25 de out. de 2013

Encontrando perguntas



Após a aula uma aluna me procura ansiosa. Ela me conta uma experiência que teve em sua prática e está se questionando sobre qual o sentido dessa vivência. O que fazer com o que aconteceu? Até onde considerar? Como conduzir a prática a partir disso? O que ela significa?

Esta é uma ansiedade muito bem vinda, pois a prática, uma hora ou outra, nos levará a novos lugares internos, e estes, muitas vezes, são desconfortáveis por serem inesperados e estranhos. Com eles alguma coisa em nós se desarranja, se desequilibra, e precisamos então buscar um novo equilíbrio com a incorporação desse algo novo. Esse novo estado de equilíbrio não será eterno (portanto, não há motivo para nos apegarmos a ele), e em breve um novo desequilíbrio se instaurará, o que nos pedirá uma nova organização. No olhar da psicologia esse processo deverá se repetir infinitamente, sendo essa uma condição humana saudável e desejável. O yoga aponta, porém, para outro objetivo, um lugar para além dessa eterna oscilação da incompletude, o que não nega, ou elimina, entretanto, a longa e necessária etapa do equilíbrio/desequilíbrio.

Mas as perguntas verdadeiras e incômodas, as que desequilibram, quase sempre, só surgem no calor da experiência direta e dedicada de uma prática (de yoga ou de qualquer outro caminho), aquela com a qual nos comprometemos ao longo do tempo.  Se a proposta não for testada em primeira pessoa, na própria pele, com o calor do próprio esforço e empenho, ela pode não ser fértil o bastante para gerar o transformador desequilíbrio. 

A boa prática de yoga e meditação permite o aflorar de novas perguntas e de novos desequilíbrios, e abrem espaço também para novas e surpreendentes respostas, assim como a novos estados de equilíbrio. Uma prática que não produza perguntas (e ou novas respostas) é estéril, ou seja, não tira da zona de conforto, ou por não ser adequada ao praticante ou por não receber dele a devida dedicação. 

17 de out. de 2013

Eu estava lá!



       Durante muitos anos, sempre que estava na praia, dava um jeito de ir caminhar pelas pedras. Gostava de fazer isso sozinho, escalando e me movimentando pela encosta, sem pressa e sem saber exatamente até onde conseguiria ir. Só parava quando não era mais possível continuar, ou quando encontrava um local onde pudesse me sentar confortavelmente e ali ficar por um bom tempo. Quase sempre fazia ali alguma prática e depois deixavas as coisas acontecerem.

          Certa vez estava sentado de frente para o mar aberto, mar verde, imenso. No céu azul só o sol e algumas aves. Em volta de mim pedras, quentes, árvores e uma sombra acolhedora. Na minha frente, lá longe, a linha do horizonte levemente arredondada, e bem perto de mim, ondas quebrando com estrondo e espuma, indo e vindo, além de muitas pedras, grandes, imóveis, resistentes. Eu estava ali, um espectador de camarote, apreciando e me sentindo integrado à todas essas cenas belas e simultâneas. Tudo acontecendo por si só, eu querendo ou não, eu estando ali ou não. Perceber isso era muito bom, agradável, me deixava mais quieto, aberto e contemplativo. Há quanto tempo essa paisagem já não estava ali? Há quantas eras não era exatamente assim, independente de mim, de qualquer pessoa ou de toda humanidade? 

     E assim continuei ali, deixando as coisas acontecerem e absorvido pelo mar. E então, na linha do meu olhar, uma arraia salta. Preta e branca, grande, num voo rápido totalmente fora da água... uma imagem surreal, sem tempo para qualquer preparo.. já foi! Depois de seu mergulho até tentei prever onde ela poderia saltar novamente, mas naquela vastidão de mar, sem chance. Na verdade, o possível segundo salto já não tinha importância frente à experiência impactante do primeiro.

        Logo pensei: “poxa, que sorte a minha estar olhando justamente naquela momento para onde ela saltou!”. Mas o que senti mesmo, e sinto até hoje, é que não foi sorte, nem acaso, nem coincidência, nem sincronicidade, nem nada de especial. Sinto mesmo é prazer de poder dizer que “eu estava lá!”. Só isso. Estava lá, presente, e por isso pude ser testemunha, não apenas do inusitado salto da arraia, mas de todo o resto, comum e maravilhoso, que acontecia do meu lado, na minha frente, encima, atrás e dentro de mim. Naquele momento eu estava lá e não em outro lugar. Não estava pensando em outras coisas, digamos, mais importantes, não estava mergulhado em meu mundo interno, nem refém das minhas memórias ou de meus planos, ou ainda ocupado em ouvir minhas vozes cheias de razão sobre isso e aquilo e tudo o mais.

        A lembrança dessa experiência já me deixou algumas vezes num misto de prazer e angústia ao  levantar uma pergunta meio incômoda: e nesses mais de vinte e cinco anos que se passaram depois do salto da arraia, em quantos momentos posso dizer que “estava lá”? Onde estava eu ao longo desse percurso? Quantas arraias deixei de ver? 

         Esse questionamento me serviu como uma fértil provocação, me deixou mais atento, e nesse sentido foi bem positivo, mas na verdade é uma falsa questão. As arraias que não vi não tem mais nenhuma importância, já estão em outros mares! Mais do que isso, esse questionamento é em si uma tentadora cilada para que novas arraias não sejam vistas, tendo em conta que estarei confabulando e especulando sobre as que não vi. Deixemos então que as arraias nadem e saltem em paz, onde e quando quiserem.

             O que importa de fato é que a força do "sim, eu estava lá!" seja atualizada e mantida com um "Sim, eu estou aqui!"

Marcos Taschetto


10 de out. de 2013

Paz pelo Yoga



Esta semana está acontecendo em muitas cidades do país, inclusive aqui em Taubaté, o “Yoga pela Paz”, evento que tem o objetivo de propagar o clima de paz pelas cidades através de práticas de yoga e meditação. Muitas escolas oferecem aulas gratuitas e há muitas práticas abertas em parques e praças. Uma ótima iniciativa que vem crescendo a cada ano!

Mas qual a relação entre o yoga e a paz? Como se dá esse casamento que parece tão evidente e inevitável entre praticar yoga e ficar em paz? A paz é geralmente definida como algo contrário à guerra, ao conflito, à discórdia, paz é a ausência desses estados, internos (consigo mesmo) ou externos (entre pessoas, entidades, países...). A derradeira bandeira branca. Mas o fato de não estar em guerra, em conflito, não quer dizer muita coisa, e muitas vezes pode ser até bem preocupante. Essa é uma situação parecida com aquela onde o médico por não achar nenhuma doença no paciente o julga saudável. Saúde não é o mesmo que não estar doente, pois muito além de não ter sintomas, saúde é a presença de vitalidade no organismo. Assim também a paz não se resume em não estar em conflito, em “estar de boa”, mas vai bem além dessa condição, pois diz respeito à posse de algo que independa das oscilações entre conflito e não conflito.

A prática de yoga e meditação proporcionam algumas profundas sensações de bem estar, e isso é constatável já no primeiro contato. E esse bem estar é aquela paz da ausência de conflito, ou seja, é a paz que facilmente nos escapa da mão, basta o primeiro contato com o mundo que ela se desfaz magicamente. Por quantas vezes já não presenciei os alunos acabarem a aula num clima de silêncio profundo e em questão de segundos, enquanto ainda guardam os acessórios, já voltarem à agitação que estavam antes da aula? Ou então isso acaba acontecendo quando religam o celular, ou quando entram no carro, ou quando chegam em casa, ou ligam a TV, ou qualquer outra forma de contato com o mundo. Para onde foi aquela paz?

Essa paz é boa, pode e precisa ser desenvolvida, mas está longe daquela que o yoga e a meditação podem proporcionar. A paz que vai além da ausência de conflitos, que vai além do bem estar é a paz de saber-se quem se é. Paz que não pode ser roubada é a clareza de poder olhar para si mesmo e reconhecer o que se sente, o que se pensa, o que se deseja e o que se teme. Paz de poder reconhecer todas, absolutamente todas, as experiências que podemos ter, paz de nada excluir. Paz de ser testemunha de si mesmo, não importando se o dia é de sol e os pássaros cantam ou se faz frio e chove.  Todas as técnicas de meditação ou de yoga são caminhos que podem nos levar para além do bem estar, que podem nos aproximar daquilo que somos, e que não sabíamos ou lutávamos para não ser. E longe desse lugar não há paz que perdure.