24 de set. de 2012

De mudança


Fiquei quase duas semanas sem escrever para o blog por estar realizando um grande desejo: a mudança para meu apartamento. Após dois anos de espera chegou a tão aguardada hora de fazer as malas, encaixotar um mundo de coisas, juntar tudo e partir para o novo. Mas entrar em um novo espaço tem lá suas exigências.
Estamos nós três, eu, minha esposa e minha filha, buscando uma nova organização dentro de tantas coisas novas: novo bairro, nova casa, novas distâncias, novos móveis, novos lugares, novos horários, novos vizinhos, novas paisagens, novos ruídos, enfim, novas novidades! Ir estabelecendo essa nova organização, ou rotina, é indispensável, pois ela permite que nossas vidas continuem a acontecer com alguma previsão e competência. Sem ela o novo pode tornar-se caótico. Precisamos de um tempo para digerir o novo, para de alguma maneira ir incorporando-o e tornando-o nosso, deixando-o mais familiar. Geralmente isso é muito prazeroso e estimulante.
Mas nesse processo de mudança acabei me deparando com achados que muito me enriqueceram. Uma deles foi rever meus medos diante de outras mudanças que já fiz na vida. Quando fui morar sozinho tinha uma grande questão: como iria fazer para comer todos os dias? Eu mesmo cozinharia? Iria sempre ao restaurante? Hoje acho graça nisso, mas na época era angustiante pensar nisso. Acabei descobrindo que já sabia cozinhar e me virei, e me viro, muito bem. Nessa mudança recente não foi diferente, vários medos surgiram questionando minha capacidade de adaptação ao novo. E é sempre muito bom poder encarar nossos medos.
Os outros dois achados me fizeram olhar de outro ângulo para a experiência de mudar, e acabaram se complementando, e me complementando, sutilmente.  Um deles foi fazer uma tarefa com minha filha, onde ela tinha que elaborar uma historinha com começo, meio e fim. Ela desenhou e contou a compra de um vaso de flor, que inicialmente tinha vários botões fechados, mas que foram se abrindo um a um, até todo o vaso ficar florido. Seu desenho ficou lindo mostrando o processo de todas as flores e de toda a natureza, mas principalmente, me fez ver com muita naturalidade o fluir desse processo maior, o de nascer, crescer e morrer. Ela não desenhou, mas dava quase para ver a queda das pétalas. Essas flores morreriam e novas nasceriam, processo simples, certo e eterno.
O outro achado foi onde estou todos os dias nesses últimos treze anos, ou seja, no consultório. Num dia especial, parece que caprichosamente distribuído, tive vários atendimentos intercalados com pacientes sentindo-se muito bem e outros sentindo-se muito mal. Uns em momentos de glória e de conquistas e outros na impotência e confusão. Um lá em cima e outro lá em baixo. A divisão foi tão bem feita, tão didática, que saltou aos meus olhos o óbvio: não importa onde se esteja e nem o que está acontecendo, isso vai mudar! Hoje há o sentimento de satisfação, amanhã o de falta. Hoje há a perda, amanhã o ganho. Todos estamos numa montanha russa, sempre, é só questão de tempo. Isso não é pessimismo, é só uma constatação, assim como a mudança pela qual a flor inevitavelmente vai passar, aliás, assim como tudo e todos que estamos de carona nesse maravilhoso planeta de mudanças.
Num outro texto falo sobre o que o yoga tem a dizer sobre essa condição de mudança incessante.

12 de set. de 2012

Para ler e reler


“Uma visão profunda do yoga”, Georg Feuerstein, Editora Pensamento.
Este é um livro singular sobre yoga. Há muitos livros sobre técnicas de yoga, há alguns sobre filosofia do yoga, e há esse, que além de tratar de temas específicos do universo yogui, vai além, abordando vários assuntos relacionados a prática. Encontrei nele muitas respostas, ou esclarecimentos, sobre dúvidas que eu mal sabia que tinha. O livro é uma coletânea de 78 textos, alguns de meia página e outros mais longos, que vão costurando desde os temas clássicos sobre história e linhas do yoga, passando pela prática da filosofia no dia a dia, até a relação entre yoga e espiritualidade, ecologia, terrorismo, vegetarianismo, morte, sexo, oração... . A leitura é leve, fluida e cativante, e altamente indicada tanto para quem está começando como para quem já tem mais experiência na prática.
Aproveito aqui para prestar minha homenagem ao autor, que faleceu em agosto passado. Georg Feuerstein foi um grande pesquisador, estudioso, autor e divulgador do yoga. Publicou mais de 30 livros e fundou um instituto na Califórnia onde buscava aprofundar e resgatar a complexa tradição do yoga. Mas além de pesquisador, Feuerstein era também um praticante comprometido, e isso é perceptível em seus valiosos escritos. 
 Jay Feuerstein!!



         “Sempre que a nossa presença não atualiza a qualidade do amor, inevitavelmente diminuímos a nossa vida e a vida alheia. Por isso somos responsáveis pelo modo como estamos presentes no mundo, mesmo quando estamos sozinhos, pois nossos campos estão interligados  com os campos de todos os outros seres e coisas.”
                                                                                                          Georg Feuerstein

2 de set. de 2012

Yoga é uma religião?

Senho Shiva, deus hindu que representa o yogue pleno e realizado

       “O que Yoga tem haver com religião?” Assim me perguntou, quase ansiosamente, uma aluna iniciante no final de nossa primeira conversa. Ela imaginava que a prática lhe traria muitos benefícios, mas preocupava-se em saber se não estaria se envolvendo com um tipo de seita de alguma religião oriental. Outros alunos já me fizeram essa pergunta, e eu mesmo já me fiz muitas vezes essa mesma pergunta, já busquei respostas, já fiquei em conflito, já deixei para lá, e, já retomei essa questão: qual a relação do Yoga com a religião?
     O Yoga, por uma questão histórica e geográfica, tem muitos elementos do hinduísmo, a milenar e multifacetada religião da Índia. Mas o hinduísmo também possui muitos elementos do Yoga, assim como o budismo também possui. A Índia é um grande caldeirão cultural onde tudo pode ser interligado, conjugado e mesclado. Mitos, lendas, ritos, tradições, crenças e práticas diferentes não se excluem, ou se rivalizam, necessariamente (algo que nós brasileiros também fazemos um pouco). Dentro desse vasto universo, o Yoga é visto como uma filosofia prática de autoconhecimento, libertação e transcendência, e isso pode ser vivido dentro de um contexto religioso ou não. Não é necessário ser hindu ou budista para ser um praticante de Yoga ou de meditação.  Yoga é uma prática efetiva e poderosa de se estar consigo mesmo, de se conhecer a “realidade” externa e interna, e isso talvez seja mais adequadamente nomeado de espiritualidade do que de religião.
     Lembro-me de um aluno que começou a praticar por indicação médica e que rapidamente começou a gostar e a se interessar realmente pelo Yoga. Porém ele era evangélico, e logo entrou em conflito com sua fé e com as orientações de seu pastor. Uma semana depois que me revelou seu conflito, largou as aulas e não voltou mais. Perdi a chance de lhe dizer que a prática poderia ajudar-lhe muito a aquietar o coração e a orar, ou a entrar em silêncio para ouvir o que Deus tinha a lhe dizer. A espiritualidade mais fortalecida e vívida poderia ampliar sua experiência religiosa.     
    Para ser um praticante de Yoga não é preciso ascender incenso ou velas, não é preciso cultuar imagens de deuses hindus, não é preciso usar roupas indianas ou falar sânscrito. Também não é preciso fazer posturas inacreditáveis ou mudar-se para a Índia. Tudo isso pode ocorrer, e ser muito bom para algumas pessoas, mas não é essencial para se experimentar  o que o Yoga tem a oferecer. Não é necessário adotar a cultura hindu para se beneficiar e mergulhar no Yoga (embora esse contato possa ser muito enriquecedor, como foi e é para mim). 
       E aqui me pergunto: como um ocidental urbano, racionalista, tecnológico, consumista, mergulhado neste século da incessantes informações imediatas e externas, pode desenvolver uma prática coerente e profunda de Yoga? Como um típico ocidental contemporâneo pode vivenciar o Yoga sem precisar vestir retalhos culturais alheios ao seu mundo? Que prática de Yoga, sincera e profunda, é viável nos dias de hoje, para o homem de hoje?
    Yoga não é uma religião ou uma teoria especulativa sobre a vida, é um caminho prático para entrarmos em contato imediato e direto com aquilo que somos, Consciência, e nada mais.

Senhor Ganesh, o popular removedor de obstáculos