente simples, mas que pode ser bastante reveladora e exigente.

Após cada prática eu perguntava para o grupo como tinha sido a experiência de prestar atenção. A ideia era de explorar as sensações e percepções mais sutis e das quais não temos consciência no dia a dia. Num primeiro momento nada de muito significativo, mas ao se dar um pouco mais de atenção a essa experiência, novas percepções acabam surgindo e abrindo, assim, novas portas em nossa forma de ver e entender o mundo.

Fazer essa pergunta (como foi a sua experiência?) me remeteu a muitos momentos dos atendimento psicoterápicos. Muitas foram as vezes que fiz, e imagino que continuarei a fazer, essa mesma pergunta durante uma sessão. Após o paciente narrar uma cena ou uma situação que viveu, ou então no exato momento em que ele está visivelmente emocionado ou incomodado, a pergunta "como você se sente?" ou "como foi isso para você?" é quase sempre reveladora, independente da resposta. Não foram poucas as vezes que o paciente (isso é mais comum com homens) me olha com uma cara de “como assim?” e me responde um lacônico “ué, normal!”. Um normal que parece dizer que ali nada aconteceu ou acontece, que nada há naquela experiência que valha a pena ser olhado. Normal, nada de mais, nada digno de nota, podemos agora olhar para outra coisa, pois aqui não tem nada de interessante. Bem, é lógico que, quando prestamos mais atenção para onde se diz que há apenas algo normal, encontramos ali coisas bastante significativas. Sentimentos, por vezes intensos, estão ali mesmo, bem abaixo do normal, do nada de mais. Sentimentos que quando reconhecidos, quando atendidos pela atenção, produzem um efeito parecido com a volta das chuva depois da estiagem. Mas essa porta só se abre com a chave da atenção cuidadosa.

Dar atenção é algo muito poderoso. A atenção tem a capacidade de gerar transformações por si mesma, pelo que revela, pelo que cria de acesso. Qualquer cantinho de jardim parece banal e sem graça alguma, mas basta um pouco de atenção e lá mesmo começamos a ver a vida presente em muitas e curiosas formas. Aquele cantinho tem um dinâmica própria e envolve vários seres vivos. Sem a atenção nossa relação com ele poderá se resumir em simplesmente ignorá-lo e, como consequência, em algum momento, pisá-lo. Com a atenção podemos incluir aquele pequeno e diferente universo em nosso mundo. A atenção permite a relação.

Mais do que técnicas e conhecimento, precisamos de atenção, até mesmo para poder usufruir dessas conquistas. Muito mais do que mais e mais coisas (seja o que for) precisamos mesmo é de atenção. 

30 de ago. de 2014

Convite especial


  "Encontrando a Meditação"

Preparei este encontro pensando em diferentes formas de viabilizar o estado meditativo. Isso envolverá despertar e aprimorar algumas habilidades fundamentais para o desenvolvimento da meditação, entre elas o foco da atenção, a viabilização do estado de relaxamento e o aguçamento dos sentidos e da consciência corporal. A interação do grupo, assim como o compartilhamento dirigido também serão utilizados como agentes facilitadores para o encontro.   

Para mais informações e inscrições entre em contato comigo pelo marcostaschetto@hotmail.com





27 de ago. de 2014

Um senhor yogue



No ultimo dia 20 de agosto, aos 95 anos, faleceu o mestre yogue B.K.S. Iyengar. Sua história e sua obra são fundamentais para se entender como o Yoga moderno se configurou. Ele foi um daqueles raros seres que trouxeram contribuições fundamentais e permanentes para a sua área, contribuições que permitiram que ela se expandisse e transbordasse para outras áreas. O entendimento sobre a prática de asanas (posturas) não é mais o mesmo depois de seus ensinamentos, a amplitude e a profundidade com que trabalhou o corpo e as posturas permitiu, e continuará permitindo, uma infinidade de desdobramentos com grande abrangência. Adotou como meta tornar plenamente realizável a expressão “o Yoga é para todos”.

Minha história com ele foi breve e à distância. Em 2008 percebi que minha prática, e principalmente a minha atuação como professor, estavam limitadas. Muitos alunos tinham dores ou restrições maiores para algumas, ou várias, posturas, poucos eram aqueles com a disponibilidade que eu achava ser a ideal para a prática, ou seja, muita flexibilidade, força, equilíbrio, atenção e comprometimento. Nem eu me encaixava nesse patamar (ainda bem, entendo hoje). Diante disso comecei a procurar alternativas, pois me assustou um pouco a possibilidade de que alguns alunos poderiam se machucar nas aulas, e também era frustrante saber que eu não podia fazer nada, por exemplo, para quem sentia dores nas costas ao ficar sentado no chão com as pernas cruzadas. Nessa busca acabei achando o Sandro Bosco e seu curso de formação de professores pelo método Iyengar.

O contato inicial com a forma Iyengar de praticar Yoga não foi fácil. A começar pelo prazer que tinha em fazer os asanas em sequências fluidas e sem nenhuma preocupação com alinhamentos e sem o uso de acessórios. Lembro-me de uma aula em que estávamos enfiados dentro de uma cadeira com a cabeça no chão e com cinto nas pernas em que me perguntei seriamente o que eu estava fazendo ali. Só não me levantei e saí da aula por falta de coragem. Mas ao começar a entender o motivo daquele monte de acessórios e daquelas infinitas correções uma luz foi-se ascendendo na minha prática e nas minhas aulas. Iyengar propôs algo tão simples e tão fundamental, que passa a ser óbvio depois que é percebido. Independente de se ser um professor credenciado ou filiado ao método, a luz da proposta Iyengar é valiosa e pertinente a qualquer um.

Compreendido melhor o método muita coisa ficou mais fácil e prazerosa, mas faltava ainda algo muito importante, pois eu não tinha nenhuma simpatia pela pessoa do Sr. Iyengar. Nunca estive com ele, mas minha impressão não era favorável e isso criava uma barreira entre mim e ele, o que claramente amarrava o desenvolvimento e aprofundamento da prática. Percebido esse impasse resolvi procurar uma forma de me aproximar dele, e isso acabou acontecendo de um jeito espontâneo e surpreendente. Procurava uma foto dele para colocar no blog e entre elas uma me chamou a atenção, uma onde sua marcante expressão facial parecia mais amena. Imprimi-a e deixe-a em um local visível para mim, em poucos dias minha relação com ele foi se modificando. Aquele senhor, antes carrancudo e fechado para mim, era agora alguém gentil, atento e cuidadoso.

Esse novo jeito de me relacionar com ele permitiu-me ter contato com um aspecto muito presente em sua história, sua personalidade e seu método: a força da vontade, do empenho, da determinação e da persistência. Passei então a admirá-lo por esse feito, por ele ensinar exatamente o poder do construir-se gradualmente, do ir abrindo caminho onde antes nada havia. Ele mesmo diz que só não morreu ainda adolescente justamente pela prática teimosa que manteve na juventude e que perdurou por toda a vida.

Considero o Sr. Iyengar como a própria personificação do hatha yogin, ou seja, aquele praticante que segue o caminho do Yoga pela via da força de vontade, da disciplina e da auto superação. Sua vida e obra foram o testemunho disso.


Vida longa aos seus ensinamentos e que eles possam chegar a ainda mais cantos do planeta. Gratidão Guruji!

26 de jul. de 2014

Praticar e assimilar



Recentemente uma amiga veio-me contar suas sensações e percepções em seu primeiro mês de yoga. Ela não é minha aluna, mas compartilhou um pouco de suas dificuldades, suas descobertas e suas questões sobre a prática e sobre o yoga em geral. Dividiu comigo o que não dividiu com seu professor. Disse que não sentia abertura de seu professor para suas perguntas e que também nenhum aluno falava nada parecido com o que ela sentia, achou melhor então se calar.

Numa aula de yoga geralmente quem fala é o professor. Ele dá coordenadas, orientações, faz correções e induz alguns estados de percepção mais sutis. Após o namastê no final da aula os alunos guardam seus acessórios e cada um vai para sua casa. Mas como que cada um sai da aula? Não apenas fisicamente, se com dor em alguma parte do corpo ou coisa parecida, mas como está se sentido internamente? Uma prática pode evocar nossos fantasmas, nossos medos, nossas dores, nossos lugares desconfortáveis, assim como nos revelar verdadeiros paraísos internos desconhecidos e perdidos. Uma boa prática nos aproxima de nossa sombra, e isso nem sempre é coisa fácil de digerir-se. E nessa hora a presença do professor é fundamental, nessa hora ele deve escutar, e quando necessário e possível, dizer algo pertinente.

Quem vai fazer ginástica ou musculação não espera que vá sentir algo muito diferente do que já conhece. Afinal essa é uma atividade física, ou seja, está-se apenas exercitando o corpo e seus músculos e isso não tem nada haver com o “dono” do corpo, com a pessoa, com suas emoções e sua consciência. Não imagina que possa, no meio da aula, deparar-se com um choro, ou sentimentos como medo, prazer ou tranquilidade, ou pior ainda, se questionar sobre a vida que leva. Afinal, só está fazendo uma atividade física e nada mais. Situação essa que reproduz perfeitamente a velha e tão falada dicotomia corpo x espírito.

Mas no yoga não é assim. Os asanas (posturas) são uma prática que começa no corpo e vai além, passando pelo energético, pelo emocional e pelo mental até chegar à consciência, alvo maior do yoga. Na verdade a consciência permeia todas essas diferentes camadas do ser humano, ela é que sustenta todos esses aspectos. Nesse percurso o praticante se depara com seus limites e faz enfrentamentos consigo mesmo. Isso às vezes gera confusão, dúvida, angústia, dor. Uma conversa pode ser a luz que indica um caminho, que oferece um sentido para o que está acontecendo. Nessa hora o apoio do professor não se baseia apenas na técnica, mas principalmente em sua experiência como praticante. Considero esse momento e essa troca como partes fundamentais da prática, mais importantes que qualquer técnica.

16 de jul. de 2014

Somos os eternos tricampeões



Muito pode ser pensado, analisado e questionado sobre a copa da Fifa em nosso país. São muitos os ângulos possíveis de se observar e entender esse fenômeno, que ficou ainda mais rico e interessante com o, digamos assim, inusitado desempenho da seleção brasileira nessa copa. A questão pode ser a falta de craque, ou de preparo, ou de maturidade, ou ainda de tática. Mas pode ser também por fatores que extrapolam o time de jogadores, como falta de organização, ou de estrutura, ou de política séria, ou..... enfim, são muitas as opções, inclusive a de tudo isso junto mais alguma coisa.   

Como não acompanho e entendo quase nada de futebol (mal assisto aos jogos da copa) acabo sentindo-me mais a vontade para escrever sobre futebol, ou melhor, sobre o que percebo sobre a copa do mundo e a nossa seleção.

Quando o Brasil ganhou o tricampeonato no México em 1970, faltavam ainda dois meses para eu nascer. Minha mãe diz que precisou sair da sala de TV no jogo da final, pois eu não parava de pular dentro da barriga. Pelo que me lembro só voltei a “torcer” desse jeito nas copas de 1982 e 1986, quando sabia toda a escalação, quando era fã do Zico e quando após cada partida ia jogar bola na rua com meus amigos. Foi quando também chorei nas eliminações do Brasil. Depois disso, o futebol foi ficando algo bem distante dos meus interesses.

Mas independente de acompanhar ou não os jogos e os campeonatos, tenho uma forte impressão comigo: nós brasileiros ainda temos o tricampeonato como referência. Parece-me que aquela conquista ficou profundamente gravada no nosso imaginário. Uma verdadeira cicatriz positiva, uma marca que de tão boa, deixa tudo com gosto de inferioridade. O craque da vez é bom, mas longe de ser um Pelé, o time até está entrosado, mas não como eles jogavam, parece que um ou outro até demonstram amor à camisa (isso parece até ingênuo atualmente), mas longe da garra e suor que eles davam, e por ai vão as comparações possíveis entre o time que for o atual e a heroica e mítica seleção de 1970. Não me lembro de ouvir alguém dizer isso explicitamente, mas tenho a sensação de que temos, silenciosamente, a seleção e a conquista de 1970 como um fantasma, um fantasma de expectativas assombrando as seleções que vieram depois. Algo como o reverso que a seleção atual terá que enfrentar daqui para frente, sobreviver e se impor apesar do vexame sofrido.

Nos dois casos a questão é a mesma, uma situação do passado, ou por ser muito positiva ou por ser muito negativa, acaba interferindo no desempenho presente. E não importa se essa assombração é bonita, tal como a conquista de 70, ou se é horrível, tal como o vexame que acabou de acontecer, o fato é que é uma assombração, um fantasma que distorce e pressiona a experiência sobre o que é possível e real agora. Esse fantasma é uma recordação que ainda pulsa, uma fonte de comparação e de expectativa, uma marca que continua atuando ao longo do tempo.

Mas quando saímos dos gramados e entramos no jogo da vida essa situação não se altera em nada. Todos nós temos nossas copas de 1970 e nossas copas de 2014, todos nós temos esses dois fantasmas nos rondando, nos dando referências de como deveriam ou de como não deveriam ser as coisas no presente. Todos nós temos nossas impressões, marcas e registros que oferecem constantemente respostas para as perguntas a respeito de “como deve ser”. Esses muitos “como deve ser” são uma grande e pesada bagagem que entendemos ter que carregar, pois como poderíamos viver e resolver nossas questões sem ela? Sem ela sentimos que não seremos ninguém, que ficaremos vazios e desorientados. Mas isso acaba sendo o mesmo que ainda ficar repetindo para si mesmo que, afinal de contas nós somos a seleção do Brasil, tricampeã de 1970, o país do futebol, o time do rei, os melhores do mundo, e outras afirmações válidas apenas a quarenta anos atrás, mas que não acompanharam as voltas do mundo.

Aqui entram as intervenções da Psicologia e do Yoga, que oferecem poderosas ferramentas para aliviar essa desajeitada e inconveniente bagagem. Tanto no processo terapêutico como na prática dedicada de asanas, pranayamas e, principalmente, meditação, esses fantasmas podem ser gradualmente revelados e trazidos para consciência. Essas marcas (samskaras ou vasanas no yoga) podem assim serem dissolvidas, de forma que suas respostas não tenham mais o critério de verdade absoluta ou de assombração. Afinal de contas, no universo do jogo, perder e ganhar são apenas expressões temporárias de algo eternamente dinâmico e incompleto. Copas como a de 1970 ou de 2014 vêm e vão, e não há nada de mais nisso.

29 de jun. de 2014

No entre



Neste final de semana estou num momento especial. Especial por ser um daqueles momentos suspensos entre outros dois. Na quinta feira passada dei minha ultima aula de yoga na academia Corpo &Espaço e na próxima terça começo uma nova turma no espaço Casa Viva. Foram dez anos de aulas numa mesma sala. Uma sala que acolheu e assistiu, por dez anos, a prática de empenho, esforço e entrega de muitos alunos que por ela passaram. Acolheu também alguns encontros muito especiais. Por ela também se desenrolou muito do meu amadurecimento como professor e como praticante. Nessa academia me desenvolvi conhecendo muita gente, num clima de amizade e camaradagem. Mas, como tudo que começa e tem o seu devido tempo para durar, chegou o momento de partida. Saio grato por tudo que aprendi e vivenciei.

No novo espaço, Casa Viva, terei mais possibilidades de aprimorar o diálogo entre yoga e psicologia, e isso me cativa e desafia. Tenho alguns brinquedos na bagagem e a oportunidade (tempo, espaço, pessoas, contexto) para criar. Algo a ser descoberto, tecido, realizado.

Saio de uma história já contada e entro numa ainda a ser contada. Estou na entressafra, no exato ponto do “entre”, nem lá, nem cá. Tal como no brevíssimo instante entre um passo e outro. Um pé totalmente apoiado e pesado no chão e outro decolando adiante, leve. Há então um exato instante onde o eixo de gravidade do corpo passa do pé de traz apoiado para o pé da frente elevado, e assim, o de cima desce para o de baixo subir. Um novo passo dado, que será logo superado por um outro, e outro, e outro... Uma caminhada só é possível com essas passagens quase imperceptíveis.

Entre um passo e outro, um momento suspenso. Entre uma palavra e outra, um momento de silêncio. Entre a expiração e a inspiração, um momento de vazio. Entre um dia e outro, uma noite. Entre um fim e um começo, um estado de imobilidade e disponibilidade para o que virá. O espaço do entre é a brecha de acesso para o infinito potencial, para tudo aquilo que não é conhecido, é o espaço daquilo tudo que podemos vir a realizar. É breve e fundamental, é nossa fonte. É o espaço do Ser.

13 de jun. de 2014

A fala e os pés no chão

Fala certeira, pés no chão

Recentemente escrevi sobre como as posturas do yoga realizadas em pé trazem rapidamente a sensação de se estar com os pés firmes no chão. Pés firmes no sentido de se estar presente, atento, disponível para a vida, e não desconectado e perdido no próprio labirinto mental. Pés enraizados na realidade imediata, numa sensação geral de grounding com a vida.

Essa é uma clara constatação de se praticar as posturas corporais do yoga, mas esse efeito não é exclusividade do yoga. Várias são as formas de trabalho corporal que também proporcionam essa sensação. Há os caminhos mais tradicionais ou os mais contemporâneos, assim como aqueles mais próximos ou da arte, da religião, da ciência, do lazer ou do esporte, ou ainda aqueles que integram um pouco de cada um desses diferentes aspectos. Há também os realizados individualmente e os em grupo. Muitas são as vias de acesso à consciência.

Há também a forma não corporal de se ter os pés firmes no chão da realidade imediata. Há o grounding pela fala. Mas não de qualquer fala, me refiro aqui a aquela fala significativa que toca na estrutura mental e emocional de quem a escuta, e que em algum nível e de alguma forma, a desestrutura. Essa é a fala que por instantes nos joga no vácuo, na estranha sensação de perder o chão. Escutar aquilo que não era esperado e nem considerado, escutar aquilo que não se percebia e que não se sabia sobre si mesmo. Essa fala é no primeiro momento uma verdadeira rasteira em nossas identificações, ou seja, não oferece nem um pouco de grounding. Mas é justamente ela que nos irá permitir encontrar, na clareira que abriu, um novo chão para pisar e aterrar. Grounding pelo que foi escutado. Essa é a fala transformadora buscada e utilizada por todos os mestres, cuidadores, psicoterapeutas e terapeutas, não importando de que linhagem, tradição ou escola pertençam.  

Essa fala certeira e transformadora é uma moeda com dois lados, pois não é só quando escutamos que podemos ter os pés firmes no chão, quando falamos o que precisa ser dito também podemos ter grounding. É claro que às vezes sentimos primeiro os pés no vácuo ao pensarmos em como vamos dizer aquilo para tal pessoa, em o que o outro vai achar, em que repercussões nossa fala terá, e mais um monte de especulações mentais. Mas, superado o medo e pago o risco de falar o que tem que ser falado, nossos pés voltam-se a firmarem no chão e ficamos bem ancorados e aterrados em nossa clareza e posicionamento naquele momento. Grounding pelo que foi dito.
  
Uma fala é transformadora exatamente por ser diferente do nosso tão querido blá-blá-blá diário, pois nele raramente saímos do familiar, daquilo que já sabemos e que temos como certo. Falas que nos poem firmes no chão são falas que provocam e que acordam e não discursos sobre a verdade.

4 de jun. de 2014

Quando retiro e preencho


Hoje estou voltando de um duplamente singular retiro de uma semana. Vou tentar explicar. Por uma semana, de 28 de maio a 04 de junho de 2014, de quarta a quarta, aconteceu em Portugal um retiro de silêncio com Mooji. Mooji é um mestre da linhagem Advaita Vedanta que conduz práticas de Jnana Yoga, a prática da auto investigação, em satsangs pelo mundo. Nesses encontros os participantes permanecem em silêncio e reúnem-se em sessões diárias de perguntas e diálogos esclarecedores e transformadores com ele.

Esse encontro aconteceu em Portugal, mas aqui no Brasil, em Campinas, um grupo se reuniu em uma casa e acompanhou ao vivo pela net todos os satsangs dirigidos por Mooji. Além de acompanharem ao vivo os satsangs, também observaram o silêncio e toda a programação de Portugal. Um retiro virtual, embora não apenas virtual, pois estavam em grupo e na mesma prática e na mesma sintonia do grupo maior no outro lado do Atlântico. Isso, para mim, já o faz um retiro singular.

Mas o que fez esse retiro ser duplamente singular para mim foi o fato de que eu só participei dele por dois dias. O grupo se reuniu em uma quarta feira e permaneceu assim até a outra quarta feira, enquanto que eu só me juntei a eles no sábado e saí logo no domingo. Portanto, participei de um retiro de sete dias que acompanhava a distância um outro retiro em Portugal, e dele só participei objetivamente por dois dias. Não sei se consegui deixar claro todos esses detalhes e essa singularidade.

Falo que essa foi uma participação singular em um retiro, pois apesar de não estar fisicamente em Portugal e de permanecer brevemente em Campinas, de certa forma pratiquei e senti e os efeitos do encontro ao longo da semana. Sendo mais específico, pratiquei silêncio por uma semana, apesar de continuar totalmente envolvido com minha rotina cotidiana. Continuei com todos os contatos sociais, atendendo, dando aulas, encontrando e convivendo com familiares e amigos. Fiz um retiro sem me retirar. Mas não é justamente a retirada do cotidiano grande diferencial de um retiro? Então que mérito pode ter um retiro sem a retirada?

Depende de que retirada estamos falando. Posso levar meu corpo para um local afastado e continuar com meu mundo interno conectado à minha rotina e ao que deixei temporariamente de lado. Será que podemos afirmar que houve realmente um retiro? Posso também continuar participando do meu cotidiano e dele retirar algo, algo que me faça relacionar-me diferentemente com ele. Um algo que provoque minha percepção e meus padrões, que desperte minha atenção, que quebre a previsível e anestésica rotina. Esse algo foi para mim o silêncio. Mas não o silêncio da mudez, já que eu estava em contato com outras pessoas que não sabiam e nem estavam com esse propósito. Foi um silêncio de observar meus barulhos, minhas tagarelices, minhas falas desnecessárias. Foi um silêncio de escutar mais, de esperar e deixar as coisas acontecerem. Me antecipei menos, me surpreendi mais. Percebi que posso deixar muitas coisas da minha vida mais simples. Me suportei e gostei.

Oficialmente meu retiro acabou hoje, mas acho que isso não faz a menor diferença, pois minha sensação é de que não posso mais retira-lo de mim. Que assim seja.


Mooji

Gratidão ao Mooji, ao pessoal de Campinas (Ivan Vidroh) e a minha família pelas eternas negociações.

28 de mai. de 2014

O cabeção e os pés no chão


Nossa vida atual tem um forte apelo mental. Somos banhados por informações o tempo todo, vindas de todas as direções. Valorizamos o pensar, o entender, o explicar, o decidir, o dominar, o antecipar, o saber, ou seja, valorizamos e alimentamos a atividade mental. Nosso mundo gira todo em torno e em função da referência mental. Essa atitude tem como consequência vivermos com a mente constantemente estimulada e acelerada. Mentes que não param e que não podem parar, pois correm o risco de serem ultrapassadas ao ficarem desatualizadas.

Uma criança poderia descrever esse nosso jeito de viver como um mundo habitado por homens e mulheres cabeções. Um mundo cheio de fios, visíveis e invisíveis, conectados diretamente nas enormes cabeças desses seres de olhos arregalados. Tudo aconteceria dentro dessas infladas, informatizadas e virtuais cabeças. Esses seres cabeçudos teriam também corpos pequenos, mirrados e frágeis, haja visto que pouca coisa aconteceria dentro deles. Uma enorme e estimulada cabeça e um pequeno e esquálido corpo. Muito investimento em cima e quase nenhum em baixo. Uma distribuição nitidamente desigual de vida e atenção entre cabeça e corpo. Esses corpinhos seriam ligados nas cabeçonas por um fiapo de pescoço, que não conseguiria conectar o que acontece em baixo com o que acontece em cima, e vice versa. Quase uma cabeça sem corpo e quase um corpo sem cabeça, na verdade, quase um personagem de filme de terror. Mas acho que podemos admitir que essa é uma descrição fiel de como nos sentimos e estamos muitas vezes.

Nada melhor para um cabeção do que investir um pouco de atenção no corpo. Para isso, nada melhor do que asanas (posturas do yoga). E entre todos os asanas, os feitos em pé são especialmente eficientes nessa redistribuição de atenção e de vida entre cabeça e corpo, ou sendo mais preciso, entre mente e corpo. Posturas de pé trazem a nítida percepção do chão, da gravidade, do equilíbrio, da força, da estabilidade e amplitude do corpo. Posturas de pé acordam, despertam e estimulam o corpo, florescendo o estado de presença integral. Corpinhos se preenchem de vigor e de novas sensações e cabeçonas esvaziam-se e desinflam-se, voltando assim a fazer parte do corpo. Um cabeção precisa de um corpâo, vivo, disponível, não necessariamente malhado, que chame a atenção para si e que quebre assim a prisão de ser apenas mental.

Essa ideia lembra a proposta de Alexander Lowen, aluno de W. Reich e criador da Análise Bioenergética. Lowen elaborou um método psicoterapêutico que inclui vários exercícios para auxiliar o despertar e soltar do corpo reprimido e contido. Esse trabalho corporal visa, mais do que soltar tensões, promover a sensação de grounding, que é a sensação de se estar com os pés na realidade, de se estar encorpado, encarnado, vivo, presente e com os pés e pernas firmes no chão. Grouding é enraizar, aterrar, ter raízes profundas que conferem estabilidade para todo o corpo e psiquismo. Grounding é exatamente o que os asanas de pé proporcionam, tanto que a postura de pé básica chama-se tadasana, que traduz se por “postura da montanha”, onde é possível vivenciar-se as qualidades de uma montanha, tais como: a firmeza de se ter uma base larga e estável totalmente enraizada no chão, o pico alto, leve e sereno por estar bem sustentado, liberdade para observação aberta do em volta, tônus sem rigidez, leveza subindo do chão ao topo da cabeça, descanso, atenção, vigor....

A atitude cabeção pede corpo, chão, grounding. Pés firmes no chão, corpo 
pulsando, olhar tranquilo e mente serena. E por que não agora mesmo?

                                           Groundig na Bioenergética


                                           Grounding no yoga


20 de mai. de 2014

A relação como meditação



Neste último fim de semana participei do VI Encontro de Saúde e Longevidade, um retiro focado no vivenciar de formas de cuidados com a saúde. Contribuí orientando três diferentes atividades: uma prática de posturas em pé, uma de exploração da respiração e uma atividade sobre a saúde nas relações humanas. Das três, essa ultima atividade foi a que mais me chamou a atenção, e curiosamente foi a que mais me fez sentir praticando yoga com o grupo.

Saúde, muito além do apenas não estar doente, é um estado de funcionamento pleno, onde um determinado potencial está sendo realizado. Por exemplo, se tenho dor nas costas posso considerar esse um estado doentio, não saudável, mas nem por isso, não ter dor nas costas signifique que eu as tenha saudáveis. Possa tê-las rígidas, porém sem dor, o que talvez me leve, mais cedo ou mais tarde, a tê-las doendo. Saúde é então ter minhas costas flexíveis e disponíveis para tudo o que faço no meu cotidiano, o que é bem capaz que se aproxime do poder mantê-las plenas dentro de sua funcionalidade ao longo do tempo. Isso é muito visível na saúde física, haja visto que praticamente todas as grandes doenças contemporâneas são resultado exatamente do não saber manter a funcionalidade dos sistemas e órgãos. Nem ampliamos e exploramos o potencial e nem também, ou simplesmente, deixamos seguir seus caminhos, nós o atrapalhamos continuamente. Ou será que tantos corações entupidos é algo aleatório?

E por falar em coração, a mesma ideia de saúde do corpo pode ser aplicável nas coisas do que não é tão físico e visível assim. Como seria a doença das relações, daquilo que acontece com as pessoas quando elas estão entre e com pessoas? Uma relação doentia seria aquela que dói constantemente ou que tem crises agudas frequentemente. Essa doença se manifesta de muitas formas e em todas traz sofrimento. Mas não ter dor em um relacionamento de longe significa que essa relação seja saudável. Há coisa mais doente que estar preso em uma relação de indiferença? De solidão compartilhada? Há coisa mais doente, e frequente, do que a conversa onde um não escuta o outro? Não há brigas, não há conflitos, não há gritos e lágrimas, talvez só mesmo um manso e invisível sofrimento. Reina aqui apenas a desconexão. Uma verdadeira não-relação na relação. 

Mas o que mantém essa situação? Em muitos casos um simples e enraizado hábito de não dar atenção. Só isso. De frente ao outro onde está minha atenção? No outro ou em mim mesmo? No que o outro diz ou no que meus pensamentos dizem? Estou disponível para escutar o que o outro diz ou ouço apenas o que penso? Consigo esperar seu tempo? Consigo não concluir por ele? Consigo não antecipar? Consigo ser continente? Consigo manter o foco de atenção em nosso encontro apenas? Olhar para esses detalhes do bastidor de um encontro são reveladores sobre como conduzimos nossa atenção. Geralmente desatenção.

Surpreendente é que esse reconhecimento da desatenção é justamente o exercício da meditação e do yoga. Nesses caminhos o que se busca é sair da inconsciência da desatenção, revelando-a assim que ela se der, para assim trazer e manter a atenção na experiência imediata. Experiência essa que pode muito bem ser a de estar de fato e inteiramente com alguém. Direcionar a atenção para o estar em contato com o outro, ou em outras palavras, ter a relação como meditação ou meditar na relação, foi exatamente essa a proposta que fiz para o grupo naquela agradável e acolhedora noite de sábado.

E como seria uma relação saudável? Isso é algo difícil de dizer, até pela amplitude, imprevisibilidade, profundidade e particulares significados que ela pode tomar, mas presumo que seja essencialmente uma relação onde haja atenção. Atenção, que nesse caso é uma expressão de consideração, carinho, presença e amor. 

                                                                 

12 de mai. de 2014

A urgência do diálogo


Muitas pétalas, uma só flor

Após conversar sobre escolha profissional com uma angustiada adolescente, fiquei por uns instantes pensando no mal estar dela e no de muitos outros adolescentes quando pensam no futuro e se deparam com o questionamento: o que fazer? Qual caminho escolher? Durante a conversa com ela, lhe disse o quanto hoje é mais complexo escolher uma profissão do que era há 20 anos, e isso se deve ao grande número de possibilidades que temos hoje de conhecimentos e especializações. Definir o que é ser médico hoje, por exemplo, é algo muito mais trabalhoso e complexo do que era há alguns anos atrás, no tempo do antigo clínico geral da família. Complexidade que pelo jeito só irá aumentar com o tempo e com os avanços da tecnologia.

A adolescente estava angustiada em ter de escolher entre isso ou aquilo. Ela só poderá cursar uma faculdade por vez, então terá que ser uma ou outra. Mas qual? Os cursos universitários são caminhos diferentes e excludentes, portanto, é um ou outro. Felizmente esse drama passará, e no decorrer do curso escolhido ela poderá perceberá que uma formação pode muito bem se comunicar com outra formação, um curso pode se aproximar de outro, um saber pode dialogar com outro. Passado o carnaval do vestibular, ela perceberá que o saber não tem limites, não tem escolas e bandeiras competindo ou alas mais especiais do que outras. 

Mas, o que vemos mesmo na prática são as muitas profissões, especializações, métodos e saberes como entidades isoladas e sem comunicação entre si. Cada um mergulha no seu mundo específico, nada sabendo do vizinho. Essa situações cria o especialista isolado, aquele profissional que sabe muito de quase nada e quase nada sobre tudo. Esse é um saber fragmentado, sem comunicação, sem diálogo com a vasta teia se saberes ao seu redor. E na verdade, saber isolado é saber inútil, peça que não encaixa em lugar nenhum. 

O que o mundo precisa hoje é da circulação de saberes. Todos precisamos saber mais sobre tudo o que nos toca individual e coletivamente. Os diferentes saberes precisam conversar, precisam dialogar entre si, entre suas singularidades e complementariedades. Essa é uma atitude que ultrapassa as identificações particulares de cada área do saber. Não basta saber sozinho, é preciso saber junto. Não basta o psicólogo saber apenas do psiquismo, se com isso ele não consegue dialogar com outros saberes. Nem ele amplia seu saber e nem contribui para que o saber do outro também se amplie. 

Dialogar é a circulação do saber. Dialogar é ter contato com o diferente e correr o risco de ser transformado com ele. Dialogar é algo que nos leva para além das nossas fronteiras e limites pessoais. Dialogar é relacionar-se com. Em ciência esse diálogo entre diferentes saberes chama-se transdisciplinaridade, que nada mais é do que transpor os limites das disciplinas específicas em busca de um saber maior e mais íntegro.

Agora, como não relacionar essas idéias sobre o diálogo entre diferentes saberes com o yoga? Yoga é a prática do diálogo da consciência com todas as experiências possíveis, internas e externas. A palavra sânscrita "yoga" significa, entre outras coisas, união e integração. A união entre o corpo e a mente, no caso do comum exemplo, só ocorre no diálogo entre essas duas instâncias do ser humano, que geralmente se encontram bem desconectadas uma da outra. Quando uma relaciona-se com a outra, "coisas" surpreendentes acontecem. Praticar yoga é praticar união, ou, praticar o diálogo entre o que está separado, cindido, isolado, desconectado. E esse diálogo é, ao mesmo tempo, um poderoso antídoto para a angústia da separação e uma eterna fonte de criação e transformação.

30 de abr. de 2014

A psicologia respira pouco


Dentro do vasto repertório de práticas do Yoga algumas se destacam pela simplicidade, profundidade e amplidão, e entre essas temos o pranayama. Pranayama significa domínio ou expansão da energia vital (prana), o que é realizado através de exercícios respiratórios. Apesar de feitos utilizando-se da respiração, os pranayamas vão muito além do ato de respirar, e mergulham fundo no reino das emoções e dos pensamentos. Há séculos os mestres yogues já sabiam da íntima relação entre os movimentos da respiração, do sentir e do pensar. Esses três aspectos funcionam tal como uma rede de três pontas, que, quando puxada por uma extremidade, acaba trazendo junto sempre as outras duas.

O que pensamos toca no que sentimos. O que sentimos toca no que pensamos. O que sentimos e pensamos toca na forma que respiramos. O como respiramos toca no que sentimos e pensamos. Essas íntimas relações se tornam evidentes para qualquer um que dê a esse processo um mínimo de atenção. Relações que expressam algumas estruturas do nosso mundo subjetivo, todo ele interconectado e dinâmico. O yoga utiliza-se da respiração como uma porta de acesso ao mundo subjetivo, não para apenas explorá-lo, mas principalmente, para transformá-lo.

Respirar é essencial e urgente, sempre. Ao entrarmos neste mundo quando nascemos, nosso primeiro gesto é, num ato de afirmação e independência, uma inspiração: “Eu sou! Aqui estou!”. Ao sairmos deste mundo, expressamos a mais absoluta entrega por uma expiração derradeira: “Sim...      ”. O espaço de tempo entre esses dois pontos extremos são preenchidos por milhões de respirações, com muitas variações de qualidade e ritmo, acompanhando e colorindo a grande possibilidade de experiências que um ser humano pode ter no decorrer da vida. Mas há um pequeno e significativo detalhe nisso: quase que a totalidade dessas respirações serão feitas inconscientemente. 

Essa é uma qualidade única da respiração, a de poder ocorrer na forma automática e inconsciente e/ou na forma intencional e consciente. Algo mais ou menos assim: como se ela não precisasse de nós para existir, mas se estivermos lá, tudo bem, ela nos deixa participar. E é esse justamente o gancho que o Yoga aproveita, ampliar e aprofundar uma função vital que se relaciona direta e intimamente com o mundo subjetivo. 

Diante desses fatos, é inevitável se perguntar como a psicologia conseguiu até hoje ainda não ter se voltado e dedicado para a respiração? Tirando o trabalho de Stanislav Grof e sua Respiração Holotrópica, que baseia-se em um pranayama, e das considerações de Wilhelm Reich e de seus seguidores sobre o corpo, suas funções e o psiquismo, quase nada há na psicologia sobre as relações entre respiração e mundo subjetivo. 

Inspirações e novos ares são bem vindos!    

3 de abr. de 2014

IV Encontro Longevidade e Saúde


No próximo mês de maio estarei participando do IV Encontro de Longevidade e Saúde. Esse será o quarto ano do evento, que teve no ano passado 58 participantes. Serão três dias dedicados para práticas de yoga, meditação, tai chi, chi kung, biodança, dança circular, caminhada, alongamento e técnica vocal. A proposta do encontro é oferecer um contato inicial com diferentes técnicas e vivências de desenvolvimento e promoção da saúde integral, além da valiosa oportunidade de estar e compartilhar essas experiências em grupo. Todas as atividades são livres e acessíveis para iniciantes, e serão conduzidas por professores específicos de cada área (eu participarei conduzindo as práticas de yoga). O encontro acontecerá no Recanto do Lelé, um local simples, amplo e agradável no meio da natureza.

Data: 16, 17 e 18 de maio de 2014 (entrada na sexta a partir das 18h30 e saída no domingo após o almoço).

Local: Recanto do Lelé, estrada das Caieiras, Taubaté/SP.
 www.recantodolele.com.br

Investimento: 280 reais (em 2x) - incluso hospedagem, alimentação e a participação das atividades.


Para maiores informações e inscrições: marcostaschetto@hotmail.com




              Alguns momentos do ultimo encontro – maio/13







26 de mar. de 2014

Estarei pronto?



Neste ultimo final de semana, meu professor, Sandro Bosco, esteve em Taubaté realizando uma palestra sobre a prontidão. Nela ele pode compartilhar com um grupo de 36 pessoas o como entende essa atitude na vida, através de sua experiência de praticante e professor de yoga. Trouxe alguns exemplos e imagens, simples e interessantes, que aprofundaram e ampliaram esse tema, tais como o estado de prontidão das gestantes, das árvores e dos animais caçando e sobrevivendo, assim como o esclarecedor “resgate dos helicópteros vigias de plantão”.

Em janeiro, quando ainda estávamos acertando datas, ele me propôs alguns temas para a palestra e entre eles estava prontidão. Foi o que escolhi de imediato, apesar de haver vários outros igualmente interessantes. Mas apenas alguns momentos antes da palestra, enquanto arrumava as cadeiras e o puja, é que percebi o significado desse tema para mim.

A ideia de prontidão é recente para mim, pois acho que vivi muito mais tempo num estado de “viajandão” do que de prontidão, e isso mesmo depois de já estar praticando yoga e meditação. Há uns dois anos uma aluna, Patrícia, me emprestou o livro “Para uma pessoa bonita” da abadessa zen budista Shundo Aoyama Rôshi. O livro é uma coleção de pequenos ensaios sobre a vida no mosteiro e de associações entre a prática do zen e a vida diária. Uma delícia de livro que quase li de uma vez só. E assim, aberto e desavisado, acabei deparando-me com uma verdadeira bomba em um desses pequenos e despretensiosos textos. Ele provocou uma grande repercussão em mim, ou melhor dizendo, fez um grande estrago, que imagino não ter nenhuma chance de conserto.

No texto a monja relata sua estranheza inicial, ainda como noviça, com a rotina do mosteiro, principalmente com o badalar do sino que demarcava as atividades diárias. Ela se questionava por que precisava largar tudo o que estivesse fazendo, seja o que fosse, quando o sino tocava. Era difícil para ela abandonar a atividade que estava envolvida sem encerra-la completamente. Queria que o tempo do mosteiro estivesse de acordo com o seu, e não o contrário. Bem, ela incomodou-se com isso até que um dia em que compreendeu que essa era exatamente a sua (a nossa) situação diante da morte. Um dia, não se sabe quando e nem onde, o sino da morte soará. Nesse momento não será possível nenhum tempinho extra para acabar o que quer seja. Não será possível nenhuma negociação, nenhuma concessão, nenhuma exceção. Justiça absoluta para absolutamente todos.

Ainda hoje me falta ar e sinto meu coração acelerado ao considerar essa situação. Mas esse é um belo e bem dado tapa que traz consigo o estado de prontidão: “Acorde! Agora!”. Esse tapa dá outra direção para a energia psíquica e orgânica, que sai do pensar e projetar e passa a ser investida totalmente na experiência imediata. Prontidão é estar pronto, disponível, vazio e inteiro para o que quer que se dê. Mesmo a morte. E talvez essa seja a única e real liberdade: a prontidão e entrega para abraçar plenamente a morte assim que ela se apresentar.  
   

13 de mar. de 2014

Convite especial

Palestra de Sandro Bosco em Taubaté


Está será uma oportunidade valiosa para aprofundar e ampliar o entendimento de como o yoga pode orientar nossa vida através do tema PRONTIDÃO.

Evento gratuito e aberto a todos!
(Favor confirmar presença)



5 de mar. de 2014

Seguindo o bloco



Passei boa parte do carnaval em uma praia onde toda tarde saía um animado bloquinho. De microfone o puxador chamava quem estava na praia e aos poucos o grupo atrás do bloco ia aumentando. Entre uma marchinha e outra ele repetia: “aqui só tem alegria!”. E realmente o bloco estava divertido, sem nenhuma pretensão há não ser a de brincar, pois diferentemente de um desfile, onde se é plateia, ali todos participavam livremente. Imagino que quem estava ali não queria outra coisa que não a alegria, e pensando bem, quem não quer estar sempre atrás do bloco da alegria?

Mas por quanto tempo é possível seguir o bloco da alegria? Talvez bem menos tempo que o próprio período de carnaval. Na verdade é impossível alguém seguir apenas o bloco da alegria. Fomos feitos para seguirmos muitos blocos. Quando menos esperamos, estamos seguindo o bloco da tristeza. No próximo momento já estamos atrás do bloco da conquista, para no momento seguinte, estarmos atrás do bloco da perda. Os blocos vão se sucedendo, se alternando, cada qual com sua marchinha característica. Diante desse grande, inevitável e interminável carnaval é possível fazer alguma coisa? Ou só nos resta seguir o 
bloco que nos chamar?

Os entendimentos sobre a nossa condição de seguir blocos variam muito e aqui vou citar três deles, tentando resumir os olhares do dias atuais, da psicologia e do yoga.

Alguns entendem que devemos seguir, sempre e unicamente, o bloco da alegria. Para manter-se nesse bloco basta querer, mas ter pensamento positivo, boas intenções e um pouco de mágica ajudam bem. A marchinha desse bloco é insistente no refrão de apenas ficarmos na alegria, sem baixo astral, sem dúvida, sem medo, sem nada mais. Aqui a festa é proibida de terminar.

Porém há alguns que entendem que o humano maduro é aquele que aceita a troca de blocos e se responsabiliza por elas. A vida é complexa, cheia de escolhas e de incertezas, sendo assim impossível um bloco definitivo. Se blocos vêm e vão, cabe a nós nos posicionarmos diante deles. Ser sujeito é ser e estar em muitos blocos.

E, por fim, há aqueles que entendem que o humano lúcido sabe da condição de impermanência de qualquer bloco. Nenhum deles possui consistência duradoura e todos, sem exceção, findarão, e em nenhum deles haverá satisfação plena, nem no bloco da alegria. Enxergar e aceitar a alternância e a impermanência dos blocos é o suporte para desapegar-se deles. Desapego não é negação ou rejeição, é o estar no bloco, mas não ser do bloco. A alternância de blocos expressa a própria essência da natureza, que é a diversidade em eterna impermanência. Se blocos vêm e vão, algo permanece sem ir ou vir, algo permanece como Testemunha. Ser Testemunha é passar por muitos blocos e saber que não se é nenhum deles.

Dos três entendimentos sobre o seguir blocos, o único realmente impossível é o primeiro.   



24 de fev. de 2014

O yoga, o zen e os beatniks

                                      Zazen, ou seja, meditação

         Sempre ouço alguém dizer que precisa praticar yoga para ficar mais “zen”, ou então que não pretende praticar yoga por acha-lo muito “zen”. Há também os comentários de que fulano é muito “zen” ou que tal lugar é “zen”, ou ainda, que fazendo isso ou aquilo se pode ficar mais “zen”. O termo zen é usado como um adjetivo que expressa relaxamento, descontração, paz, tranquilidade e sossego.  Ás vezes, nas entrelinhas, parece até que esse estado é um luxo ou algo que alguém que é sério e responsável não teria tempo e nem pensaria em usufruir. Aí então o estar “zen” sugere alguém meio “viajandão”, meio desconectado, aéreo e desligado.

         Esse me parece ser o significado corrente para o termo zen e sua associação com o yoga. Mas o que é o zen? Zen é uma vertente do budismo que se originou na China e que ganhou força no Japão medieval. A palavra zen significa meditação e uma de suas principais escolas (soto) baseia-se basicamente no sentar para meditar (zazen). A prática do zen-budismo em nada se aproxima do significado popular que lhe atribuímos aqui, o que vale igualmente para todos os ramos do yoga. Por sinal, nunca ouvi falar de um caminho de amadurecimento ou de desenvolvimento da espiritualidade que seja parecido com o nosso ser “zen”.

          Como nada achei que pudesse esclarecer essa equivocada associação, acabei criando eu mesmo uma hipótese. O zen foi uma das primeiras manifestações religiosas do enigmático oriente a se tornar popular no ocidente. Nos anos 50 e 60 alguns conceitos do zen começaram a circular nos meios artísticos e filosóficos da Europa e EUA, mais especificamente entre os poetas beatniks norte-americanos. Havia neles a intenção de não conformidade, de rebeldia, marginalidade e originalidade, e dentro dessa proposta, uma abertura para algo espiritual. A geração beat sacudiu o jeitão americano de viver e para isso adotou fragmentos do zen, assim como o uso de drogas, de viagens sem rumo, da marginalidade, de novas formas de escrever e principalmente de viver. Dessa sacudida vieram os hippies e a contracultura que se espalhou pelo mundo no final dos anos 60.

            Mas os beatniks, assim como os hippies, não eram praticantes do zen e acabaram criando uma imagem peculiar do zen que não representa bem o zen. No zen, assim como no yoga, é fundamental a disciplina, que nada mais é do que uma prática atenta, dedicada e constante. Há também as essenciais figuras do mestre e da tradição, além do objetivo ultimo de libertação. O zen e o yoga em muito se aproximam um do outro, assim como em muito se distanciam dos beatniks e dos hippies, embora pareça ter sido uma grande oportunidade de abertura e mudança social essa associação inicial entre o zen e o relaxado.

            Diante disso, com uma pitada zen, podemos dizer:

                                   Sim, o yoga é zen!

                                   Não, o yoga não é zen!