27 de dez. de 2013

Férias do yoga?

                                          
Estou no meu esperado e necessário período de férias. Por alguns dias ficarei sem agenda, sem horários, sem aquela rotina do consultório e das aulas do decorrer de todo o ano. Essa mudança é indispensável, pois descansa, revigora e traz mais energia para o próximo ano. Mas há algo que não cessa no período das minhas férias, até ao contrário, se intensifica, se aprofunda. Estou falando do meu contato com o yoga, que envolve a prática, o estudo e as elaborações sobre.  Com mais tempo posso me dedicar mais, ficar mais atento, mais disponível mais entregue à vivência do yoga no meu dia-a-dia. Assim, as férias são para mim um período de intenso trabalho yóguico.  

Férias é um período de descanso, de folga para relaxar e esquecer um pouco dos compromissos. Talvez isso faça muito sentido para os compromissos sociais, para o trabalho do qual não se goste, para um curso tedioso, para esforços sem sentido e para muitas outras coisas não muito necessárias do nosso cotidiano. Mas isso faz sentido para o yoga?

Yoga não é uma atividade externa da qual se pode descansar, ou da qual se possa manter distância. Yoga é uma atitude interna, uma intenção de vida, o sustentar de uma proposta de autoconhecimento, lucidez e liberdade ao longo da vida. Yoga é uma busca pela felicidade. Se em algum momento o coração é tocado, uma aliança é selada por toda a vida. E diante dessa constatação me pergunto: É possível tirar férias disso? É possível deixar isso para depois? É preciso descanso dessa empreitada?

Férias no yoga quer dizer apenas uma coisa: o professor não estará dando aulas, não haverá temporariamente as práticas formais conduzidas por ele. Só isso. Por sinal, professor algum é o responsável pela prática do aluno, apenas ele, o aluno, é. Todo praticante é o único responsável pela aplicação e condução do yoga na sua vida.

Férias do yoga me faz pensar no caso do Fulano. Ele viveu por muitos anos doente, com limitações, dores, tomando remédios, fazendo tratamentos e tendo demais complicações. Com suada intenção, dedicação e compromisso conquistou um estado saudável, vivenciando bem estar, potência, prazer, lucidez e tranquilidade. Será que um dia ele se lamentaria da mudança? Ficaria cansado do que conquistou e precisaria tirar férias? 


                               Yoga: uma jornada sem férias e sem fim

18 de dez. de 2013

A eficiência dos mestres

                
Na postagem anterior narrei meu encontro com uma aranha. Enquanto eu estava produzindo e trabalhando ela permanecia quieta e sustentada em mínimas condições. Depois que escrevi fiquei pensando sobre esse conflito, em como o conduzo na minha vida, e como que alguns mestres do yoga o administram.

Esse contraste entre o fazer muito e o fazer pouco acaba até criando a sensação de conflito, aquele entre o “faço muito e saio do eixo” ou “faço pouco e fico no centro”. Ou se vai para dentro ou se vai para fora, ou se mergulha no mundo interior ou se explora o mundo externo. Velha dicotomia que se concretiza na divisão entre as coisas do mundo e as coisas do espírito. Aquele que transita bem no mundo material acaba perdendo o contato com o espírito e aquele que se dedica ao espírito tropeça facilmente nas exigências materiais. Nessa perspectiva só restam duas direções a seguir: um caminho horizontal pelo mundo material e um caminho vertical pelo mundo espiritual. Caminhos aparentemente incompatíveis que nos colocam na encruzilhada de seguir um ou outro.

Mas o que nos dizem sobre isso alguns mestres do yoga? Mais do que seus escritos e suas falas podemos olhar para seus atos. E parece que vários deles nos dão uma mesma resposta: esses caminhos não são conflitantes e nem incongruentes. Muito pelo contrário, eles se complementam e cada um confere mais significado ao outro. O espírito traz luz e sentido às coisas do mundo e o mundo material permite que as conquistas do espírito se concretizem e sejam compartilhadas.

Muitos são os mestres que percorreram um longo caminho indo para dentro, e que, estabelecida a morada no centro, voltaram trazendo luz para o mundo. Essa é a jornada do herói, completa, aquele que aventura-se em resgatar o humano pleno, em si mesmo e no outro.  Nenhuma cruzada para salvar o mundo, nenhuma bandeira declarando guerra às outras, nenhuma tropa imbatível, nenhum novo império, apenas uma chama acessa, uma proposta viva, uma nova rota possível. E essa nova proposta é realizada com muito trabalho, muita energia e muitas ações concretas no mundo. Mestre constroem obras e realizam caminhos, produzem, e muito. Milhares de pessoas buscam neles apoio, esclarecimento, direção, milhares passam por eles, em torno deles forma-se sempre um sangha, uma comunidade da qual são o pilar. Mestre são aqueles que se realizaram no espírito e no mundo, aqueles que caminham bem na vertical e na horizontal, que seguem livres pelos dois planos.



        Discípulo ao mestre:
            “Mestre, como posso conciliar as coisas do mundo com as coisas do espírito? O que faço com esses dois caminhos?
        E o mestre:

           “Dois caminhos? Só há um caminho!” 



                                  B.K.S. Iyengar: em atividade e no centro   


5 de dez. de 2013

O yoga da aranha


Estou um mês sem escrever nada para o blog, e não foi por falta de vontade ou de ideias. Acabei entrando em um ritmo de trabalho que me deixou pouco disponível para sentar, mastigar e produzir alguma coisa. Parece que faltou tempo para entrar na sintonia necessária para poder escrever algo sincero. Mas aqui estou eu, mais uma vez, escrevendo!

Nesse período de correria tive uma inusitada e misteriosa companheira: uma aranha. Não vi como chegou e nem como se foi, mas ela ficou ali no canto da janela da área de serviço por umas duas semanas. Quando criança tinha medo delas e hoje sinto uma coisa meio desconfortável na presença das maiores. Essa era do tamanho mediano, daquelas coloridas, com grandes bundas e pernas finas e pretas que ficam em telhados de madeira. Inicialmente tive vontade de tirá-la dali, afinal de contas ela era muito ousada em invadir a minha casa, mas ela estava tão quieta que a deixei em paz, pois achei que seria um covarde se a atacasse.

Foram dias interessantes esses da estadia dela. A convivência com aquela presença, não convidada e não bem vinda de início, foi aos poucos mexendo comigo. Todo dia eu ia lá dar uma olhada, e lá estava ela, quase sempre imóvel na teia ou então, ás vezes, refazendo a teia habilidosamente. Fui me acostumando com a aranha e até disse para minha filha que agora tínhamos um animal de estimação em casa. Ana Liz disse que ela não era muito fofa e acho que tinha razão, mas fofa ou não, agora ela já tinha seu lugar garantido no canto da janela.

Sem perceber acabei caindo na teia da aranha. Nesses dias corridos que estava, e ainda estou, acabei tendo um sutil e interessante contraponto com aquela aranha. Eu saía cedo de casa e chegava tarde, quando dava ia correndo para almoçar e logo sair. Quando ficava em casa estava preparando algum material ou revendo o que havia feito. Pouco tempo de conversa, de lazer e de ócio. No meio dessa correria, quando ia tomar água ou comer alguma coisa, dava uma espiada na aranha e lá estava ela, quieta, imóvel. Tinha a impressão de que ela fazia o mínimo necessário para sobreviver, que contava com todos os recursos de que precisava, de que não fazia nada a mais, de que não desperdiçava nada. Sua casa ela própria fazia, sua comida dali mesmo viria, já sabia tudo o que tinha que fazer. Enquanto isso, eu estava mergulhado numa correria (e bastante satisfeito com a demanda maior de trabalho, sem nenhuma queixa), cheio de tarefas e ocupações, várias assuntos em aberto, decisões a serem tomadas e às vezes um pouco apreensivo. Parecia que a aranha gastava apenas a energia necessária para dar conta de si mesma, e que na maior parte do tempo ela suportava serenamente existir, como se, quando eu a via ali quieta, ela estivesse meditando. Enquanto o praticante de yoga se debatia a aranha meditava, pensar nisso me fez muito bem.

De forma alguma gostaria de ser uma aranha, ou acho que deveríamos viver como elas, mas o contraste foi esclarecedor. O encontro da minha correria com a quietude da aranha na teia me trouxe essa pergunta: como um homem, ou mulher, pode viver e dar vazão a toda espetacular complexidade, criatividade 
e originalidade que lhes são inatas sem perder o contato primordial com a teia da vida? Como podemos integrar essas duas fundamentais dimensões do Ser? 

3 de nov. de 2013

Sucrilhos e o nosso adorado stress


Só quando já estava separando o lixo para reciclar é que percebi, na parte de trás da embalagem, essa, vamos dizer, inocente mensagem do “Sucrilhos” para seus consumidores, ou seja, as crianças, o que inclui minha filha. E fiquei ali sentado um bom tempo, digerindo tanta garra e energia. Observe:


Tive a sensação de estar lendo um manual desses treinamentos para melhorar o desempenho, para atingir metas, para superar todo e qualquer obstáculo, para ser sempre motivado e chegar lá. Chegar lá sabe deus como e lá sabe deus onde, mas esses pontos nunca fazem parte do programa. Esses treinamentos, palestras e livros que tem como lema “Retroceder nunca, render-se jamais” ou “Seja feliz em tudo, sempre” ou "10 passos para ser o melhor".

Mas tudo isso não era coisa para adultos? Assunto restrito para aqueles que já sabem que não podem perder tempo, que sabem que só sendo o melhor é que se é alguém? Mas pensando bem, porque as crianças deveriam ficar de fora dessa empreitada? Porque priva-las desse privilégio? Como ficariam elas no futuro mercado de trabalho? Como conseguiriam ser alguém na vida? Realmente, elas precisam de doses de “Sucrilhos” para ter energia e garra e também de lições divertidas de como viver bem nesse nosso mundo motivado e repleto de sucesso.

Ironias e questões ideológicas à parte, fato é que nós reclamamos de falta de tempo, de falta de qualidade de vida, de falta de saúde, de falta de tranquilidade, da falta de vida. Mas também é fato que, cultivamos fervorosamente valores e ações que nos afastam eficazmente disso que dizemos sentir falta. A vida que levamos é que nos impede de ter aquilo que sentimos falta. E aquilo que cultivarmos, nossos filhos também cultivarão, e nesse sentido, essa absurda mensagem do “Sucrilhos” é politicamente correta e justificada, pois nossas crianças não podem perder tempo brincando, inutilmente, desperdiçando assim oportunidades de se superar e se prepararem para ..., bem, esse discurso todos nós conhecemos.

Quando trocamos o prazer de brincar, explorar e curtir (seja futebol, natação, basquete, karatê, ginástica, corrida, andar de bicicleta, estudo, trabalho, ou qualquer outra atividade, inclusive yoga e meditação) pela sensação/obrigação de ter que ter mais garra, de superar o recorde, de fazer o mais difícil, de evoluir logo, de ter mais pontos, mais velocidade, de ganhar e ganhar, de ter sempre o troféu nas mãos, quando fazemos essa troca, entramos em uma armadilha simples e poderosa. Enaltecemos o eu, dando-lhe muito valor, investindo assim muita, e valiosa, energia no lugar errado.  O resultado disso não pode ser outro que não a terrível tensão de ter de sustentar esse eu lá em cima, sempre. Quanto mais eu, mais tensão, mais stress, mais bens em jogo, mais riscos de perda.

Vivemos um tempo onde correr atrás de “Sucrilhos” é quase um ato religioso, uma liturgia para o sucesso e uma contínua afirmação de mais e mais eu. Para um tempo como esse nada mais subversivo do que brincar, ou meditar, ou simplesmente tirar o eu do primeiro plano. E não há outro objetivo do yoga.


25 de out. de 2013

Encontrando perguntas



Após a aula uma aluna me procura ansiosa. Ela me conta uma experiência que teve em sua prática e está se questionando sobre qual o sentido dessa vivência. O que fazer com o que aconteceu? Até onde considerar? Como conduzir a prática a partir disso? O que ela significa?

Esta é uma ansiedade muito bem vinda, pois a prática, uma hora ou outra, nos levará a novos lugares internos, e estes, muitas vezes, são desconfortáveis por serem inesperados e estranhos. Com eles alguma coisa em nós se desarranja, se desequilibra, e precisamos então buscar um novo equilíbrio com a incorporação desse algo novo. Esse novo estado de equilíbrio não será eterno (portanto, não há motivo para nos apegarmos a ele), e em breve um novo desequilíbrio se instaurará, o que nos pedirá uma nova organização. No olhar da psicologia esse processo deverá se repetir infinitamente, sendo essa uma condição humana saudável e desejável. O yoga aponta, porém, para outro objetivo, um lugar para além dessa eterna oscilação da incompletude, o que não nega, ou elimina, entretanto, a longa e necessária etapa do equilíbrio/desequilíbrio.

Mas as perguntas verdadeiras e incômodas, as que desequilibram, quase sempre, só surgem no calor da experiência direta e dedicada de uma prática (de yoga ou de qualquer outro caminho), aquela com a qual nos comprometemos ao longo do tempo.  Se a proposta não for testada em primeira pessoa, na própria pele, com o calor do próprio esforço e empenho, ela pode não ser fértil o bastante para gerar o transformador desequilíbrio. 

A boa prática de yoga e meditação permite o aflorar de novas perguntas e de novos desequilíbrios, e abrem espaço também para novas e surpreendentes respostas, assim como a novos estados de equilíbrio. Uma prática que não produza perguntas (e ou novas respostas) é estéril, ou seja, não tira da zona de conforto, ou por não ser adequada ao praticante ou por não receber dele a devida dedicação. 

17 de out. de 2013

Eu estava lá!



       Durante muitos anos, sempre que estava na praia, dava um jeito de ir caminhar pelas pedras. Gostava de fazer isso sozinho, escalando e me movimentando pela encosta, sem pressa e sem saber exatamente até onde conseguiria ir. Só parava quando não era mais possível continuar, ou quando encontrava um local onde pudesse me sentar confortavelmente e ali ficar por um bom tempo. Quase sempre fazia ali alguma prática e depois deixavas as coisas acontecerem.

          Certa vez estava sentado de frente para o mar aberto, mar verde, imenso. No céu azul só o sol e algumas aves. Em volta de mim pedras, quentes, árvores e uma sombra acolhedora. Na minha frente, lá longe, a linha do horizonte levemente arredondada, e bem perto de mim, ondas quebrando com estrondo e espuma, indo e vindo, além de muitas pedras, grandes, imóveis, resistentes. Eu estava ali, um espectador de camarote, apreciando e me sentindo integrado à todas essas cenas belas e simultâneas. Tudo acontecendo por si só, eu querendo ou não, eu estando ali ou não. Perceber isso era muito bom, agradável, me deixava mais quieto, aberto e contemplativo. Há quanto tempo essa paisagem já não estava ali? Há quantas eras não era exatamente assim, independente de mim, de qualquer pessoa ou de toda humanidade? 

     E assim continuei ali, deixando as coisas acontecerem e absorvido pelo mar. E então, na linha do meu olhar, uma arraia salta. Preta e branca, grande, num voo rápido totalmente fora da água... uma imagem surreal, sem tempo para qualquer preparo.. já foi! Depois de seu mergulho até tentei prever onde ela poderia saltar novamente, mas naquela vastidão de mar, sem chance. Na verdade, o possível segundo salto já não tinha importância frente à experiência impactante do primeiro.

        Logo pensei: “poxa, que sorte a minha estar olhando justamente naquela momento para onde ela saltou!”. Mas o que senti mesmo, e sinto até hoje, é que não foi sorte, nem acaso, nem coincidência, nem sincronicidade, nem nada de especial. Sinto mesmo é prazer de poder dizer que “eu estava lá!”. Só isso. Estava lá, presente, e por isso pude ser testemunha, não apenas do inusitado salto da arraia, mas de todo o resto, comum e maravilhoso, que acontecia do meu lado, na minha frente, encima, atrás e dentro de mim. Naquele momento eu estava lá e não em outro lugar. Não estava pensando em outras coisas, digamos, mais importantes, não estava mergulhado em meu mundo interno, nem refém das minhas memórias ou de meus planos, ou ainda ocupado em ouvir minhas vozes cheias de razão sobre isso e aquilo e tudo o mais.

        A lembrança dessa experiência já me deixou algumas vezes num misto de prazer e angústia ao  levantar uma pergunta meio incômoda: e nesses mais de vinte e cinco anos que se passaram depois do salto da arraia, em quantos momentos posso dizer que “estava lá”? Onde estava eu ao longo desse percurso? Quantas arraias deixei de ver? 

         Esse questionamento me serviu como uma fértil provocação, me deixou mais atento, e nesse sentido foi bem positivo, mas na verdade é uma falsa questão. As arraias que não vi não tem mais nenhuma importância, já estão em outros mares! Mais do que isso, esse questionamento é em si uma tentadora cilada para que novas arraias não sejam vistas, tendo em conta que estarei confabulando e especulando sobre as que não vi. Deixemos então que as arraias nadem e saltem em paz, onde e quando quiserem.

             O que importa de fato é que a força do "sim, eu estava lá!" seja atualizada e mantida com um "Sim, eu estou aqui!"

Marcos Taschetto


10 de out. de 2013

Paz pelo Yoga



Esta semana está acontecendo em muitas cidades do país, inclusive aqui em Taubaté, o “Yoga pela Paz”, evento que tem o objetivo de propagar o clima de paz pelas cidades através de práticas de yoga e meditação. Muitas escolas oferecem aulas gratuitas e há muitas práticas abertas em parques e praças. Uma ótima iniciativa que vem crescendo a cada ano!

Mas qual a relação entre o yoga e a paz? Como se dá esse casamento que parece tão evidente e inevitável entre praticar yoga e ficar em paz? A paz é geralmente definida como algo contrário à guerra, ao conflito, à discórdia, paz é a ausência desses estados, internos (consigo mesmo) ou externos (entre pessoas, entidades, países...). A derradeira bandeira branca. Mas o fato de não estar em guerra, em conflito, não quer dizer muita coisa, e muitas vezes pode ser até bem preocupante. Essa é uma situação parecida com aquela onde o médico por não achar nenhuma doença no paciente o julga saudável. Saúde não é o mesmo que não estar doente, pois muito além de não ter sintomas, saúde é a presença de vitalidade no organismo. Assim também a paz não se resume em não estar em conflito, em “estar de boa”, mas vai bem além dessa condição, pois diz respeito à posse de algo que independa das oscilações entre conflito e não conflito.

A prática de yoga e meditação proporcionam algumas profundas sensações de bem estar, e isso é constatável já no primeiro contato. E esse bem estar é aquela paz da ausência de conflito, ou seja, é a paz que facilmente nos escapa da mão, basta o primeiro contato com o mundo que ela se desfaz magicamente. Por quantas vezes já não presenciei os alunos acabarem a aula num clima de silêncio profundo e em questão de segundos, enquanto ainda guardam os acessórios, já voltarem à agitação que estavam antes da aula? Ou então isso acaba acontecendo quando religam o celular, ou quando entram no carro, ou quando chegam em casa, ou ligam a TV, ou qualquer outra forma de contato com o mundo. Para onde foi aquela paz?

Essa paz é boa, pode e precisa ser desenvolvida, mas está longe daquela que o yoga e a meditação podem proporcionar. A paz que vai além da ausência de conflitos, que vai além do bem estar é a paz de saber-se quem se é. Paz que não pode ser roubada é a clareza de poder olhar para si mesmo e reconhecer o que se sente, o que se pensa, o que se deseja e o que se teme. Paz de poder reconhecer todas, absolutamente todas, as experiências que podemos ter, paz de nada excluir. Paz de ser testemunha de si mesmo, não importando se o dia é de sol e os pássaros cantam ou se faz frio e chove.  Todas as técnicas de meditação ou de yoga são caminhos que podem nos levar para além do bem estar, que podem nos aproximar daquilo que somos, e que não sabíamos ou lutávamos para não ser. E longe desse lugar não há paz que perdure.



14 de set. de 2013

Para ler e praticar



Fundamento e técnica do Hatha Yoga, Antonio Blay, Edições Loyola. Dias atrás dei uma relida neste livro e foi como voltar no tempo, pois este foi o primeiro livro de yoga que eu estudei e que utilizei como guia prático, pois era o indicado pela minha professora D. Isabel. Antonio Blay foi um psicólogo espanhol, falecido em 1985, que escreveu muitos livros sobre psicologia, yoga e realização humana. Neste ele explana sobre os fundamentos filosóficos e práticos do hatha yoga, e faz isso com muita profundidade e amplidão. Ensina vários asanas e pranayamas, além de estender-se sobre o shavasana e o relaxamento, mas não é na descrição das técnicas que o livro destaca-se, pois seu maior mérito são as considerações sobre a aplicação e a vivência dessas técnicas na vida, como por exemplo no excelente trecho onde fala sobre a atenção. Yoga é uma filosofia e Blay deixa isso claro em todo o livro, não restringindo-se a descrições de técnicas, mas contextualizando-as dentro de uma postura de vida mais humana e significativa. 
Ao relê-lo acabei fazendo uma rápida comparação com os manuais mais atuais, e não pude deixar de sentir a grande distância entre as propostas do yoga filosofia e do yoga bem estar. Leitura altamente recomendável. 

1 de set. de 2013

O estranho em mim



Em alguns asanas (posturas) às vezes sinto um coisa meio estranha. Não é bem uma dor, nem falta de alongamento ou força, é mais mesmo uma estranheza, uma coisa meio sem jeito. O corpo não sabe direito o que e como fazer para manter a postura, e parece pedir para sair dela o mais rápido possível. A vontade é de fazer algo fácil, gostoso, uma postura na qual tenha habilidade e bom desempenho. Esse desconforto no asana quase sempre indica que estou entrando em território desconhecido, estranho, pouco familiar, uma trilha pouco percorrida em meu próprio corpo. Às vezes, na meditação, percebo algumas coisas também estranhas, alguns estados internos não muito comuns e pouco claros para mim. Às vezes, na psicoterapia, encontro em mim algumas emoções e conteúdos internos dos quais não fazia ideia de que podiam existir. Às vezes parece até que eu não sou eu, me estranho. Sinto isso em alguns sonhos, em algumas experiências cotidianas, em algumas surpresas, em algumas histórias... Não raro sou surpreendido por vivências que me deixam sem ação, sem reação. É assim, às vezes, inesperadamente, me deparo com algo estranho.

O estranho é o oposto do familiar. O familiar nós reconhecemos de longe, dele temos as artimanhas em como lidar, pois já o vimos várias vezes, achamos até que já sabemos tudo sobre ele. Do familiar a gente reclama, mas tudo bem, quando precisamos sabemos direitinho o que fazer e em qual gaveta enfiá-lo. Mas o estranho... o que fazer com ele? É possível mastigá-lo e digeri-lo? Ou é melhor cuspi-lo? Talvez fosse mais agradável divertir-se um pouco mais com o mesmo do familiar, mas eis que uma pedra aparece no caminho e, de repente, pisamos no algo estranho. Ou descobrimos o estranho em nós, dentro de nós, e dele nunca sabemos muito.  

Yoga, meditação e psicoterapia, assim como as artes, são caminhos que nos levam, uma hora ou outra, ao encontro direto com o estranho. Exatamente para aquele lugar estranho onde não sabemos como caminhar, para aquele mesmo lugar do qual já desviamos outras tantas vezes. A coisa estranha é interessante, pois se viro as costas para ela, ou lhe fecho os olhos, ela não some, fazendo isso apenas diminuo a minha sensação de estranheza, mas ela continua lá, estranhamente estranha, indiferente ao meu desvio.

Estranho é o não familiar, é o mundo fora do meu território, é o estrangeiro, é aquele que é de outras terras, o que está longe da luz do quintal. O que há no estranho que o faz estranho? Nunca podemos saber antecipadamente, mas é certo que, lá, no estranho, não há a luz da consciência, lá não nos reconhecemos. Lá, no estranho, vemos sombras disformes e escuridão. Yoga, meditação e psicoterapia são, antes de qualquer coisa, caminhos para e da consciência, que através do contato com o estranho pode se ampliar infinitamente. Uma árvore depende totalmente da profundidade de suas raízes no escuro da terra para que seus galhos possam ir alto buscar o céu. Assim somos também, precisamos do estranho em nós, daquilo que não nós é claro, do que não sabemos, não dominamos , não planejamos e ainda não enfrentamos. Desses vários estranhos podemos tirar alimento e ampliarmos quem achamos que somos. Do encontro e do diálogo com esse estranho em nós podemos ser mais inteiros, humanos, honestos e simples.       

22 de ago. de 2013

Entrevista sobre yoga para o "Vanguarda Comunidade"

Entrevista que foi exibida no dia 18/08/2013 no programa "Vanguarda Comunidade" da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba- SP. 

1ª parte



                                                      2ª parte 
                      


3ª parte


10 de ago. de 2013

O erro da resposta certa



Há algumas situações que vivemos ao longo da vida, principalmente na infância, que nos fazem acreditar seriamente que sempre há uma resposta certa para tudo.  Um ambiente que estimula muito essa crença é o escolar tradicional com suas avaliações e notas. Provas de múltiplas escolhas, onde só uma resposta é certa e as outras quatro, que além de erradas podem ser “pegadinhas”, são a concretização exemplar dessa crença. Passar por uma prova como essa é aprender que, realmente, só existe uma alternativa certa, e é preciso cuidado com as respostas erradas, pois elas além de não valerem nada, são ainda enganações que nos afastam da conclusão correta. A alternativa certa é boa e desejável e a errada é ruim e lamentável. Nessa proposta há um saber já concluído, fechado, onde determinadas perguntas já possuem pares certos com determinadas respostas. Nesse baile muitas perguntas e respostas interessantes ficam sem dançar, ficam sem par, pois os casais já foram escolhidos bem antes do baile começar.

Essa é uma brincadeira meio sem graça, e se sobra alguma empolgação é apenas para tentar acertar o que já é tido como certo. Mas brincadeira boa mesma é aquela na qual não há um fim certo, um traçado já definido previamente. A graça está em não saber e, de repente, ser surpreendido por um saber, por algo com o qual não se contava, mas que foi verdadeiramente descoberto ali. Qualquer criança sabe disso e nos mostra isso o tempo todo. O gostoso está em brincar e não necessariamente em concluir. Grande é o prazer de mexer, inventar, revirar, fazer, refazer, desfazer, tentar, largar, voltar... Toda essa liberdade de experimentação difere muito do achar a resposta certa, única e definitiva, válida para todos e para sempre. Se o brincar tem o frescor daquilo que sempre se renova, que nunca está acabado, a resposta única e certa perdeu a graça de descobrir e brincar.

Sinceramente, em qual aspecto da nossa vida é possível se ter apenas uma resposta como certa? Em qual de nossos conflitos, impasses e dificuldades é cabível se ter a certeza de que só há uma solução possível? E quantas vezes, ao estarmos convictos de haver apenas uma saída, não fomos surpreendidos por soluções inesperadas, surpreendentes e incrivelmente mais simples e fáceis do que podíamos imaginar? Quanta limitação imposta voluntariamente em buscar apenas a resposta única e certa.  Quanto desperdício em descartar respostas tidas como erradas. Por sinal, a quantas aprendizagens e transformações não tivemos acesso exatamente com as respostas “erradas” que demos na vida? Se formos um pouco além do medo é possível viver sob o seguinte lema: “Que eu erre mais!”

Não existe isso de uma resposta certa, absoluta, definitiva, antecipada, o que há, realmente, é a resposta possível, aquela válida dentro de um contexto. As minhas limitações e possibilidades é que vão gerar minhas respostas ao mundo e à vida, e quem pode definir até onde isso é certo ou errado? A resposta possível é aquela que diz quem sou, sem cola, decoreba ou sorte, já a resposta certa e única é coisa de vestibular, e só.


Essas reflexões me ocorreram observando diferentes alunos fazendo o mesmo asana (postura) em uma aula. O asana de referência era o mesmo, mas cada aluno criou a sua variação dentro de suas possibilidades, com mais, menos ou sem acessórios (já que o método Iyengar permite que realmente todos pratiquem!). Quem estava mais certo? Qual aluno era o melhor? Quem estava praticando melhor? Quem era o pior? A não ser que se esteja em uma prova escolar, ou se querendo alimentar julgamentos, comparações, exclusões e limitações, essas perguntas realmente não fazem o menor sentido. 

29 de jul. de 2013

O que o Papa não me falou


                               Papa Francisco no mesmo barco

O Papa Francisco tem na sua simplicidade e disponibilidade um poder realmente extraordinário.  Apesar de carregar nas costas uma enorme, ampla e complexa tradição de dois mil anos, ele age com a leveza de um simpático senhor indo comprar pão alegremente na padaria da esquina. Não que ele não exerça sua sacra missão de guia espiritual, daquele que interfere no mundo e na vida de milhões e milhões de pessoas. E não também que ele não saiba que é um líder e agente político e social em escala mundial. O Papa assume todos estes grandes encargos, mas ao mesmo tempo parece dizer: “não levem tudo isso tão a sério!”.

Percebo e sinto ele dizendo isso através de seus gestos espontâneos de sorrir, de cumprimentar a todos, de ser informal, simples e acessível, de não fazer distinções. Percebo isso a começar pelo nome que escolheu para si, ao cumprimentar o motorista, ao quebrar protocolos e em vários outros pequenos gestos que não o deixam diferir de nenhuma outra pessoa. Esse “não levem tudo isso tão a sério” não tem nada haver com desconsideração, falta de fé ou banalidade, pelo contrário, sinto que é pela real consideração, fé e importância que dá a todos à sua volta. “Venham, não levem tudo tão a sério, não fiquem aí parados pensando e protelando, há lugar para todos, todos podem, venham!”, sinto ele dizer isso sorrindo. E pelas reações que vi na sua visita pelo Brasil, não sou só eu que sinto isso, parece que muitos foram felizes aos seus braços.

Não quero aqui falar de religião, nem de moral e nem de política. Não tenho nenhuma pretensão de questionar ou apoiar o Papa e a doutrina teológica da Igreja. Estou falando apenas que a atitude franciscana do Papa Francisco fala mais, e vai bem além de pregações, discussões e propostas de salvação. O que me toca nele é mais o que ele não diz, é sua intenção cativante e sincera. Seus gestos, por serem pessoais, tocam pessoas, e isso é mais do que uma ideia, é mais do que o poder de uma autoridade. Pensando melhor, acho que seus gestos, por serem pessoais e simples, são mesmos é manifestações políticas, morais e religiosas, diria até quase revolucionários em nossos virtuais dias.

O “não levem tudo isso tão á serio” é na verdade um belo lema de desapego, de desprendimento. Não leve tão a sério suas pretensões, seus medos, suas seguranças, suas conquistas, suas posses, suas certezas, suas dores, seu orgulho. Desapegar-se é o coração de qualquer caminho espiritual, e não há nenhuma “verdade” teórica e teológica que se sobreponha a essa profunda vivência. A vida pautada no desapego produz frutos bem típicos, tais como leveza, profundidade, coerência, compaixão, irmandade, inclusão, simplicidade.  Lição dos Franciscos, do Vaticano e de Assis, e de todos os santos, mestres e iluminados: não leve tudo isso tão a sério!

16 de jul. de 2013

Por onde a sua atenção?


Arqueiro zen = atenção

Basta um mínimo de auto-observação para constatar que a nossa atenção é na verdade desatenta, ou melhor dizendo, que a nossa atenção salta de um foco para outro o tempo todo. Isso se torna evidente no constante borbulhar de pensamentos que passam pela cabeça, tal como um riacho em barulhenta cachoeira. Outra constatação bem objetiva dessa desatenção são os movimentos inquietos das mãos, dos pés e de todo o corpo, ou ainda o revelador olhar distante, perdidos em devaneios, olhando o que só existe no mundo interno. A atenção fragmentada em muitos focos torna-se desatenção, dispersão, distração. Um pensamento sobre isso, outro sobre aquilo, uma lembrança, um gesto, outro pensamento sobre um terceiro assunto, uma cena futura, um sentimento, outro pensamento, uma julgamento, um sentimento, uma conclusão, um quinto pensamento... . O ciclo não tem fim, podemos viver mergulhados nele, sendo levados para onde essa maré nos levar, embora às vezes ele seja entrecortado por um breve contato com o mundo externo, talvez no encontro com uma outra pessoa, real, ali no mesmo momento e no mesmo espaço.

É bom lembrar que a atenção tem um poder muito especial. Faça uma pequena, simples e rápida experiência sobre esse poder agora mesmo. Não deixe para depois. Apoie suas mãos nas coxas ou em uma mesa. Deixe as palmas para baixo e não mexa as mãos. Feche os olhos e por um minuto, ou um pouco mais, apenas pense e sinta a sua mão esquerda, nada mais do que isso. É bem capaz que algo surpreendente aconteça, experimente.
Bem, isso que você percebeu em sua mão esquerda é resultado do poder da atenção com foco. Ao ser direcionada a atenção ganha força, consistência, profundidade, e acaba transformando seu portador e seu foco. Se a sua atenção é capaz de fazer isso com sua mão em tão pouco tempo, o que não poderá acontecer se ela for direcionada ao longo de horas, meses e anos?
Há uma equação muito simples: onde está a atenção, está o coração. Assim, é dali mesmo, onde projetamos nossa atenção, que tiramos alimento para a alma. Aquilo que recebe atenção torna-se alimento, e no alimento nos transformamos. Isso é fácil de ser constatado, não importando se o alimento for uma fruta, um doce, uma dose de álcool, ou um pensamento, uma emoção, uma situação, ou qualquer outra coisa, externa ou interna. Do foco da atenção tiramos nosso alimento, que, conforme nossas escolhas, irá nutrir-nos ou intoxicar-nos.

O yoga pode ser definido como uma proposta de direção da atenção. Em toda a sua variedade de métodos o yoga sempre oferece um sentido para a atenção, há sempre esse cuidado essencial de canalizar o potente e fértil rio da atenção. Seja nas ações do corpo, seja na respiração, seja no corpo sutil, seja no colorido das emoções, seja no fluxo dos pensamentos, seja na pura presença, seja num aspecto da divindade, seja num som, seja num gesto, seja num rito, seja numa relação, ou ainda em várias dessas ferramentas juntas, haverá sempre no yoga um foco para a atenção. As muitas gerações de mestres yogues sempre deram a devida atenção ao fato de que a atenção precisa de uma casa, de um endereço, pois ela sempre está a movimentar-se nessa busca. Por que então não oferecer-lhe um lar? E por falar nisso, por onde anda a sua atenção?

4 de jul. de 2013

Quando se abandona o caminho


No finalzinho do encontro “Caminhos para a Meditação”, evento que reuniu 20 pessoas para estudar e praticar a meditação, surge a seguinte pergunta: “mas se a meditação faz tão bem, traz tantos benefícios e é tão simples, por que então tantas pessoas começam e param, e por que tão poucos meditam?”. Boa pergunta! Quem a fez foi uma dedicada aluna de yoga, que ao perguntar expressava uma indagação sincera, e me fez lembrar que eu mesmo já me fiz essa pergunta algumas vezes.

Acho que várias são as respostas possíveis para o porquê alguém deixa de meditar, ou praticar yoga, se isso é potencialmente tão positivo. Para começar, as pessoas não são iguais, não funcionam da mesma forma, não tem os mesmos valores, as mesmas habilidades, as mesmas experiências e os mesmos objetivos, portanto, o que é bom para um pode não ser bom para outro. Exatamente por isso existem tantas formas de praticar meditação e yoga, pois os diferentes métodos nasceram de, e para, diferentes pessoas e suas diferentes experiências. Talvez muitos dos que largaram a prática não tiveram a felicidade de encontrar, logo de primeira, uma forma ou um professor que fosse adequado para elas. O meu primeiro contato com o yoga e com a meditação foi com métodos bem diferentes dos que eu pratico hoje. E por que mudei? Porque não me sentia mais satisfeito e confiante com o caminho e com as ferramentas que tinha então. Experimentei outro método e outro professor e senti a revigorada que precisava, a caminhada ganhou fôlego e uma nova direção.

Além disso há uma condição fundamental para que o yoga e meditação deem os valiosos frutos do autoconhecimento e da transformação: a disciplina, constante e dedicada. Não há mágica e nem milagres, nem saltos espetaculares e gratuitos. Yoga e meditação só existem quando praticados, quando vivenciados. Como professor, observo que é comum o yoga e a meditação serem colocados pelo aluno na mesma prateleira em que coloca os hobbys, ou seja, daquilo que é bom, mas que não é essencial, e dessa forma, a prática não decola, não embala e nem ganha força. E é justamente a prática desse tipo que será facilmente abandonada, restando dela só uma esteira enrolada num canto ou um livro que não foi lido.

Há também de se considerar que, se o yoga e a meditação são caminhos para o autoconhecimento, essa empreitada nem sempre é fácil e nem sempre é agradável. Tal como no processo da psicoterapia, há trechos do percurso onde nos deparamos com aspectos incômodos da nossa personalidade, trechos onde nossos limites ficam evidentes e onde pretensões desmoronam. Esse é o exato momento que, se não houver o lúcido suporte de um professor e de um método, podemos abandonar a jornada, exatamente ali, onde iríamos transpor nossa condição limitante.

Mas ultimamente penso que o fator mais decisivo para que alguém largue a prática seja mesmo a solidão. Solidão de não poder compartilhar conquistas e dificuldades, de não ter a oportunidade de ouvir vivências semelhantes à própria. Solidão de achar-se um estranho em procurar e percorrer este caminho. Solidão de ver-se um isolado. Se de um lado a prática é solitária, que ocorre da pele para dentro e é sempre uma experiência interna, por outro, ela é uma situação relacional, pois envolve um saber que é trocado, que é compartilhado há muitas e muitas gerações. A clássica e nuclear condição professor/aluno é expandida quando se pode estar com outros buscadores, quando é possível estar junto num propósito semelhante. Estar junto é a lenha que produz mais clareza e calor para a caminhada. Esse estar junto em um propósito chama-se sangha em sânscrito. A falta de sangha (da associação com outros buscadores) esmorece e desorienta qualquer prática bem intencionada. Todos nós temos o que aprender e todos nós podemos ensinar, basta estarmos reunidos. 


Eu no caminho, com meu professor e outros caminhantes


20 de jun. de 2013

Convite especial



É com muito prazer que convido a todos para esse momento especial. 

O Encontro "Caminhos para a Meditação" é uma uma ampliação natural dos "Encontros mensais de Meditação". Nesse teremos mais tempo para experimentar e compartilhar a meditação e suas sutilezas. Serão quatro sessões com diferentes formas de meditação, permitindo que o participante possa identificar aquela forma que mais lhe tocar.

Para quem não medita o encontro será uma boa introdução, e para aqueles que já praticam será uma valiosa oportunidade de meditar em grupo. O evento acontecerá em uma agradável chácara, em meio da natureza e ao mesmo tempo próxima do centro de Taubaté. Está incluso um café da manhã no intervalo.

As orientações e conduções das meditações serão realizadas por mim e por Elisete Mattos.



14 de jun. de 2013

No congestionamento da comodidade.



Meu principal meio de transporte é a bicicleta. Procuro usar o carro apenas em situações especiais, tais como em dias de chuva, fazer compras, percorrer grandes distâncias ou quando há mais pessoas envolvidas. Já tenho meus trajetos e rapidamente faço o caminho, tanto para o consultório como para os locais onde dou aulas e para a escola da minha filha. O tempo de bicicleta é no mínimo igual ao do carro, e geralmente mais rápido, sem contar as inúmeras outras vantagens que todos já sabem bem. Num próximo texto vou escrever sobre o andar de bicicleta e a prática de yoga, mas hoje quero falar da comodidade e de disciplina.

Nas quintas feiras dou aula às 9h, mas antes dela levo minha filha na escola, faço a minha prática e tomo o café da manhã. Ontem, depois dessas atividades e antes de sair para a aula, parei um pouquinho e fiquei pensando nos atendimentos da tarde e da noite que teria pela frente, observei também como a manhã estava nublada e quase fria e... de repente... fui tomado por uma preguiça! Ir de bicicleta, agora? Ah, deixa para lá, vou de carro. E fui, e quando me dei conta, lá estava eu preso no meio de um congestionamento, cercado de outros carros, ônibus e caminhões. Resultado: cheguei uns 20 minutos atrasados na aula.

Mas o engarrafamento me foi muito proveitoso, pois nele acabei pensando em algumas coisas sobre a disciplina. Por que resolvi ir de carro? Por comodidade, pura e simples. E isso é errado? Lógico que não, mas pensando bem, e sendo um pouco mais atento, parece que a comodidade tornou-se um ideal bastante valorizado. Quantas propagandas de condomínios, de carros, de shoppings, de produtos e de serviços não usam esse argumento como isca? Talvez tudo possa ser mais vendido se trouxer comodidade, ou se pelo menos gerar a sensação de se estar ganhando comodidade, afinal ninguém quer passar por menos esperto e ficar se esforçando e se preocupando com detalhes desnecessários, queremos ter tempo livre para aproveitar a vida. Queremos todos ter prazer e desfrute, e de preferência que ele venha rápido, fácil e gratuito. Comodidade é então, quase sempre, aquilo que facilita, permite ou estende o prazer imediato. Nesse sentido comodidade é o oposto de disciplina. Não que a disciplina seja martírio, sofrimento, punição ou coisa do tipo, mas ela não considera nossos pequenos e constantes pedidos de comodidade. Disciplina é aquilo que permanece, é aquilo que, apesar das oscilações e variações do meio, se mantém de pé ao longo do tempo. No dicionário o termo disciplina está relacionado à submissão (um verdadeiro palavrão, pois quem quer se submeter a alguma coisa?) e comodidade ao conforto e a vantagem (acho que nem é preciso dizer nada).

Na busca do prazer pela comodidade, que facilmente gera acomodação, pode não haver espaço para a disciplina, mas ao mesmo tempo e quase ironicamente, o cultivo da disciplina produz flores e frutos que trazem grande prazer e satisfação. Uma significativa diferença é que a disciplina produz prazer em longo prazo, como resultado do empenho e do comprometimento contínuos. Não há atalhos, nem nada de gratuito, mágico ou comprável, há apenas a sustentação do compromisso assumido consigo mesmo. Nas grandes tradições a disciplina é uma ferramenta essencial, pois é inconcebível que alguém realize com sucesso a longa jornada de amadurecimento sem abrir não da comodidade.     

31 de mai. de 2013

Encontrando um bom guia



"Encontrei a vida - segredos da jornada interior", Swami Muktananda, Editora Vozes.

Neste livro, repleto de deliciosas histórias, Muktananda traça um valioso roteiro para os caminhos de desenvolvimento e despertar interior. Os capítulos descrevem as etapas e partes que compõem o sadhana, a prática de uma disciplina que leve à Consciência, ou ao estado do Ser, descrevendo de maneira simples e profunda questões sobre o ego, o Ser, o guru, a disciplina, Deus, amor e práticas. O final de cada capítulo é composto por respostas dele a várias indagações de alunos, por sinal, aquelas mesmas perguntas que fazemos durante os estudos e as práticas solitárias. Perguntas sobre o significado de conceitos filosóficos, hábitos de vida, alimentação, sexo, trabalho, relacionamento, religião, yoga, meditação, iluminação... 

Quando questionado sobre o sentimento de paz só ser possível quando nos afastamos do mundo social, Muktananda responde dando a direção que todo sadhana, toda busca de realização, deve ter:

"Faça com que a paz se torne inteiramente estabelecida em seu coração 
e leve-a de volta para o mundo"   

26 de mai. de 2013

Entrando e saindo de uma fria



Em dias mais frios me sinto melhor, mais disposto, e tenho a oportunidade de desfrutar melhor dos fantásticos efeitos do banho frio. Mas banho frio no inverno? Como assim? Bem, é isso mesmo, primeiro um banho quente e depois uma ducha final com o chuveiro desligado. O impacto do contraste das temperaturas faz milagres na fisiologia e traz um grande prazer. Só experimentando para saber. Apesar das muitas reticências que surgem imediatamente ao pensar nessa proposta, juro de pé junto que o banho frio vale muito à pena.

Recentemente acrescentou-se um algo a mais na minha experiência de banho frio, algo até mais valioso que o grande bem estar que ele sempre me trouxe. Há uns dias atrás, assim que desliguei o chuveiro e a água começou a esfriar, me percebi resistindo a ela, como se eu estivesse fugindo dela, apesar de estar ali por vontade própria. Parecia que eu estava recuando para dentro da pele, me afastando assim da água fria. Perceber isso foi interessante, pois me vi dividido em dois, um Marcos querendo o banho frio e outro Marcos se recusando a ele. Um lado não estava entregue, não estava de fato ali na experiência de sentir a água fria, talvez quisesse continuar com a água quente, ou talvez, nem quisesse ter saindo da cama tão cedo, não sei. Mas sei que ter percebido essa divisão me fez entrar de corpo e alma no banho frio, não mais resisti, deixei a água molhar e gelar a pele e a alma não foi para outro lugar, ficou ali mesmo.

Talvez a água gelada tenha intensificado a minha divisão interna, mas ela já me é familiar, não há nenhuma novidade nela. Estar em uma experiência e não estar presente, estar num local querendo estar em outro, fazer algo pensando em outra coisa, percebo isso acontecendo em mim muitas vezes durante o dia, às vezes de forma sutil e praticamente imperceptível. Antecipar ou relembrar pelo pensamento são forma de sairmos da experiência imediata e entrarmos num mundo paralelo ao aqui e agora. Meu corpo está em uma situação, mas o meu mundo interno, aquilo que considero como meu “eu”, está em outra situação, e muitas vezes totalmente desvinculada da experiência sensível do corpo naquele momento. Isso não é esquizofrenia, a conhecida e grave psicopatologia, mas possui a mesma dinâmica interna, a de se estar dividido e dissociado. Por sinal, o termo esquizo significa cisão, partido, assim como o estar conversando com alguém e na verdade estar mesmo é pensando no que fará quando se despedir dessa pessoa.

Perceber a minha resistência à água gelada me abriu para a experiência real da água fria, e é exatamente essa a proposta de muitas formas de meditação, abrir-se para a experiência real, direta, imediata, saindo da condição esquizo. Nada além, nada aquém, nada em outro lugar ou outro tempo. Tão simples e tão coerente, já que a vida só acontece aqui e agora no exato pulsar da experiência. E a nós cabe apenas escolher entre estarmos abertos ou fechados à isso.

19 de mai. de 2013

Disponibilidade é a chave

Estou retornando do III Encontro de Longevidade e Saúde, evento que ocorreu aqui em Taubaté e no qual participei dando práticas de meditação e pranayama. Foi um final de semana gostoso, intenso, produtivo e revelador. O encontro aconteceu num sítio muito bem cuidado e repleto de natureza. Comigo estavam também mais seis professores de yoga, tai chi, meditação, dança circular e educação física, e á toda essa ótima estrutura associou-se um grande tesouro: um grupo de quase 60 pessoas disponíveis!

Disponibilidade é uma chave que abre muitas portas, uma ponte que aproxima muitas margens. Ela é o grande lubrificante das relações humanas, da aprendizagem, das mudanças. Sem disponibilidade não existe professor, pois não existe espaço para troca, e nem existe o aluno, pois não há espaço para o novo. O professor alimenta-se da abertura do aluno em querer ir além de onde está, de seu mundo já conhecido. Se não houver disponibilidade no aluno em adentrar por novos territórios, resta ao professor pouco a fazer, no máximo um belo discurso (para ninguém). Por sua vez, se houver pouca disponibilidade no professor para estar próximo de seu aluno, para deixar-se tocar por ele, e assim, compreender seu mundo, pouco ele irá aprender, pouco ele irá além do que já conhece. Um professor que não é capaz de aprender é, no mínimo, uma grande contradição.

Sem disponibilidade a aprendizagem significativa, aquela que vale a pena, não pode acontecer. Sem disponibilidade não há transformação, não se sai do mundo já conhecido. Sem a presença da disponibilidade nenhum casal é possível, não há relação que sobreviva sem ela, e isso inclui o casal professor/aluno. Porém, quando ela está presente, a dança acontece e o casal se expande, vai além, se surpreende com o que é capaz de criar, e talvez até surja uma esclarecedora pergunta entre eles: mas afinal, quem ensina quem?

E é essa a minha constatação agora após o encontro, uma grande satisfação em ter trocado experiências e momentos com pessoas disponíveis, o que aumentou a minha capacidade de estar disponível. E disponibilidade é a terra fértil onde o yoga pode brotar e florescer.

                            Parte do grupo que se dispôs escalar o monte 

                               

8 de mai. de 2013

Tão bom que não quero





No meio do vai e vem e da agitação constante de uma academia de ginástica, aparece uma aluna nova. Chega falante, querendo malhar, querendo queimar, querendo extrapolar. Faz a aula e vai aos poucos mudando a freqüência. No final está com a fisionomia serena e com um leve sorriso no rosto. Ao perguntar-lhe como estava sentindo-se responde um convincente: “estou muito bem”.

Essa aluna some. Depois de quase um mês a encontro no corredor da mesma agitada academia. No meio do constante vai e vem de alunos, todos correndo atrás de novas modalidades de fitness, tivemos uma breve e significativa conversa:

- Como você está?

- Tudo ótimo!        

- Eu amei a aula, me senti muito bem, tão bem que me estranhei. Em casa eu nem xinguei a empregada. No serviço várias pessoas falaram que estava mais tranquila, sem ficar implicando e brigando com eles. Achei isso meio esquisito e acho que não posso ficar assim, acho que a aula acabou fazendo mal para mim. Não posso ficar de boa, senão o que vai acontecer comigo?

Um instante de silêncio e um ponto final: “mas eu gostei muito viu, um dia eu apareço”. Nos despedimos rapidamente, pois uma nova aula de uma nova modalidade estava começando. No movimento da academia há sempre mais músicas, mais aparelhos, mais novas metas, mais novos alunos, há sempre um novo mais.

Na hora não consegui responder a sua pergunta, e nem sei se ela queria uma resposta, pois fiquei mesmo é encantado com esse paradoxo que ela expressou tão bem: queria sentir-se bem e quando encontrou isso, estranhou-se e se afastou. Que maravilha o que ela disse! Não é esse o nosso paradoxo? Transpor resistências, sair das distrações e suportar o que realmente importa. Não é esse um grande conflito do humano?

E usando esse caso apenas como gancho, não há como não pensar em algumas questões que podem ser reveladoras para todos nós (no lugar do ela coloque eu):  

O que será que a impediu de suportar a experiência de sentir-se bem?

O que a fez estranhar-se?

O que é esse estranhar-se?

O que ela não pôde abandonar?

Se ela ficasse desarmada o que aconteceria com ela?

Ela estava com medo do que?

Quem estava com medo?

O que estava resistindo?

27 de abr. de 2013

Yoga é uma ética




O yoga, antes de tudo, é uma ética. E o que é ética? Sendo bem simples, ética é uma proposta de vida boa, uma vida que valha a pena ser vivida, uma vida que contemple a todos, e que permita a todos serem plenos.

Yoga é uma ética, mas não uma ética teórica de como a vida e o humano deveriam ser. Yoga é uma ética vivencial, tão efetiva e real quanto nossas ações e palavras. Uma proposta que não se origina, e se finda, em discussões e textos, mas de experiências consigo mesmo e com o outro.

O yoga, como uma elaborada e complexa forma de amadurecimento e espiritualidade, tem seu alicerce estabelecido em uma ética. Sem este alicerce o yoga desfigura-se em qualquer outra coisa. Mas que ética é essa? Que princípios são esses? Mais uma vez tentando ser bem simples, o yoga entende que se o ser humano não for livre, radicalmente e profundamente livre, viverá em sofrimento, e para facilitar que este estado de liberdade (moksha) seja plenamente vivenciado, o yoga propõem alguns princípios e algumas técnicas.

Sri Patanjali, em seu clássico “Yoga sutra”, elaborou dez princípios éticos para o yogui, os yama e niyama. As diversas linhas de yoga possuem ainda outros princípios, além de seu próprio arsenal de técnicas, sendo que talvez as mais numerosas estejam nas diferentes correntes do hatha yoga. É impressionante, por exemplo, a amplitude que os asanas, as posturas, ganharam hoje em dia entre boa parte dos praticantes, indo praticamente ao infinito as possibilidades desta técnica.

Mas é bom não esquecer que yoga é, antes de qualquer coisa, uma ética, uma proposta de vida plena e as técnicas só ganham sentido dentro desta proposta maior. E no que se transformam as técnicas sem o alicerce dessa ética? Continuam técnicas, ainda bonitas, curiosas, saudáveis, interessantes, valiosas, às vezes estranhas, mas sem o alicerce ético são apenas técnicas que facilmente morrem em si mesmas, são como paredes que sozinhas não conseguem formar uma casa sólida, e muito menos um lar Daquilo.

16 de abr. de 2013

Não é o corpo que sofre


Para que servem as famosas posturas do yoga, os asanas? Ou, melhorando a pergunta, qual a função e o que provocam essas técnicas? Bem, servem para quase tudo, desde alongar músculos e corrigir a postura até estimular órgãos internos e glândulas. Algumas posturas são ótimas para partes específicas do corpo, outras são verdadeiros remédios para algumas enfermidades, outras são restauradoras e outras bastante revigorantes. E quando acrescentamos à elas os cuidados dos alinhamentos e o uso de acessórios, todos esses benefícios são multiplicados muitas vezes. Realmente os asanas são uma fonte inesgotável de contato, descoberta, cuidado e tratamento do corpo.

Mas os asanas são também uma forma poderosa de entrarmos em contato não apenas com o corpo físico, mas também com o corpo emocional e mental (assim é chamado no yoga o aparelho psíquico). Mas como? A permanência em uma postura permite que emerjam não apenas dores musculares ou desconfortos em articulações, ou a falta de força ou de equilíbrio, mas também desconfortos de outros lugares internos. Nas posturas deparamo-nos cara a cara com ninguém menos que nós mesmos, com nossos padrões, limites, bloqueios, feridas e imagens internas que temos sobre quem achamos que somos. As posturas revelam um corpo desnudo, ou melhor, elas desnudam as muitas intenções que revestem o corpo físico. As posturas mostram, por vezes, um corpo maquiado, que não condiz com seus reais traços, e deixam à mostra a distância entre o que se é e o que se acredita ser. Mas não só, pois elas também permitem abrir um espaço valioso para que o corpo possa aproximar-se do que de fato é, sem os disfarces, distorções e pretensões do ego.

Lembro-me de um aluno que tinha lesões e dores no joelho, e que por isso tinha algumas restrições em posturas. É lógico que saber um pouco sobre joelhos e ter algumas alternativas para oferecer ajuda muito o professor a ajudar o aluno. Mas essa é só uma parte da história. Esse aluno sabia das limitações de seu joelho e sabia das alternativas para lidar com ele, mas não as fazia, ou se fazia, fazia sentindo-se mal. Por quê? Porque para ele o joelho era sentido como uma ferida aberta, não no território corporal do joelho físico, mas no seu ideal de desempenho, na sua imagem interna a ser sustentada. O joelho o colocava frente a frente com a desagradável sensação de limite, que era sentida como humilhação, inferioridade e vergonha. O joelho era o ringue onde ele entrava em combate consigo mesmo. Cuidar da dor do joelho ajudava, mas isso podia não tocar na questão da dor egoica. Foi bom poder conversar com ele e dizer o quanto ele brigava consigo mesmo, e que como esse era um ponto fundamental para que sua prática de yoga pudesse evoluir, não apenas por cuidar do joelho, mas principalmente por perceber e poder reinventar sua inflação egóica de ter de ser o melhor.

Quase sempre o sofrimento não está no corpo, não é ele que sofre, mas sim aquele que o está desconectado do próprio corpo.